Nascido Do Sangue escrita por Viúva Negra


Capítulo 37
A Ira do Delírio




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/345394/chapter/37

Ao acordar, o garoto quase saltou da cama ao deparar-se com a forte luz do dia queimando seus olhos, protegendo-os com suas mãos, levantou-se e rapidamente fechou as cortinas, quando sua visão voltou ao normal olhou em volta e percebeu que estava em seu quarto.

Não conseguia compreender como fora parar ali. De nada se lembrava a não ser quando deitou-se extremamente ébrio na cama de Benjamin e depois nada mais vira, o que aconteceu? Será que o abastado rapaz o trouxera de volta até ali? E, aliás, havia mais uma questão afligindo sua mente, como fora parar na casa daquele sujeito?

Sua atenção dirigiu-se à porta quando Viorica adentrou o quarto trazendo nas mãos uma bandeja repleta de comida, ao vê-lo acordado, a empregada disse:

___ Bună ziua, senhor Petrescu, eu trouxe seu café.

A órfã o deixou sobre uma cômoda e estava quase saindo do quarto quando o jovem a pegou pelo braço perguntando:

___ Viorica, a que horas cheguei ontem à noite?

___ Um pouco depois do jantar, senhor.

___ Por acaso eu... ___ o moço tentou achar palavras para concluir a frase, porém decidiu ser direto ___ Eu estava bêbado?

___ Não, senhor, só estava ardendo em febre.

Damian franziu as sobrancelhas numa expressão de desentendimento.

___ Como assim?

___ O senhor chegou queixando-se de dores de cabeça, seu pai verificou que estava com febre, eu o trouxe até o quarto e lhe fiz um chá como da outra vez e o senhor adormeceu.

O garoto ficara sem fala.

___ Não se lembra, senhor?

___ Ah eu... Eu...

___ Pobrezinho, devia estar muito doente para não poder se lembrar ___ comentou a criada notando a reação confusa do rapaz.

O menino continuou sem saber o que dizer, estava transtornado, as imagens da mansão de Grigore estavam em sua mente, porém o que Viorica estava dizendo ia contra tudo, estava inconformado.

___ Vou avisar ao senhor Ionel que despertara e prepararei o seu banho, senhor.

O adolescente nem ao menos ouvira a garota sair de seu quarto e descer as escadas, estava muito intrigado, começou a pensar em tudo, desde o momento em que estava com Rosalind no bosque até acordar minutos atrás em seu quarto, tudo estava estranho, nada fazia sentido, era como se estivesse em um universo paralelo sem explicação.

De repente, seu pai entrou no quarto e o encarou.

___ O que houve comigo, tata?

___ Não se lembra? Chegou a casa ontem tarde da noite e ardendo em febre!

O ferreiro ouviu o relato do homem em silêncio e não se surpreendeu, pois foram as mesmas palavras que a criada lhe falara, entretanto nada disse.

___ Onde estava, Damian?

___ Eu... Eu não me lembro.

___ Como não se lembra?!___ inquiriu o homem perplexo.

___ Eu me lembro de ter ido ao bosque e...

___ Por que foi ao bosque tão tarde?! Sabia que não estava bem e que logo teria uma recaída, não devia tê-lo deixado sozinho.

___ Mas, tata, eu estou bem agora.

___ Ora que tolice, você não está bem!

___ Estou sim, eu...

___ Eu não quero ouvir mais uma palavra, ficará na cama o dia todo para que amanhã esteja curado, ouviu bem?

O filho tentou argumentar, mas seria inútil, então concordou com o pai, o que era a coisa mais sensata a se fazer naquele momento. O garoto tomara o café da manhã e também um chá que Ionel mandou-lhe preparar, após o pai sair do quarto, tentou dormir um pouco, mas não conseguiu, todas aquelas lembranças estranhas e confusas estavam martelando sua mente.

Tantas indagações seguidas das memórias incomuns, ficava pensando em como fora parar ali em seu quarto, como acordou em sua cama e com o pai e a criada dizendo que chegara ardendo em febre noite passada, não podia, era impossível... Ou não? Sonhara ter passado um dia todo na mansão do abastado lorde Grigore? Era tudo tão real, as imagens corriam soltas e nítidas em sua cabeça como se tivessem acabado de acontecer.

