Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 72
... E Ela Permanecerá Bela Para Sempre...




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Naquela noite, Damian não fora para a cama, não conseguiria, apesar dos empregados terem trocado os lençóis e limpado minuciosamente cada canto do aposento para não haver mais manchas ou sequer o cheiro do sangue dela, contudo, a presença da viúva ainda estava ali e temia que se entrasse naquele local poderia vê-la, tão quieta e soturna quanto Ionela ou Mihaela.

O sono não vinha e as dezenas de doses de álcool ingeridas não iriam apagar a culpa que estava sentindo, assim como quando deixou a linda filha do Conde de Bucareste perder a luz de seus olhos tristes, será que veria o rosto de Andreea em seus sonhos? Não conseguia parar de pensar em seu semblante pálido e em seu corpo desfalecido em seus braços naquela manhã tão lúgubre.

Levantara-se subindo até um dos muitos quartos feitos especialmente para os hóspedes do senhor Voiculescu, que após falecer não mais foram abertos, pois os únicos convidados precisavam de apenas um só quarto, onde Andreea dividia a cama e os prazeres com eles, abriu a porta e lá deparou-se com o cadáver da dama sobre uma airosa cama, não tanto quanto a dos aposentos principais, mas ainda bela. Seus cabelos cacheados e com um intenso resplandecer dourado como os primeiros raios de sol numa manhã de verão, seus lábios não eram mais tão vermelhos, mas ainda assim estavam volumosos e exuberantes, suas pálpebras levemente unidas, parecia um anjo adormecido.

Sentou-se à beira da cama e ficou observando-a no silêncio mortal, não sabia o que pensar, tantas coisas passavam por sua cabeça, era impossível concentrar-se em apenas uma, tantas lembranças de momentos que passara ao lado daquela jovem, pequenas coisas que fizeram com que ela o conquistasse de uma adorável e inesquecível maneira, sentiria sua falta e ansiaria que, onde estivesse, estivesse bem.

Lembrou-se de que, naquela manhã, o médico lhe informara que a causa da morte de Andreea fora uma infecção seguida por uma intensa hemorragia, recordou-se também de que havia muito sangue, principalmente na região de sua virilha e nitidamente o rosto espantado do médico invadiu-lhe a mente. As horas que se decorreram no resto da tarde foram inteiramente para ingerir doses e mais doses de álcool, o que quase o fez esquecer-se das palavras de Valeriu.

Cuidadosamente, fora levantando a branca camisola tão bem lavada e passada para que deixasse Andreea confortável e bonita para sempre, quando a levantou até o abdômen, seus olhos arregalaram-se de espanto, notara algo que lhe deixou intrigado. Em sua virilha, quase tão próxima da região genital, havia uma marca de mordida, dois profundos furos indicando serem caninos e mais alguns vestígios do restante dos dentes.

Damian ficara confuso e assustado, não sabia no que pensar, não conseguia entender, o que havia causado aquilo, mas de uma coisa sabia, foi por esta razão que a viúva falecera, havia perdido muito sangue, ao redor do ferimento estava um tom de roxo, o buraco da mordida estava em carne viva, entretanto se logo não fosse enterrada, aquele local seria o primeiro a começar a se decompor.

Um arrepio cruzou o corpo do rapaz, aquela mordida com precisas marcas de presas o fizeram lembrar-se do jardineiro Radulet e da amiga de Rosalind, Ionela. Vira as marcas no pescoço do falecido homem quando fora ao seu enterro e apenas ouvira boatos sobre as mordidas na jugular e pulsos da jovem donzela, ambas assemelhavam-se às que acabara de ver na virilha de Andreea.

Baixou a camisola da mulher até os tornozelos e ficou admirando-a com sombria atenção, arrependia-se por não ter estado ao seu lado quando mais precisou, ficava martirizando-se ao pensar que naquela noite ela podia ter gritado por seu nome, mas o garoto estava longe, tão longe que não pôde ouvi-la.

Os olhos tão azuis pareciam transparentes sob a luz da chama mortiça de uma única vela iluminando o quarto, a fitava com carinho pensando em como estava bela, mais magnífica do que em qualquer momento que já esteve, surpreendeu-se em como a morte era sublime, pois ao mesmo em tempo que era cruel, era justa, ela tirava a vida, porém dava a beleza, uma beleza que nunca iria morrer, que nunca iria se desfazer e, olhando para a mulher, o ferreiro teve um desejo, queria morrer jovem e permanecer belo para sempre, assim como a dama.

