Alchemist Drama escrita por José Vinícius


Capítulo 1
Único.


Notas iniciais do capítulo

Bem, apenas digo que esta One-Shot é diferente de todas a que existem, creio eu. Pensem nela como num funil: larga, no começo, fina no final e com um buraco.

Será mais fácil digeri-la assim.


Recomendo, para aqueles que gostam de ler ouvindo música, a música "Dante's prayer", de Loreena McKennitt. Acredito que as notas melodiosas e tristes possam ambientar, da melhor forma possível, o clima escuro e dramático desta fic.

Boa leitura.



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“Meu pai tentou reviver minha mãe”.

Era isso que meu irmão mais novo falava de nosso pai. Hoje ele não fala mais.

Na época não entendíamos nada de Alquimia, e só viemos compreender depois que nosso pai morreu e pudemos ter acesso aos arquivos dele. Lá aprendemos tudo o que sabemos, mas ainda precisávamos entender certas coisas na prática. Só que ambos recusamos saber do restante do processo. Tornei-me um “Cão do Estado”, agora laico, mas com grande influência militar ainda. Meu irmão embarcou numa viagem longa, para atender pessoas em países mais pobres – ele era médico.

Fiquei sozinho em Central, mas tenho casa própria (um apartamento alugado que humildemente chamo de casa), e por algum tempo, dividi o aluguel com um sujeito bacana, mas esquisito, chamado Humpfrey, que saía bem cedo e voltava tarde. Então, por não sei qual motivo, ele foi embora, e passei a morar sozinho.

Trabalho o dia todo num dos escritórios do Governo, mas obrigatoriamente carrego além do uniforme azul uma arma. O que faço repetidamente é ler processos e mandá-los para outros departamentos, aprovando ou não cada um deles. Mas sei que minha decisão será contrariada quando o processo chegar a outro departamento. É sempre assim, minha decisão não vale nada.

Quando chegava em casa, umas dez da noite, olhava a correspondência e via um telegrama de meu irmão. Eu sinto falta dele por que ele era a única família que eu tinha, e não gosto de ficar sozinho. Até o Humpfrey, na época que morávamos no mesmo apartamento, já falara que eu devia ter uma namorada, mas sou muito tímido para sair por aí, entrar num bar ou qualquer outro lugar, puxar conversa e encontrar uma garota. Minha vida é tão insólita que as únicas diversões que tenho são os raros treinamentos em tiro que faço, e as avaliações mensais do Exército (passo uma semana num acampamento fazendo diversos testes, e para minha alegria, sempre passo neles, mantendo o mesmo salário que não é nada ruim. Raramente gasto ele com extravagancias, mas eu junto tudo e guardo no banco. Tenho muito dinheiro lá, e eu sempre mandava algo para meu irmão, por que sabia que ele devia estar passando por necessidades; só que ele nunca falava nada a respeito nas cartas que ele mandava mensalmente).

Meus costumes eram rígidos, e minha vida era completamente sem graça. Mas todos diziam que sou bom para conversar e falar, e até para fazer rir. Todas as mulheres, que trabalham no mesmo departamento que eu, diziam que sou bonito, o que sinceramente não acho. Não me preocupo com minha aparência – mas fazer a barba toda a semana é um ritual que devo praticar sem erros, embora já tenham me dito que pareço mais sensual com barba do que sem.

Minha vida, em resumo, era esta. Fora o fato de eu ir na biblioteca uma vez por mês e visitar minha terra natal no fim do ano, praticamente fazia as mesmas coisas de sempre, sem tirar nem colocar nada. Na minha vida toda, recebi somente três aumentos, e nunca reclamei quando me impunham horas extras, e eu ficava a noite toda trabalhando no escritório com a Thalia, uma civil contratada que aos poucos está tomando minhas funções, por conta do processo de laicização do Governo. O Füher não existe mais, ele agora ocupa um cargo no Exército. Então eu vou para algum lugar, e suspeito que seja transferido para o Quartel daqui de Central, tornando minha vida monótona em algo insustentável. Só não cometi suicídio por que pensei no meu irmão. Alguém tinha que ajudar ele.

