Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 43
A Dor de uma Traição




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Em uma tarde que nem seu pai, muito menos Damian foram trabalhar, estava trancado em seu quarto com uma faca e um pedaço de madeira, estava talhando algo que ainda não adquirira forma, a testa franzida num sinal de atenção e concentração, as lascas caíam sobre o chão, mas este era o menor dos problemas.

O ferreiro havia descoberto sua paixão por este hobby havia alguns anos, viu um cigano vendendo bonecos de madeira feitos por ele mesmo e teve interesse em aprender esta técnica, o homem o ensinara com paciência e gentileza e desde então, quando não estava ocupado ou afogado em seus próprios devaneios, talhava figuras sem muita importância, porém para o menino era um relaxante passatempo.

Em uma caixa que mais parecia-se com um pequeno baú, o garoto havia guardado todos os seus trabalhos, alguns inacabados por falta de tempo ou vontade, eram como tesouros para ele, pequeninas e adoráveis relíquias tão valiosos quanto qualquer metal ou pedra preciosa.

De vez em quando observava minuciosamente seu trabalho para ver se nada estava saindo errado e sorria quando percebia que sua escultura estava ganhando forma e até vida, isto o motivava a continuar, sempre com muita atenção e paciência, como o cigano gentil lhe ensinara, até que viu Viorica adentrando seu aposento através do espelho.

___ Com licença. Senhor Petrescu?

___ Sim, Viorica?

___ O senhor Florin Dumitrescu está aqui com seu filho e ambos desejam vê-lo.

O adolescente parou o que estava fazendo para responder:

___ Diga que já irei descer.

___ Tudo bem, senhor.

Quando a criada deixou o lugar, o rapaz franzira as sobrancelhas se perguntando o que o amigo e seu pai faziam em sua casa.

Após alguns minutos, Damian descera vendo o pai conversando com Florin e Tristan, os três sentados na sala de estar, ao aproximar-se, disse educadamente:

___ Bună ziua, senhores.

O amigo e o pai levantaram-se para dar a mão para o ferreiro, cumprimentando-o.

___ Bună ziua, jovem Petrescu, como tem passado, băiat?___ falou Florin em tom simpático e educado.

___ Estou muito bem e o senhor, senhor Dumitrescu?

___ Ora, tirando esta terrível dor nas costas estou ótimo, meu rapaz!

___ Como vai, Damian?___ inquiriu Tristan um tanto reprimido e aparentemente envergonhado.

___ Vou bem e você, Tristan?

___ Bem ___ o amigo sorria encabulado, mas esforçando-se para disfarçar isto.

Petrescu percebeu como o amigo fora seco em sua resposta e estranhou tal comportamento por parte do moço tão extrovertido e tagarela, principalmente quando se tratava de vangloriar-se por algum feito.

___ Bem, senhores, vamos sentar para conversarmos melhor?___ sugeriu Ionel.

Os três imediatamente fizeram como o sugerido, Damian perto de seu pai e Tristan perto de Florin, Viorica trouxe-lhes canecas cheias de cerveja e charutos, os homens mais velhos começaram a beber e a fumar enquanto os garotos provaram rapidamente da bebida, mas logo a dispensaram, o mesmo fizeram com os charutos.

___ Então, Florin, como vão os negócios?

___ Estão formidáveis, Ionel, estão expandindo cada vez mais!___ dizia o velho gordo adornado por uma nuvem de fumaça que saía de sua boca e narinas.

___ Se eu soubesse o quanto cevada lucrava desistiria do ofício de ferreiro ___ brincou o senhor Petrescu olhando para a própria caneca.

___ Ora, mas se não fosse por você e o jovem Damian meus cavalos não teriam as melhores ferraduras para viajarem durantes dias sem descanso!

___ Nesta parte tenho que concordar com você, draga mea. E quanto às máquinas?

___ Ah estão funcionando muito bem, uma só faz o trabalho de trinta homens, é maravilhoso! Lucro mais e não preciso dividir minha renda com ninguém ___ havia um toque de egoísmo solto na voz de Florin que não passava despercebido por todos ali presentes, menos pelo próprio locutor.

