A Filha Do Sol escrita por Let B Aguiar, Taty B


Capítulo 7
Mato um leão gigante


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores lindos! Eis o capítulo 7 da fic, se não me engano, o maior que escrevemos até agora. Eu, particularmente, gosto muito desse capítulo, e espero que vocês também gostem! Boa leitura x



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Lá estava eu, na frente do arsenal, esperando Leo chegar. Enquanto jantava, pensei bem no convite. Ele nunca iria me levar para um lugar perigoso, e se eu não fosse, era provável que ficasse chateado comigo. Então decidi ir.
Eu cantarolava alguma música dos The Strokes e mexia em minha espada. Desde que a escolhera, não desgrudei dela. Na verdade, eu deveria estar voltando para o chalé com meus irmãos, mas disse que tinha esquecido um dos meus anéis na cozinha mais cedo e só lembrara agora. Estava quase chegando ao refrão da música quando um ser maroto falou nas minhas costas.
– Está pronta, pequena Miss Sunshine? – Leo perguntou.
– Que diabos de apelido é esse? – perguntei, rindo. Pequena Miss Sunshine? Sério? Raio-de-sol estaria de bom tamanho.
– Sei lá, no almoço eu estava pensando como eu podia apelidar você. Sabe, todo mundo te chama de Pattie...
– Porque meu apelido é Pattie. – interrompi.
–...e eu queria um apelido único e diferente. – ele continuou como se não tivesse escutado o que eu falei. – Então, como você é filha de Apolo, eu me lembrei da Pequena Miss Sunshine.
– Você é doido. – eu ri.
Ele pegou alguns parafusos do bolso e mostrou-os para mim.
– Está vendo esses parafusos? São eles que estão faltando na minha cabeça. É que eu ainda não tive tempo de coloca-los de volta.
Foi impossível não rir com tamanho trocadilho. E então eu percebi que o que mais fazia quando estava com o Leo era rir. E isso era muito bom.
– Você tem sorte de eu ainda não ter pensado em nenhum apelido a altura de Pequena Miss Sunshine para você. – falei.
– Que sorte a minha, hein! – ele debochou. - Vamos à minha segunda casa, Pequena Miss Sunshine.

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Eu seguia Leo. Ele iluminava o caminho um farolete que tinha, no mínimo, uns cinco metros de alcance. E me arrependi de ter aceitado o convite. Nós tínhamos adentrado a floresta há uns 10 minutos e os mosquitos já me estressavam. Assim como as ninfas curiosas. Para você que não sabe, elas são espíritos da natureza e algumas são muito chatas. Umas três ninfas comentaram de mim quando passei, mas sobre o que elas falaram, eu não tinha ideia. Sabia que fora algo sobre mim porque me examinaram de cima a baixo e soltaram uma risadinha. Para ajudar, Leo não diminuía o ritmo. Eu tentava segui-lo, mas ele andava muito rápido e estava bem mais a frente do que eu. A floresta era um lugar tenebroso à noite e muito selvagem também. Eu não parava de me perguntar o porquê da ‘segunda casa’ de Leo ser no meio de uma floresta. Não fazia nenhum sentido ter uma casa no meio do nada. Leo não era a reencarnação do Tarzan. Depois de mais 5 minutos de caminhada, chegamos a um riacho.
– Você consegue passar? – Leo perguntou. Ele não parecia cansado, ao contrário de mim.
– Aham. – disse, sem fôlego.
Ele passou pelo riacho pulando em algumas pedras e eu fiz o mesmo. Andamos mais um pouco e chegamos a um beco sem saída. Uma falésia de calcário de trinta metros de altura se estendia a nossa frente.
– Leo...?
Ele não respondeu. Leo andou até a lá e colocou os dedos na falésia. Então, linhas vermelhas fizeram o contorno perfeito de uma porta na rocha. A porta era três vezes maior que eu e Leo. Eu estava tão atônita com isso que mal percebi quando a porta se abriu e Leo passou.