Pelo menos, eu pensava assim.

Foi a carta de um amigo do meu irmão que mudou tudo. Ela destruiu aquilo que posso chamar de “meu mundo”. Contou que meu irmão fora assassinado enquanto ajudava pessoas numa guerra em um país próximo de Amestris. Senti-me tão destruído que não tive ânimo para o trabalho. O mais estranho de tudo foi o fato de que, quando fui pedir um período de afastamento por motivos pessoais, meus superiores pareciam estar muito bem informados com o acontecido, e me deram dias a mais do que pedi. Fiquei desconfiado, mas, abalado com o que tinha acontecido, eu não disse nada. Meu irmão foi enterrado com todas as honras que merecia, ao lado de nossos pais. Muita gente apareceu no enterro dele.

E uma dessas pessoas era ela.

Ela era nova, vinte e poucos anos. Ela estava de luto, mas seu luto era muito profundo, quase como o meu. Naquele dia, chovia muito, e nem pude perceber como ela era, mas sei que eram eles por causa de seus dois filhos – duas crianças, gêmeas por que se pareciam muito uma com a outra. Tinham a pele levemente bronzeada da mãe (uma morena belíssima de longos cabelos negros e olhos esverdeados. Por um momento, pensei se tratar de uma ishvaliana, mas não, por que os ishvalianos têm olhos vermelhos-sangue), mas os olhos e as feições do rosto das duas crianças (especialmente o corpo do menino), lembravam muito meu irmão. Fiquei muito incomodado com o fato, pensei até se tratar de loucura minha. Mas não.

As duas crianças choravam como se tivessem perdido um ente querido (o menino até suportava algo, mas a menina ficou com o rosto tampado na saia da mãe, chorando. Vi seus olhos quando ela foi embora). Supus que tinham sido ajudados pelo meu irmão numa de suas viagens como médico, coisa que ele sempre amou: a vida, desde que pronunciara aquela frase tão banal mais tão mortal, aos sete anos.

“Meu pai tentou reviver minha mãe”.

O garoto se parecia muito com ele, e quase imaginei que, se o garoto dissesse estas palavras, tenho certeza que imediatamente eu acharia que meu irmão ainda estava vivo, e rejuvenescera.

Fui a última pessoa a sair do túmulo de meu irmão, a única família que eu tinha. Tentei convencer a mim mesmo que estava sozinho, coisa que sempre detestei. Mesmo que minhas atitudes impliquem numa personalidade passiva a isolamento, eu ainda gosto de convívio humano. Gosto de manter pessoas perto de mim, por que, só o fato de passar quase a maior parte da infância tendo como família eu e meu irmão, pra mim, eu queria que ele nunca morresse, era que eu deveria partir antes dele. Mas não, ele partiu com agradecimentos de tanta gente que ajudou que acho que a alma dele precisa mesmo é descansar em paz e zelar pelas pessoas que ele passou a vida salvando.

Mas voltemos a ela.

No outro dia, ela foi até a casa da vovó Dexter (como eu chamava a vizinha a nossa casa, uma senhora de idade com muita energia, filhos criados e netos que visitam ela uma vez por mês todos os meses, e que cuidou de mim e de meu irmão quando nosso pai faleceu), onde eu estava hospedado, e disse que queria falar comigo.

Naquele dia, eu estava suado de tanto cortar lenha (um feixe enorme, diga-se de passagem, mas é apenas algo bobo se comparado aos duros exercícios que faço nas avaliações), e não tinha feito a barba (um fator que mais tarde atribuí ao que se sucedeu).

Eu estava ofegante, mas ainda assim, ela não esperou que eu pudesse me arrumar – ela usava uma roupa de mulher casada, diga-se de passagem. Queria falar comigo o mais urgente possível.

– Meu nome é Victoria. – disse, cordialmente.