Enquanto os dois homens conversavam como bons amigos de infância, Damian percebeu que Tristan lhe encarava de um jeito estranho e quando resolveu retribuir os olhares, o amigo fingia buscar algum outro ponto do ambiente para admirar.

___ Mas então, Florin, qual é a razão para esta visita repentina, prietenul meu?___ perguntou Ionel curioso.

___ Viemos aqui para contar que meu bom filho Tristan depois de anos que lhe implorei...

___ Você praticamente me obrigou, tata ___ disse o jovem com uma voz trêmula interrompendo o pai.

___ Ora essa, que mentira mais baixa e tola, Tristan! ___ repreendeu Florin indelicadamente e logo voltando-se para Ionel e o jovem Damian ___ Bem, depois de tantos anos insistindo, viemos informar que meu filho finalmente irá se casar!

___ Mas vejam só que boa notícia! Felicitări, Tristan!___ saudou o ferreiro mais velho ___ E quem será a felizarda?

___ Creio que já tenha ouvido falar da filha do banqueiro George Iordache? ___ indagou Florin.

Após ouvir aquilo, Damian ficara estagnado e esmorecido, seu corpo enrijecera-se e as palavras saíram de sua boca como se não pudesse controlá-las:

___ Rosalind...

___ Esta mesmo, fiul meu ___ confirmou o senhor Dumitrescu ___, eu a vi, é uma linda donzela, muito inteligente e que acabara de retornar de um colégio de freiras em Paris.

O adolescente fitou o amigo seriamente e indagou:

___ Vai se casar com Rosalind?

___ Da, Damian ___ afirmou o outro rapaz um tanto nervoso apertando as mãos e encolhendo-se no sofá.

Os pais não perceberam o mortal silêncio e a séria expressão no pálido semblante de Petrescu durante alguns instantes, até ele se levantar e sair pela porta da frente ignorando Ionel que lhe indagava para aonde estava indo.

___ O que houve com ele?___ perguntou o gordo burguês segurando nas mãos a caneca quase vazia e meio charuto.

___ Deixe que eu vá falar com ele ___ sugeriu o herdeiro Dumitrescu levantando-se às pressas e saindo pela porta da frente.

Tristan avistara Damian indo em direção aos enormes portões na entrada de sua propriedade e ficavam a alguns metros da casa, estava andando atrás do amigo chamando por ele, mas Petrescu dava passos rápidos fingindo que não o ouvia.

___ Damian, Damian, pare, vă rog, Damian, ouça-me, Damian, precisamos conversar.

O adolescente parou subitamente virando-se para o outro que também parara a alguns passos de distância, havia ira e decepção refletidas em seus olhos celestes.

___ Sobre o que quer conversar? Vai rir diante de mim, irá cantar vitória ou o que? Estou esperando, seu desgraçado!___ gritou o rapaz absorvendo pesadamente o ar e o exalando com maior pressão.

___ Damian, por favor, acalme-se e me escute ___ pedia Tristan com um tom paciente e irritante.

___ Me acalmar? Escutá-lo? Para quê? Não preciso ouvir nada, ouvi o suficiente há pouco.

___ Tente compreender, eu...

___ Compreender o que, Tristan?___ inquiriu Damian interrompendo-o ___ Que você a ganhou? Depois de todos estes anos tentando tê-la para si e agora finalmente conseguiu, é isso que quer que eu compreenda? Pois bem, já compreendi e lhe desejo muitas felicidades ao lado de uma garota que não ama e só a quis para derrotar-me!

___ Isto é mentira! Eu nunca quis lhe passar para trás e acima de tudo eu a amo, mas não é isto que quero que entenda!

___ Você não a ama, posso ver isto estampado em teu rosto, só a quer como um prêmio, um prêmio em sinal da minha derrota, é por isso que a quer! Sempre fora assim, tão mesquinho e egoísta, nunca realmente quis o que lhe davam, apenas queria exibir-se perante a mim, seu ordinário!