Quando adentrei o lugar, fiquei pasma. Aquilo era simplesmente uma caverna. Mas não era uma caverna normal. Luzes fluorescentes e tochas iluminavam o ambiente imenso, e várias mesas de trabalho com papéis em cima distribuíam-se pelo o lugar. Na parede, instrumentos diversos estavam pendurados; de chaves de fenda à escadas e motosserras. Em cima de uma das mesas havia uma caixa de som e algumas embalagens de salgadinhos, e em outra, mais papéis e algumas coisas construídas ou inacabadas. Passarelas se estendiam por todo lugar, e vi elevadores hidráulicos e pedestais enormes guardando projetos mecânicos tão gigantescos que não conseguia identificá-los.
– Bem vinda ao Bunker 9! – Leo exclamou, com os braços abertos.
– Leo...esse lugar é seu? – perguntei. – Digo, é seu?
– Não! Esse lugar é de todo o Chalé 9. Todos os filhos de Hefesto sabem da existência desse lugar.
– Toda a caminhada valeu a pena. – estava admirada. – Esse lugar é incrível.
Olhei aquela caverna mais uma vez e caminhei em direção a parede para mexer em algumas das ferramentas. Batman sentiria inveja do Bunker 9.
– Legal, né? Descobri esse lugar há mais ou menos 2 anos atrás. Assim que cheguei no Acampamento, um amigo meu me mostrou esse lugar, e desde então, venho aqui todos os dias.
– Que amigo?
– Você vai conhecer ele agora. – juro que quando Leo falou isso e me lançou um sorrisinho danado, pensei que tudo era uma armadilha e um monstro atravessaria a porta para me devorar. Mas ele apenas me levou até outra sala, igualmente grande. O lugar estava escuro quando entramos, então, eu não enxergava nada. Quando Leo acendeu as luzes, senti meu mundo parar.
Ali na mesa, a cabeça de um dragão gigante repousava. O dragão não tinha corpo, mas sua cabeça era tão grande quanto a mobília. Aparentemente ele estava dormindo, pois uma fumaça branca serena saia de suas narinas gigantes. Ele reluzia com a luz e parecia ser feito de bronze.
Leo caminhou em direção à cabeça e deu um tapinha. No mesmo instante, a criatura abriu os olhos. Seus olhos eram tão brilhantes quanto um rubi. Na verdade, acho que de fato eram feitos de rubis vermelhos.
– E aí, amigão? Como você está? – ele perguntou para o dragão. O dragão soltou fumaça pelas narinas como se dissesse “E aí, Leo? Beleza? Eu estou muito bem aqui, cara!
– Esse é seu amigo? –questionei, encantada e ao mesmo tempo assustada.
– Qual é! Eu sou um filho de Hefesto, sou o senhor das máquinas. Você esperava o que?
Não respondi nada e continuei olhando para aquele meio-dragão maravilhoso.
– Não vai cumprimentar o Festus? – Leo arqueou uma das sobrancelhas. Andei um pouco receosa até o dragão, com medo que ele me mordesse ou algo do tipo. Leo percebeu meu receio e disse para eu não ter medo, que só precisava passar a mão nele e conversar.
– Ele não vai te comer. Ele não pode.
Passei a mão na testa do dragão e seus olhos de rubi pareciam me fitar.
– Ahn...oi...?
– Festus. O nome dele é Festus. – Leo falou.
– Oi, Festus. – cumprimentei. – Tudo bem? Eu sou a Pattie.
Devo dizer que no começo me senti uma panaca por estar falando com um dragão sem corpo. Mas quando ele me respondeu, soltando fumaça pelas orelhas de bronze, não me senti mais assim.
– Ele realmente entende o que nós falamos? – perguntei.
– É claro que sim! Festus pode não ter um corpo, mas continua vivo e inteligente.
Olhei para aquela cabeça tão linda e imaginei como seria se ele ainda tivesse um corpo. Mas como era possível um dragão de bronze perder um corpo inteiro?
