Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 79
Me Abrace Forte




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Era uma tarde fresca, o moço estava se arrumando para ir à missa de sétimo dia em homenagem à Andreea, olhava-se no espelho enquanto enlaçava sua gravata, estava com os olhos vermelhos, mais pálido do que de costume, os lábios secos e enrugados, sem o fulgor sensual e juvenil que possuíam, não conseguiu reconhecer-se.

O que via diante de si era um ser obscuro e desconhecido, um fantasma perdido, afogado num oceano de águas trevosas e profundas e ali deixara seu corpo afundar enquanto a vida flutuava para longe de si, levada pelas desleais ondas enquanto seu ser jazeria eternamente nas profundezas da escuridão.

Conforme abotoava os punhos de seu paletó e ajeitava a gola tentava não encontrar seu próprio olhar, sentia que seu reflexo iria condená-lo, como se estivesse diante de um alguém frio e calculista que o perturbaria pelo resto de sua existência pelos erros que cometera. Desviava os olhos de forma tão envergonhada e amedrontada e ao terminar de se vestir, respirou fundo saindo cabisbaixo do aposento.

Até as paredes exalavam algum tipo de estranha energia, algo com longos e fortes dedos que iam direto para sua garganta, entrelaçavam-se como serpentes e lhe privavam de ar. Damian sentia os degraus da escada se desfazendo sob seus pés, a cada passo para baixo, era como se estivesse sido engolido por um buraco contendo areia movediça. Afundando... Sufocando...

Na igreja, estava sentado na primeira fila ouvindo a voz sonolenta e monótona do padre Cosmin falando sobre vida, morte e a importância de Deus no cotidiano das pessoas, sentiu-se enojado por aquelas palavras, tentou deixar-se levar por seus pensamentos vazios, mas não sabia a qual dedicar sua atenção fazendo com que preenchesse sua mente até o instante que toda esta mentira acabasse.

Sabia que as pessoas do vilarejo, principalmente as mulheres, detestavam Andreea e sabia também qual era o motivo, sempre chamando-a de meretriz e até de nomes piores que não deveriam nem ser pensados quando se estivesse em uma igreja, mas tinha certeza de que o ódio daquelas mulheres não era pelo fato de Andreea não ser fiel a um único homem ou ser vulgar, o ódio delas era de que a viúva Voiculescu era jovem, bonita e não permitia-se seguir as regras que a sociedade impunha às mulheres. Era livre e segura para fazer as escolhas que bem entendesse e isto também despertava o desejo dos homens, uma mulher que não era submissa, era algo novo, porém surpreendente.

Não entendia o motivo de aquelas pessoas estarem ali, alguns apenas conheciam a mulher de nome ou viram somente o seu rosto, nunca chegaram nem sequer a cumprimentá-la quando poucas vezes percorreu as ruas da vila entretida com objetos nas diversas feiras livres do povoado, apenas a olhavam pelo canto dos olhos e viravam a cara, cheios de preconceituosos pensamentos e por que estariam ali naquele momento? Por que rezariam por ela se um de seus maiores desejos era vê-la morta?

Após trinta minutos a missa se concluiu, todos ao se levantar faziam o sinal da cruz diante de uma majestosa imagem de Cristo pregado a ela, triste e cabisbaixo onde atrás encontrava-se um colorido vitral com a imagem da Virgem Maria, a mulher que engravidara sem ter deitado-se com o marido e mesmo assim, José não a renegou e aceitou o filho apenas por dizer-lhe que era um Filho de Deus, por que então julgavam a pobre Andreea, se jamais julgaram Maria?

Ao se levantar, Petrescu sentiu um aperto em seu peito e o ódio correndo em suas veias, lá estava Rosalind olhando para o semblante do rapaz, havia um triste apelo em seus olhos enquanto Tristan cravava suas unhas no pequeno e frágil corpo feminino não a deixando afastar-se nem sequer alguns milímetros de si.