Acariciou seu rosto gélido, estava tão quieta e tão doce, como se estivesse mergulhada em um sono profundo, como se não temesse que o tempo esculpisse rugas em seu semblante tão esplêndido quanto o de uma deusa, por fora era uma mulher exuberante, por dentro era apenas uma menina, menina-mulher, sonhadora e perdida, tentadora e desiludida, caminhando sozinha num vale de escuridão.

Somente olhar para ela e sua culpa aumentava, achava que não merecia o que lhe fizera, deixar-lhe todos os seus bens, mal ele sabia quantas coisas a dama possuía, pelo menos achou reconfortante a ideia de Benjamin cuidar de sua herança até ter idade, julgava-o um rapaz elegante, divertido, inteligente e de boas intenções, certamente saberia instruí-lo até estar pronto.

Inclinou-se vagarosamente e com suavidade tocou os lábios álgidos e sensuais, porém sabia que este gesto de amor não apagaria toda a rejeição para com ela durante os dias que se seguiram desde o momento em que pisara naquele chão. Por mais que tentara ser inteiramente dela, não conseguia, não podia, não queria, seu coração pertencia a outro alguém, um alguém que jamais poderia trair, um alguém que jamais machucaria, um alguém que jamais lhe pertenceria.

Pegou o castiçal banhado a ouro sobre o criado-mudo e caminhou até a porta, todavia, antes que pudesse sair, sentira um vento frio gelar-lhe a pele pálida e apagar a trêmula chama que, se passasse mais alguns minutos, iria apagar-se sem ajuda, virou-se em direção à viúva, ainda estava inerte em seu eterno sono, mirou a janela, estava fechada e mesmo que alguma corrente de ar pudesse entrar, teria de ser forte o bastante para cruzar as grossas cortinas de veludo carmesim.

Olhou em volta percorrendo todo o perímetro, nada viu, entretanto sentia um estranho frio que fazia seus pelos eriçarem, tentou não se importar e saindo rapidamente do quarto, trancou a porta. Desceu lentamente até a sala de estar, a garrafa de uísque ainda sobre a mesinha ao lado do sofá, as chamas rubentes e vibrantes na lareira, o silêncio engolindo cada cômodo escuro e solitário do palacete.

Bebeu várias doses de álcool até por fim a garrafa encontrar-se vazia, sua cabeça pesava, mas não o suficiente para estar bêbado, uma garrafa inteira de uísque bastaria para embebedar qualquer homem adulto, mas o jovem parecia suportar, ter uma certa imunidade até por ele desconhecida.

Caminhou um pouco cambaleante até a adega que se encontrava no porão, lá havia dois grandes barris repletos da mais amarga e forte tuica, somente o pensamento de absorver pelo menos três doses daquela aguardente passava por sua cabeça, queria fazer qualquer coisa para apagar sua memória, poderia ser somente naquela noite, poderia ser para sempre.

Estava cansado, queria apenas poder dormir, mas sabia que não teria uma noite tranquila, todavia, voltando para a sala de estar, deitou-se no sofá e isto foi como uma deixa para sua imaginação começar a lhe pregar peças, sentia como se estivesse revivendo um momento, Andreea e a viúva Radulet, ambas pedindo por ele, pelo prazer que podia dar a elas, era sua primeira noite como residente naquela casa.

Seus olhos fixos nas chamas da lareira e lá podia ver, a sensual loura cavalgando sobre seu alvo corpo enquanto seus dedos acariciavam a virilha da recente viúva, que deveria estar recolhida com seu luto, ouvia os gemidos e suspiros, porém nada lhe despertavam, prazer ou medo, nenhum de ambos, apenas observava com um olhar vazio como se aprendesse a conviver com as lembranças.

O fogo era hipnotizador, aos poucos seus olhos foram se fechando, suas pálpebras se unindo lentamente enquanto as imagens dançavam sobre uma luz avermelhada e o rosto de Andreea queimava nas chamas até morrer na escuridão de seu olhar cerrado.


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