– Como...como ele perdeu o corpo? – indaguei cuidadosamente, com medo que Leo ficasse bravo ou chateado comigo. Estava com tanta dó de Festus, que não parava de fazer carinho nele.
– Foi um acidente. – Leo falou triste, acariciando a cabeça do monstro junto comigo. – O corpo dele ficou destruído numa queda. Não tinha jeito de reconstruir.
Percebi que ele e o dragão ficaram sentidos quando toquei nesse assunto. Então, decidi mudar o rumo da conversa.
– Ele é lindo.
– É sim. – concordou. – As máquinas são mais fáceis de lidar que as pessoas. Se elas apresentarem algum problema, é só consertar. Festus é a única coisa que eu realmente tenho, e que continua comigo não importa o que aconteça.
Leo falou isso num tom tão melancólico que acabei me perguntando o que fazia ele pensar desse jeito.
– Por um lado, você está certo. As máquinas nunca vão criticar suas atitudes, brigar com você ou te xingar. – falei – Mas por outro...
– É, eu sei. – ele não deixou eu terminar – Máquinas não são para sempre. Máquinas não têm sentimentos...
Ficamos alguns segundos em silêncio e eu tomei coragem para falar.
– Você não está sozinho, Leo. Festus não é a única coisa que você tem. Você tem a todos os seus amigos e pode ter certeza que eles te amam tanto quanto você ama o Festus.
Ele assentiu, um pouco relutante. E eu continuei:
– E agora você pode ter a mim também. – consegui colocar o sorriso novamente no rosto de Leo e essa foi uma sensação muito boa. Acho que ele entendeu o que eu quis dizer.
– Vem cá, Pequena Miss Sunshine. Eu quero saber mais de você. – Leo disse, um pouco mais animado.
Nos despedimos de Festus e começamos a conversar, principalmente de como eram as nossas vidas antes de descobrirmos que éramos um meio-sangue. Leo era descendente de Mexicanos, sua mãe falecida se chamava Esperanza, sua cidade natal era Houston e ele tinha dezessete anos de idade. Compartilhamos informações de quando e como descobrimos que nossos pais eram deuses, e ambas as histórias soaram engraçadas. Me contou sobre a Profecia dos Sete, a qual ele e a menina que eu conhecera mais cedo, a Piper, Percy e Annabeth tinham feito parte. E claro, não deixou de contar como achou Festus e como o dragão perdeu todo o seu corpo de bronze. Enquanto ele me contava toda a história, eu o interrompia várias vezes para tirar dúvidas sobre os deuses e outras coisas. Depois de muito tempo, olhei para o meu relógio de pulso e ele marcava meia-noite. Me surpreendi, pois já era muito tarde.
– Por Apolo, já é meia-noite! – exclamei – Precisamos voltar, Leo.
– Meia-noite? Uau, eu nem percebi...
Descemos da mesa em que sentamos antes de começar a conversar, e saímos do Bunker. Leo tentou acender a lanterna quando a porta do Bunker já se fechara, porém, ela não acendeu. A floresta era pura escuridão, e meu medo do escuro começou a aflorar dentro de mim.
– Droga, devia ter trocado as pilhas... Enfim, não tem problema. – ele falou naturalmente, como se ficar a noite numa floresta cheia de monstros fosse algo normal.
– Não tem problema? – minha voz saiu cheia de nervosismo, e ele riu de mim.
– Você tem medo de escuro! Claro, você é filha de Apolo... Mas eu sou a solução dos seus problemas! – Leo levantou o braço esquerdo, e na ponta de seu dedo indicador, surgiu uma chama tremeluzente, que iluminou toda a nossa volta. Eu arfei, surpresa com isso.
– Você manipula fogo! Caramba!
Lembrei-me da minha infância, de quando eu assistia desenhos como X-Men. Meu sonho era ter o poder do fogo, pois eu sempre achei que fosse o mais legal e poderoso.