– Prazer, Dave. – respondi. Notei que seus olhos de esmeralda eram tão sublimes e tão brilhantes que eu seria capaz de encará-los o resto de minha vida.

– Realmente, Frank tinha razão ao dizer que vocês eram parecidos. – ela comentou, com um sorriso apático. Eu e Franklin éramos parecidos, mas eu era mais velho que ele. Éramos o que podemos chamar de “reminiscências” do povo de Xerxes (os típicos loiros de olhos claríssimos, quase amarelos. Mas meus olhos eram escuros, enquanto os dele eram levemente azulados. E eu sempre gostei de meu cabelo cortado, enquanto Frank detestava cortá-lo), mas nada demais quanto a isso. – Quase posso vê-lo olhando para você.

Silêncio.

– Por que você me procurou? Posso ajudar em alguma coisa?

– Sei que ambos estamos abalados com a partida de Franklin, mas não podemos mudar o que aconteceu. Especialmente você, que é irmão dele, e eu, que sou... – ela parou, envergonhada, e com certas lágrimas nos olhos. Meu coração ficou estarrecido, sem ação para nada, por que quando vejo uma mulher chorar, a primeira coisa que penso é abraça-la e reconforta-la, porém, meu estado naquele momento não permitia essas ousadias, por que como eu disse antes, ela aparentava ser uma mulher casada. – Esposa dele.

Aquelas palavras soaram de tal modo em meus ouvidos que fiquei sem ação durante muito tempo. Meu irmão me negou a existência de sua família? Como ele pode? Nas cartas que ele mandava, ele nunca disse nada sobre ter algum relacionamento com alguém, e mais precisamente, ter uma esposa. Então aquelas crianças eram seus filhos, meus sobrinhos? E pior: as crianças já tinham certa idade, ou seja, ficamos tanto tempo separados?

– Franklin nunca me disse nada sobre você. – disse, no mesmo estado em que estava.

– Mas ele sempre me falou do irmão dele que trabalhava em Central. Sempre, e falou muito da infância de vocês e do dia que seguiram caminhos diferentes – e ela abriu uma bolsa de couro marrom que carregava. Havia um envelope muito bem lacrado lá, e ela retirou-o rapidamente. Entregou-o para mim.

– O que é isso? – abri e vi dinheiro lá dentro. Muito.

– Todo o dinheiro que você mandou para ele. Cada nota. Ele nunca usou esse dinheiro, embora o deixasse guardado. O desejo dele era devolver para você, e essa foi uma ordem dele antes de morrer. – ela parou.

Fiquei sem palavras. Meu irmão jamais usou uma nota do que lhe mandei?

– Ele era muito orgulhoso de suas conquistas, e detestava receber dinheiro de qualquer um. Encarava como esmola.

– Entendo. – e fechei o envelope. Devolvi. – Mas eu não o quero. Ele era seu marido, e esse dinheiro que era dele passa a ser seu. Faça o que quiser com ele. Não tenho interesse.

– Não posso desobedecer as ordens dele. Não posso ficar com isso! Franklin nunca aceitou, logo nunca foi dele de fato. E não é meu. Então, ainda é seu. Também, sou um pouco como ele, e pensava como ele quando ele me pediu para fazer isso.

– Se é meu, fique com ele. Eu sei que você e seus filhos precisam mais desse dinheiro do que eu. Fique – e depositei o envelope em suas mãos. Segurei-as firme, e pude sentir quão doce era sua pele. Ela se sentiu envergonhada, por que eu estava sorrindo amavelmente, só que ela estava mais constrangida do que envergonhada. Percebi, e retirei minhas mãos.

– Onde você está agora?

– Aluguei um cômodo para viver com meus filhos. É modesto, por que Franklin nunca gostou de extravagâncias – e nesse ponto concordei com ela, por que éramos iguais. – Não tenho mais lugar para ir, por que Franklin nunca se fixou em lugar nenhum, então, não tenho condições de voltar para minha terra natal. Também, quero recomeçar minha vida, e... – parou. Olhei para ela, com muita compaixão, mas com certo carinho. Notei como era bonita, mas por se tratar de uma viúva, tratei-a com respeito. – Bem, eu espero que não tenha lhe incomodado. – se levantou.