___ Está errado, Damian!

Damian não conseguia controlar-se, estava enfurecido e impaciente, não sabia o que pensar, as palavras saíam descontroladamente de sua boca, tudo que um dia quis dizer ao amigo estava vindo à tona, mais alguns minutos e poderia não responder por seus atos.

___ Estou errado? Claro, creio que sim, eu errei em ter confiado em você durante todos estes anos!

___ Eu nunca traí sua confiança, sempre fomos amigos!

___ Será mesmo? Não sei, não sei de mais nada neste momento ___ respondia o ferreiro com ira e ironia.

___ Certamente que sim, Damian, nunca quis lhe magoar.

___ Não foi bem isso que eu acabei de ver.

___ Meu pai me contou esta manhã, o pai dela fora até minha casa para fazerem um acordo e logo após ele me contou ___ explicou o outro em tom de inocência.

___ Acha que ela é algum tipo de objeto para acordarem?

___ Eu também penso desta forma, mas nossos pais planejaram tudo, eu não pude evitar.

___ Você ainda pode evitar! Sempre há outra opção!

___ Eu não pude fazer nada, depois da noite que passamos juntos o pai de Rose não queria que a filha ficasse falada por todo o vilarejo, não queria que sua reputação fosse manchada ___ argumentava Dumitrescu.

___ A noite que passaram juntos...

Damian quase havia se esquecido, Rosalind fora destinada a Tristan uma vez e ambos passaram uma noite juntos, nunca tivera a oportunidade ou até mesmo a coragem de perguntar como fora, no fundo não queria saber. Estava novamente diante da mesma situação, Rosalind sendo destinada a Tristan e Damian destinado a Andreea, pelo menos era o que deveria ser.

O garoto deu alguns passos virando as costas a Dumitrescu, procurou respirar e acalmar-se um pouco, mas a voz do rival ainda soava dentro de sua mente e sua presença ali tão perto fazia com que sua fúria apenas crescesse desenfreada, um tenso silêncio formou-se entre ambos, até que Tristan o desfez dizendo:

___ Iartă-mă¹, Damian, mas eu não sabia que você a amava.

Aquelas palavras detestáveis e sarcásticas foram suficientes para a ira voltar a ferver e correr profundamente pelas veias de Damian, o rapaz num rápido ato agarrou o outro pelo pescoço colocando-o contra as grades dos portões e levantando-o numa força sobrenatural fazendo com que seus pés não mais tocassem o chão, o filho do rico senhor pôde ver dentro dos olhos do venusto garoto, o ódio.

___ Olhe para mim, olhe no fundo dos meus olhos, seu desgraçado, e diga-me, diga-me que não sabia!___ a voz de Damian adquirira um tom feroz como o rugido alto e grave de um imponente leão.

As alvas mãos apertavam mais e mais a garganta de Tristan, o moço estava sentindo o ar abandonando seus pulmões, tentava recuperar mais inspirando, mas os finos dedos de Damian proibiam que mais oxigênio cruzasse o caminho até o peito do adversário.

Mais uma vez era um contra o outro, porém sem armaduras ou armas, era o traidor contra o traído, a raiva falando mais alto a cada segundo. Petrescu teve por um instante sua visão ocultada por um negro véu que o fez ignorar tudo, até esqueceu-se de que havia bondade e piedade em seu coração, de nada aqueles sentimentos valiam naquele momento, Dumitrescu merecia sofrer, dessa vez o confronto era real.

Surpreendentemente o ferreiro mantinha o burguês suspenso, perdia notavelmente em força e altura para o inimigo, mas desta vez algo nascia dentro dele, algo poderoso e incontrolável, uma fúria ainda sem rosto e sem nome, que talvez estivesse há muito tempo adormecida, e agora fora despertada, os olhos castanhos fitaram os rancorosos olhos azuis numa súplica sufocada, sem dizer absolutamente nada, Damian compreendeu o silêncio do sujeito e o soltou fazendo com que tocasse o chão novamente.