– Sou especial! – ele piscou para mim – Mas isso não é tão legal quanto parece. Vamos.
Leo iluminou todo o caminho, enquanto me contava as desvantagens de ser o único filho de Hefesto que conseguia manipular o fogo. Nos despedimos, voltamos para os nossos chalés e meus irmãos me trucidaram por ter fugido desse jeito e só ter voltado tarde. Porém, eu não me arrependo de ter burlado as regras do acampamento, porque agora eu sabia que eu poderia estar me tornando amiga de um cara muito legal, verdadeiro e doido. Pensar assim me fez dormir feliz.


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A programação do final da tarde resumia-se em uma atividade com monstros. Agora, só não me pergunte com quais monstros iríamos lutar, porque Quíron não falou para ninguém. Pela manhã, eu treinei mais arco e flecha, e dessa vez não acertei nenhum outro campista na cabeça com uma flecha explosiva. Treinei sobre plataformas em movimento, e até em cima de um barco naufragado na praia. Também não vi Leo, pois ele deveria estar ocupado dando aula na forja. Tive aula de esgrima com Percy, o que foi ótimo para mim. Percy é muito bom com a espada e me ensinou movimentos básicos e ainda disse que, para uma filha e Apolo, eu tinha começado bem. Esse comentário me deixou feliz pelo resto do dia, até eu saber que estava na mesma equipe que Ryler Langdon na atividade com os monstros


É o seguinte, eu só troquei palavras com ele uma vez, mas já sabia que ele é um arrogante/estúpido pelo simples fato de ser filho de Ares. Pelo que ouvi, ele só é conselheiro do chalé de Ares porque a menina que costumava ser a chefona não comparecia tanto no Acampamento para liderar o chalé, então passou o cargo para frente. Tudo bem, ele é um gato e têm lábios tentadores, eu admito, mas isso não o torna menos brutamonte. Digo, ele bateu no meu irmão! E em mais metade do acampamento, incluindo Leo. Esse cara era um completo babaca.
Não posso negar que uma pontinha de medo começou a aparecer dentro das minhas entranhas. E se eu falhasse? Eu poderia até morrer. Se isso acontecesse, o que papai pensaria de mim? Eu tinha um pressentimento de que ele tinha grandes planos para sua caçula. Falhas não seriam admitidas, nem por mim mesma. E pensar que até menos de uma semana atrás, eu nem sabia que espadas ainda eram usadas e muito menos que monstros mitológicos existiam.
Meus irmãos me davam dicas sobre posicionamento de arco e como encontrar a melhor mira. Eu os ouvia, mas não era essa minha principal preocupação. Não tinha pistas de que tipo de monstro enfrentaria, e não é qualquer tipo de monstro que pode ser morto com flechas, segundo o que Percy me dissera. Eu precisava ser boa com a espada. Era uma exigência pessoal. E não podia falar muito sobre isso com meus irmãos, porque eles achavam totalmente bizarro uma filha de Apolo desejar tanto ser uma exímia esgrimista.
A hora foi se aproximando, e cada vez eu ficava mais enjoada de medo e apreensão. Meus irmãos me desejaram boa sorte, confiantes. Não podia decepcioná-los. Fui para a clareira na floresta, como Quíron havia me dito para fazer. Lá estava ele, com seu arco pendurado nas costas. Ao seu lado encontravam-se Ryler e um garoto mais novo do chalé de Hermes. Quase escondida atrás dos dois, estava uma garota de no máximo 13 anos de idade, que reconheci ser do chalé de Deméter. Vi que suas pernas tremiam levemente, e ela aparentava estar mil vezes mais insegura que eu.
– Muito bem, heróis – Quíron falou, usando um tom firme. – Para três de vocês, esse é um desafio muito importante. É o primeiro, de muitos que ainda virão. Não se cobrem demais – agora ele parecia olhar diretamente para mim – São iniciantes. Apenas evitem se ferir gravemente. Estarei acompanhando o combate. Ryler irá dar as instruções. Quando ouvirem a trombeta, significa que o monstro foi solto. Boa sorte.