– Não, claro que não – e me levantei também. – Foi um prazer conversar com você. Eu... Espero poder conhecer meus sobrinhos.

– Claro, você tem todo o direito. – pegou um papel na bolsa, rabiscou algo com uma caneta que também estava lá e me entregou.

Recebi. Levei-a até a porta, nos cumprimentamos, e ela disse ‘adeus’. Eu a vi tomar o mesmo caminho que tinha percorrido antes. Voltei para meu trabalho naquele dia, e a vovó Dexter veio me perguntar do que se tratava. Expliquei pra ela tudo na medida do possível, e ela nada falou no resto do dia sobre Victoria, embora eu sentisse que ela sabia da verdade.

Por uns dias, tudo parecia normal quando comecei a pensar em Victoria várias vezes. Começara num sonho, sonhara com ela, um sonho muito nítido. Eu estava do lado dela, e ela me parecia muito mais exuberante do que o normal. Não acreditei de fato, mas ao me ver pensando nos filhos dela, e mais precisamente nela. Vi que meu coração estava dando pulos de alegria quando algo me lembrava sua pele morena ou seus olhos esverdeados. Estaria eu apaixonado por aquela mulher?

Não.

Não posso ficar pensando nela o tempo todo. E, com certeza, esse não é o motivo. Estou mais perturbado com o fato do meu irmão ter escondido por tanto tempo – cinco anos, mais ou menos – que ele tinha uma família. Penso e penso, mas não consigo chegar a conclusão nenhuma. Eu gostava tanto dele, e ele era um dos motivos para continuar seguindo em frente sempre, todos os dias. Poder ajuda-lo de alguma forma, ou esperar saber notícias de suas andanças.

Sua partida abalara a todos, e percebi que eu não fui a única pessoa que realmente se importava com ele. Muita gente se importava com ele – e alguém em especial se importou tanto que fez votos de fidelidade e amor.

Outra coisa que martela meus pensamentos é, além de tudo, o fato dele se tornar um pouco obsoleto em suas cartas. Notei isso quando resolvi reler tudo o que ele me escreveu tempos depois, e percebi que de um ar amável e carinhoso ele reduzia seus relatos a breves descrições sem vida nem humor. Algo aconteceu com ele, de fato, que o transtornou a ponto de não mencionar sua esposa e seus filhos a mim, seu único irmão. Ele certamente sabia de como eu me sinto a respeito da solidão. Então por que faria tal coisa?

***

Alguns dias depois, bateram na minha porta. Era um advogado chamado Benjamin Thompson. Naquele dia eu estava me vestindo bem, e minha casa estava arrumada.

– Sr. Dave Honnor? – perguntou, com uma voz rouca.

– Sim, ele mesmo. Que desejas?

– Vim tratar de negócios acera de seu irmão.

Convidei-o para sentar-se no sofá. Era gordo e bonachão, o bigode a cobrir o rosto, e um olhar severo ao ambiente pouco iluminado que era minha ‘casa’. Pegou na sua mala uma série de papeis, e depois de olhar as horas num relógio de bolso e ajeitar seu monóculo, ele entregou um envelope para mim.

– Seu irmão era amigo meu, meus pêsames. – disse. – Mas por algum motivo, deixou este envelope comigo. Disse que deveria entrega-lo a você, e que depois, eu só acertaria pouquíssimas coisas a respeito de seus pertences.

– Claro. – abri o envelope, e comecei a ler seu conteúdo.

***

Querido irmão,

Se que esta deve ser a pior hora para lhe falar sobre todas as coisas que poderia ter falado enquanto era vivo. Eu poderia argumentar cada uma delas com todas as palavras que quisesse, e com toda a voz que pudesse, sem haver nada capaz de me restringir no que falo. Porém, este papel e esta tinta impressa nele contém a entonação necessária para lhe transmitir tais notícias.