Tentou se controlar, porém quando o rival lançou-lhe um sorriso provocativo, apressou o passo para chegar tão perto a ponto de acertá-lo com um violento soco que lhe tiraria três ou quatro dentes e dar-lhe-ia também um nariz entortado, todavia uma mulher entrou em sua frente fazendo-lhe desviar a atenção para ela, era a viúva Radulet segurando um de seus filhos pela mão.

___ Sinto muito pela sua perda, senhor Petrescu ___ disse ela sem olhar nos venustos olhos do rapaz.

___ Obrigado, Loredana, isso é muito reconfortante ___ disse ele tentando parecer gentil, mas por dentro a fúria fervilhava.

A mulher fitou-o com um olhar surpreso, como se o jovem houvesse cometido um crime hediondo por referir-se a ela pelo seu primeiro nome, após isso, tratou logo de afastar-se do ferreiro puxando o filho, um pequeno menino aparentando ter não mais do que oito anos.

Ao olhar novamente para a entrada da igreja, notou que a família Dumitrescu não mais encontrava-se ali muito menos sua bela Rosalind, haviam desaparecido, pensou que fora melhor assim, podia não se importar muito com religiões, mas era educado o bastante para não iniciar um confronto no Templo de Deus, como os bons cristãos chamavam a igreja.

Estava quase entrando em sua carruagem quando ouviu uma voz cansada chamar seu nome:

___ Damian!

Virou-se e viu que era Ionel, estava tão diferente, como se em apenas alguns meses e poucas semanas houvesse envelhecido dez anos, olhava para o jovem com ternura e certa decepção, Petrescu detivera-se e caminhou em direção ao pai.

___ Sinto muito, fiu.

___ Obrigado, tata.

___ Posso ajudar em alguma coisa?

___ No momento não.

___ Bom, se precisar de mim sabe onde me encontrar.

O adolescente apenas sorriu sem abrir os lábios, era apenas um sorriso sem jeito, não sabia o que responder.

O pesar escureceu os olhos de Ionel e com um suspiro ele respondeu:

___ Faça o que for certo para você, fiul meu.

___ Eu farei, tata.

A carruagem estava parada apenas o aguardando, o cocheiro estava ali ao lado segurando a porta aberta para que o jovem pudesse entrar, mas antes disso, como um menininho tolo, Damian correu para os braços de seu pai apertando-o.

A luta para não chorar foi dura e cruel, mas rapidamente a vencera, apenas queria que nada tivesse acontecido, queria sua vida de volta, sabia que não era mais um ferreiro, não era mais um garoto, não era mais o filho amado de Ionel, nem mesmo sabia se ainda era completamente humano...

Era algo incomum, de todas as vezes que abraçara o velho ferreiro, desde a infância, nunca sentira um calor tão forte aquecendo-o por dentro, nunca sentira um amor tão intenso por aquele homem que nunca interferira em suas escolhas e o deixava ser livre, às vezes quisera que lhe desse umas boas surras e que lhe auxiliasse quando sentia-se perdido, mas sempre que o olhava, percebia que no fundo de seus olhos, não se importava.

Aquela vez fora diferente, havia ternura e emoção, Ionel nunca o envolvera tão ardorosamente e por tanto tempo, no fundo ele ainda era o seu pequeno garoto que buscava seu colo quando chegava cansado do trabalho, o que lhe entristecia era saber que nada mais seria como antes.

___ Iartă-mă, tata.

Petrescu podia ouvir a voz forçada do filho sufocando as lágrimas, a dor se arrastou para dentro dele, não suportava ver aquele menino tão forte e tão jovem, tão destruído por dentro, não era sua culpa, mas sentia que havia falhado e a dor de vê-lo assim iria lhe afligir até o fim de seus dias.

___ Eu sempre estarei aqui para você... Fiul meu.

Quando Ionel dissera alto e claro fiul meu, Damian não mais pôde conter o pranto, escondeu o rosto no ombro de seu pai e deixou com que sua tristeza fosse morta pelo carinho, não importava-se mais em pensar que era fraco, a fraqueza era apenas um ponto de vista, um erro, um engano, ser fraco era fingir ser forte, tentando esconder seus sentimentos.


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