___ Saia da minha frente ___ ordenou rouca e sombriamente.

O traidor tivera um certo medo do traído obedecendo-o de imediato, o jovem então cruzou os portões começando a caminhar sem olhar para trás, Dumitrescu o acompanhou com os olhos enquanto uma das mãos massageava o pescoço capturando goles de ar vomitando-os logo em seguida.

Damian foi andando sem direção não sabendo em que pensar, estava com uma enorme sanha, algo tão grande que era quase inominável, queria chorar, mas ao mesmo tempo as lágrimas não lhe vinham aos olhos, queria gritar, porém o silêncio selava seus lábios, as lembranças de uma traição fervilhando em sua mente, andava como se houvesse ingerido uma grande quantidade de álcool, cambaleava, dava passos incertos, queria apenas seguir.

Depois de alguns minutos chegara ao bosque, por mais que não conseguisse prestar atenção no caminho que percorria, pois sua mente estava ocupada afogada em raiva e dor, seu coração sabia exatamente para aonde levá-lo, seus passos foram mais lentos, começou a observar as árvores ao seu redor, tão quietas como se estivessem dormindo, sempre ali, não importava o que acontecesse, sempre estariam ali, adormecidas e sozinhas.

A dor que estava em seu peito o machucava e perturbava seus pensamentos, suportou chegar até às margens do majestoso lago para cair sobre a terra pondo-se a chorar. Era a única coisa que poderia fazer, deixar que a dor transformasse-se em lágrimas e esvaísse de seu interior chagado.

As lembranças não eram mais tão doces, eram pérfidas e amargas, o único beijo que sua amada lhe roubara sob a luz do luar tendo apenas este brando e silencioso lago como testemunha de que algo acontecera, não podia permitir que fosse dada a outro, justo ele, seu melhor amigo, o frio garoto que lhe apunhalara não pelas costas, mas diante de si, arrancando seu coração com um satisfatório sorriso nos lábios.

Há apenas alguns dias estavam ali, naquele mesmo lugar, bebendo e conversando sobre a proposta da viúva Voiculescu e agora, Tristan o traíra, como um perfeito Judas, assassinando sua confiança, dilacerando uma amizade de anos com seu egoísmo e prepotência, tudo para sempre sair vencendo, era assim desde que se lembrava.

Fúria e dor se misturando, tornando-se uma só e ao mesmo tempo separando-se sendo tão distintas, assemelhavam-se a cores numa pintura, tons tão tristes e ao mesmo tempo tão fortes que chamavam atenção, ao mesmo tempo e de cada vez, era sim que as sensações passavam por sua mente e seu peito, uma depois a outra e no fim, ambas unidas não sabendo mais qual era qual como dois amantes deliciando-se com o prazer um do outro.

Enterrava seus dedos sobre a terra, dava murros contra o solo tentando desvanecer seu ódio, mas parecia que estes atos somente o faziam aumentar, acreditava que sempre fora um tolo, um pobre e tolo menino que sempre confiou nas pessoas erradas, a prova de seu grande erro estava a frente de seus olhos.

A dor lancinava despedaçando os mais doces sonhos no qual ela era a grande rainha, a dona de seus devaneios... A cada lágrima, uma nova brotava em seu peito como uma erva daninha difícil de ser exterminada, era assim o seu pesar, ele apenas tivera início e não sabia-se quando seria o seu fim, acreditava que nunca chegaria, pois o tormento de ser traído jamais seria apagado ou esquecido.

A cólera brilhava em seus olhos dando-lhe um brilho ainda mais deslumbrante e junto dela apenas um desejo, uma promessa... Vingança!


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Notas finais do capítulo

1. "Iartă-mă" significa "Perdoe-me" em romeno.