Não chamaria isto tudo de notícias, por que são apenas alguns esclarecimentos. Se você recebeu esta carta, saiba que já devo estar morto, senão, sofrendo para morrer. Você mesmo deve saber que eu sempre optei por ajudar onde mais precisassem de mim, e essas guerras constantes foram um atrativo para mim. Não pela crueldade e pela barbaridade, mas pelas vidas que seriam sacrificadas com a luta. Eu optei por salvar o máximo possível, até que eu não pudesse mais fazer nada. Se você lê esta carta, saiba que fiquei inválido de uma só vez.

Antes de dizer mais alguma coisa, eu gostaria que você pudesse me perdoar. Queria estar na sua frente, cara a cara, mas minha cara agora deve estar coberta de terra de túmulo, e eu não poderei nem ao mesmo suplicar-lhe algo similar. Perdoe-me por ter escondido todas as verdades de você, por ter recusado sua ajuda, por que negado a mim mesmo que eu tinha um irmão que detesta a solidão, e nunca ter coragem de dar um tempo e passar ao menos um único e mísero dia com ele.

A verdade é que passei por muitas dificuldades por todo o caminho que percorri. Resolvi me juntar a alguns voluntários que percorriam o mundo, e que focavam mais em conflitos armados, salvando as vidas que pudessem. Este grupo ajudou muito em Ishval, e agora, com meu cruel afastamento, acredito que ainda ajudem numa guerra ao leste de Xing. Éramos itinerantes, e não ficávamos sempre no mesmo lugar.

De início, pude suportar a vida itinerante, por que o prazer de ajudar quem precisa é muito grande. É quase indescritível você ver uma vida salva nas suas mãos, salva por você. Mas até que eu a conheci.

Aqui vai um dos meus segredos não tão secretos: sou casado (ou era, mas sou enquanto estou vivo e escrevo esta carta) com uma descendente de Ishval. Tivemos gêmeos, coisa que nos surpreendeu. É, mas eles são meu orgulho, a coisa que mais zelo no mundo.

Conheci-a enquanto trabalhava num hospital em Ishval. Como lá está bonito! Os ishvalianos estão se recuperando cada vez mais rápido, e eu me senti feliz por fazer parte dessa mudança tão brusca e tão rápida que eles estão tendo. Fiquei por lá durante algum tempo, até que eu a conheci, e minha vida literalmente mudou. Ela era mais nova que eu, mais alerta, mais paciente (coisas que ela ainda é hoje) e mais bonita, sinceramente.

A gente se dava bem, ela trabalhava comigo, até que o grupo itinerante apareceu, e eu me alistei com eles. Ela me seguiu, por que me amava (mas tinha o mesmo desejo que eu). Seguimos juntos, mas não demorou para que assumíssemos o que sentíamos e permanecêssemos juntos. Eu era muito mais velho que ela, e vou continuar sendo, por que quando a conheci, ela só tinha dezessete, e teve os gêmeos aos dezoito. Agora, já é uma mulher feita – em parte, por que fui incapaz de fixar-me com ela e criar nossos filhos.

Meus filhos, Isaac e Catherine. Ambos são parecidos comigo, mas conservam os olhos da mãe, e um leve tom bronzeado, mas fraco, herdado dela. Acho que foi a pele dela que mais me atraiu, mas o gênio dela... É forte.

Isaac é muito curioso, mas tímido e desconfiado. Gosta de desmontar as coisas, é apaixonado por carros e engenhocas. Se ele continuar com esse desejo e essa curiosidade, ele vai ser um grande engenheiro. Catherine é mais extrovertida, mas muito teimosa. Gosta do que todas as meninas de sua idade gostam, mas é muito sociável e zelosa. Era a pessoa que mais cuidava de mim.