Uma terrível enxaqueca começou a dominá-lo fazendo com que esquecesse por um momento estes fatos sem sentido, parecia que sua cabeça iria explodir, sentia-a latejando e então algo o assustou, repentinamente começou a ouvir os sons daquela casa tão claros e perfeitos como se estivessem ao seu lado. Os passos de Viorica na cozinha, os ratos correndo por detrás das paredes de madeira ligeiros e inquietos, pensou estar ficando alucinado por causa daquelas dores.

De súbito, o gosto quente e adocicado do vinho veio-lhe à boca, será que bebera mesmo toda uma garrafa ou foi apenas um sonho? O sabor estava em seus lábios como se acabasse de prová-lo, estava ali, entretanto acompanhado do paladar estava algo peculiar, alguma coisa mais quente e mais doce que o vinho, sentia este gosto explodindo em sua boca.

Teve sede, procurou levantar-se para ir beber um copo d’água na cozinha, mas uma forte tontura o derrubou e o obrigou a ficar estirado entre os lençóis, começou a transpirar, acreditava ser por causa da enxaqueca, sentia um certo enjoo, tantas coisas ao mesmo tempo e ainda as lembranças lancinando-o.

O relógio de cuco pendurado na parede fazia sua dor de cabeça aumentar, o badalo que ia para esquerda e para a direita em um ritmo estável e num baixo volume quase inaudível, naquele instante parecia-lhe os sinos da igrejinha batendo um contra o outro num ruído ensurdecedor e interminável, o som da empregada cortando algum alimento sobre a mesa, tudo parecia estar gritando dentro de sua mente.

Seis horas da tarde, o pequeno ponteiro sobre o número seis enquanto o outro maior estava parado em cima do número doze, o pequeno pássaro de madeira saía e entrava no relógio cantando seus cucus-cucus, o ferreiro sentiu uma enorme dor indescritível, cerrou os dentes, franziu a testa mordendo os lábios, tentava suportar até que aquele barulho parasse, mas não conseguia, com a dor veio a raiva, não mais aguentava aquele som.

Como um eco emitido em uma caverna escura e vazia, sentia o som propagando-se por sua cabeça, assim como as ondas provocadas pelo cair de uma pequena pedra em um lago, os cucus-cucus começavam e iam aumentando o som, a força, cada vez mais alto e mais estridente, como se a cada instante fosse uma pontada ou um corte feito por uma lâmina afiada, cada vez mais e mais profundo, cada vez mais e mais doloroso.

Virou-se de barriga para baixo protegendo os ouvidos com suas mãos que se escondiam entre seus negros cabelos, o rosto quase completamente enterrado num travesseiro parcialmente escondia a expressão de dor e incômodo que estava fazendo, pressionava os olhos como se quisesse esmagá-los ou fazê-los saltar das órbitas, já estava quase fazendo sangrar seu lábio inferior de tanto que o mordia sufocando sua respiração raivosa, impaciente, dolorosa, até que não mais suportou.

Com dificuldade levantou apoiando-se em sua cama e com passos lentos e cuidadosos como se estivesse andando numa corda bamba, fora chegando perto do pequeno objeto de madeira tão bem trabalhado, a cada passo o ruído tornava-se insuportavelmente alto, suas mãos finalmente tocaram o relógio sentindo suas vibrações barulhentas penetrando por seus poros e correndo diretamente ao seu cérebro e com uma força na qual nem mesmo o rapaz tomava conhecimento de que poderia ter, arrancou-o da parede e o arremessou pela janela quebrando o vidro. Após aquele ato, sentiu suas forças esvaírem-se e fora caindo até sentir o chão, encostou a cabeça na parede, sua respiração voltou a ser lenta.

Em questão de segundos, Viorica surgira no quarto do garoto para saber o que havia acontecido, vira as cortinas desfiadas, o vidro quebrado e o moço quase caído, tentou ajudá-lo a se deitar, Petrescu estava acordado, porém sua aparência era lânguida, como se estivesse morrendo.

___ Oh, meu Deus, o que houve?___ indagou a menina afagando-lhe os cabelos e o rosto.

O pálido adolescente mal conseguia ver o semblante da moça, sua cabeça latejava, a voz dela viera como um sussurro fraco em seus ouvidos, um eco interminável que soava em seu peito e por alguma razão perdera a fala, não conseguia responder a ela, apenas gemia. Aos poucos a face preocupada de Viorica fora ficando mais e mais desfocada diante de seus venustos olhos azuis, até a escuridão cobri-los completamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nascido Do Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.