Eu os escondi de você, por que foi tudo muito rápido. Eu escrevia mensalmente, mas por conta de meus muitos afazeres, neguei uma família que construí e que poderia ter sido a sua família também. Sei que você dá muito valor a isso, por que as únicas pessoas que você realmente considerou como nossa família, fora a mamãe e eu, era a vovó Dexter.

Me perdoe por ter feito isso. Me perdoe.

Minhas atitudes não irão justificar meu pedido que farei agora. Mas eu conto com sua bondade e com sua compaixão.

Deixei minha família em apuros. Não nos fixamos, e vivíamos de um lugar a outro. Neguei até a alma toda a ajuda que você me mandava, por que eu mesmo conseguia aquilo que precisávamos. E essa atitude orgulhosa me fez deixar minha família sem um lugar fixo, sem algo para se sustentarem.

Os tempos são outros, e mais difíceis. Ela tem motivos de sobra para não retornar para a sua terra natal, e mesmo que você questione ela sobre isso, ela nunca irá responder uma palavra.

Eu suplico a você, Dave, que cuide deles por mim. Suplico, lhe imploro que abrigue-os em sua casa, não os deixe à deriva no mundo. Quando Victoria diz que ela consegue se virar sozinha, não acredite. Vá contra a resistência dela, por que vai haver. Eles são as pessoas que mais amo no mundo, fora você, e cuidar deles será uma forma de você estar mais perto de mim, por que eles são parte de mim.

Dave, por favor, me escute e atenda meu único e último pedido a você.

Com amor, seu único irmão

Franklin.

***

Depois de ler aquela carta, me mantive mais quieto do que nunca. Passou algum tempo, até que o Sr. Thompson tomou a iniciativa, e retirou alguns papeis da valise que levava consigo.

– Aqui estão alguns documentos de pequenas posses de seu irmão. – disse. Era pouco coisa, uma terra aqui em Ishval, uma casinha ali no norte, outro cômodo alugado em Xing... Meu irmão fazia jus ao nome itinerante.

– Que faço com isso?

– Ele deixou para você. Faça o que quiser. – e depois, levantou-se. – Ele deixou ordens claras que, se as condições da carta forem obedecidas, que você deveria me procurar que eu tomaria as decisões cabíveis. – ajeitou o monóculo. – Passar bem, senhor.

Acompanhei-o até a porta. Assim que ele saiu, me deitei um pouco, pensando no assunto. No outro dia, vesti um sobretudo preto, e saí. Iria atrás de Victoria, onde quer que ela estivesse. Tinha tomado minha decisão.

***

Não demorou para que eu a encontrasse. O cômodo era realmente modesto, havia apenas um sofá, uma cozinha mal estruturada, um quartinho no fundo com uma estrutura metálica que poderia chamar de cama por que havia um colchão por cima.

Victoria deparou-se comigo, assustada. Ainda usava  a roupa que usara para me visitar, e eu vi duas crianças brincando no chão com brinquedos toscos de madeira. Então, lembrei de ser cavalheiro, e ofereci a ela flores que eu tinha comprado no caminho – um belo ramalhete de margaridas. Para as crianças, resolvi levar chocolates e presentes.

– Crianças, tio Dave chegou. - ela anunciou, com certa insegurança, como se aquilo representasse o fim de seus dias como "mãe solteira".

– Ele chegou, ele chegou! – a menina parecia mais motivada com minha chegada. – Tio Dave chegou! – e correu para me abraçar. Deixei que seus bracinhos me apertassem o quanto quisesse, e quando olhei no fundo dos olhos dela, eu vi um pouco de meu irmão. Levantei-a para o alto, e a luz que os olhos dela refletiam me mostraram a criança alegre e vivaz que ela era.

– Tudo bem? – disse, com a voz mais amável do mundo.

– Tudo bem sim, tio Dave. Papai me falou muito de você, e ele tinha razão: vocês são muito parecidos!

– É sim. Sabia que às vezes a gente enganava a nossa avó?

– Como? – e eu a coloquei no chão. Passei a contar nossas peripécias de garotos.

– Eu faria isso, se eu tivesse uma irmã, mas o Isaac vale por muitas irmãzinhas - disse.

– Isaac, venha ver seu tio. Ele quer falar com você. –Victoria disse, indo buscá-lo.

Isaac causara em mim, novamente, a sensação de familiaridade que permeava minha alma.

– Oi tio Dave – disse, muito tímido.

– Olá garotão. Como você está?

– Bem. – e eu me abaixei, ficando na mesma altura dele.

– Seu pai me disse que você gosta de montar e desmontar as coisas. É verdade?

– É sim.

Dei a ele o presente. Uma caixa de madeira embrulhada com papel azul-cobalto.

– Era meu, mas acho que faz bastante tempo que não brinco. – e quando eu disse isso, ele já abrira o presente, e vira peças de encaixe. – Eu costumava montar de tudo, mas já me esqueci como se faz um barco.

– Eu sei como se faz – e vi os olhos dele cintilarem com o presente. Aquele brilho me lembrou de quando meu irmão tentou montar alguma coisa, e pela primeira vez, tinha feito algo bem bonito. Ele não era muito bom com peças de encaixe.

– E pra mim? - a menininha falou. Dei a ela outro presente.

– Minha avó disse que você ia gostar desse. Foi ela mesma quem fez. O presente veio dela.

– Uma boneca, mamãe! E veja, se parece tanto comigo! – aquilo tinha sido um estratagema meu e da vovó. Ela perguntara como era a criança, e disse que ia fazer algo para ela.

– Que linda, filha! – e a mãe já tinha arrumado um lugar para as flores sobre a mesa de madeira. As crianças saíram para brincar num outro cômodo, com seus preciosos tesouros. 

– Eu trouxe chocolate também. – coloquei a caixa sobre a mesa. - notei que Victoria acompanhava meus movimentos. Acho que ela pensava que eu iria agarrá-la. 

– Fico muito agradecida pela visita. As crianças não ficavam alegres assim desde que Frank... - silêncio.

– Franklin me mandou uma carta, a última dele, e falou sobre vocês. Recebi-a ontem de um amigo dele.

– Hum.

– E ele me fez um pedido.

– Pedido?- ela ficou surpresa.

– Pediu que eu cuidasse de vocês. Que os acolhesse na minha casa.

Silêncio.

– Olha, eu sei que parece estranho, mas está aqui – e tirei do bolso do sobretudo a carta. Ela leu a carta e depois de alguns momentos, começou a dizer alguma coisa.

– Bem, é difícil.

– Eu sei, parece mesmo estranho. Eu vim aqui apenas para lhe dizer isso. Você decide se vai aceitar ou não; não importa a decisão, eu vou ajudar vocês sempre. Mas sabia que eu estou de braços abertos.

Novo silêncio.

Depois dele, Isaac entrou na sala com um barco feito com as peças.

– Olhe! Eu fiz! – disse. O barco era bonito e simples.

– Ei, deixa a Clarisse navegar no barco?- Catherine vinha com a boneca.

– Não! Ela vai desmontar ele! – e o garoto correu dali, e a garotinha foi atrás dele. Sorri.

– Dave, não vou te dar uma resposta agora. Eu... Quero ver se consigo me ajeitar primeiro. – disse ela.

– Claro. – e sorri. – Mas saiba que qualquer coisa, estou aqui.

– Como quiser.

Fiquei ali por mais algum tempo. Então, fui embora.

***

Não demorou três dias, e bateram na minha porta. Abri, e lá estava Victoria, Catherine e Isaac, com suas malas. Chovia muito naquele dia.


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Notas finais do capítulo

Não me culpem pelo fato da fic sair sem sentido, ou incompleta. Ela está assim por que surgiu assim, e infelizmente, não há previsão de continuação. Eu mesmo me puno por conta disso.
Mas, sinceramente, espero que algo nela tenha sido do gosto de vocês.



Até.



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