Com toda arrogância existente na face da terra, Ryler se voltou para mim e os outros campistas. Usava armadura, assim como nós, mas a sua parecia ser bem mais polida e reluzente. Sua espada tinha quase um metro de comprimento e seu escudo parecia ser feito de algo que não era bronze. Pigarreou, e então disse:
– O esquema tático é simples. Espalhem-se. Enquanto dois atacam pela dianteira, os outros dois atacam pela traseira. Mantenham o monstro sem foco, distraído, para que o ataque seja mais eficiente. Você, filha de Apolo – ele olhou para mim. Imaginei que se não franzisse tanto a testa, seus olhos iriam ser muito bonitos. – Suas flechas podem ser de grande ajuda. Desde que você não as aponte para a cabeça de ninguém. Se precisar subir nas árvores, suba, e rápido!
Eu apenas bufei e rolei os olhos, assentindo. Encontrava-me demasiado nervosa para responder a provocações. Quíron se afastou de nós, e então nos espalhamos em um raio de 5 metros. Ouvimos a trombeta, e aos poucos, escutei algo grande se aproximando, fazendo as folhas e arbustos farfalharem. As ninfas subiram para as copas das árvores, numa tentativa de se proteger. E então, um rugido estrondoso rimbombou entre as árvores, e um leão gigantesco, do tamanho de uma van de entrega, pulou na clareira. Pude ver o pânico nos olhos dos campistas de Hermes e Deméter. A garota se escondeu atrás de uma árvore. O leão começou a farejar, e ia exatamente em sua direção. Ryler soltou um palavrão ao ver a pobre garotinha se escondendo. Reparei que a pelagem do leão era de um dourado intenso, e parecia ser muito resistente. Suas garras enormes eram prateadas, como se fossem feitas de ferro. Vi Ryler se precipitar ferozmente contra o monstro, soltando um urro de guerra. Ele correu e fincou sua espada no traseiro do bicho, que imediatamente virou-se para sua direção e tentou lhe abocanhar com seus dentes gigantescos.
O que Ryler fez foi a coisa mais estúpida que alguém poderia ter feito naquele momento. Ele se esquivava das patas do leão, defendia-se das presas com seu escudo enorme, mas não poderia defender para sempre. Acho que ele não esperava encarar esse tipo de monstro numa simples prática do acampamento. As duas outras crianças haviam sumido na clareira. Então, eu fiz a única coisa que me parecia racional no momento: desembainhei minha espada, a joguei no monstro, e gritei:
– Ei, seu monte de pelos dourados! Eu pareço deliciosa, huh? Então venha me comer!
Depois disso, sai correndo. Não sei de onde tirei essa ideia ridícula de fazer um leão de três toneladas correr atrás de mim. Ele estava quase me alcançando, quando subi numa pedra estratégica e pulei para me pendurar num grosso galho de pinheiro. O monstro passou reto, como se não tivesse visto. Eu me impulsionei para cima e sentei no galho, com um equilíbrio que normalmente não pertencia a mim. O leão se virou e acabou notando que eu estava no galho da árvore. Deu um rugido e se agarrou no tronco da mesma, como os gatos fazem nos seus brinquedinhos de tecido. Meu sangue gelou, porém meu cérebro foi mais rápido. Antes que ele conseguisse subir a árvore e me alcançasse, mirei uma flecha em seu olho. Graças aos deuses, a flecha cravou-se em seu olho direito, e o monstro esbravejou de dor. Mesmo assim, ele continuou tentando subir. Sentia a árvore tremer, e o bafo do bicho era mil vezes pior do que qualquer caminhão de lixo de L.A.
N
ão tive outra opção a não ser acertar seu olho esquerdo. Minhas mãos tremiam, mas eu não errei nenhuma flechada. O monstro rugiu tão alto que as folhas balançaram, e nessa hora uma lança foi atirada contra seu couro. Ela quicou como se fosse um palito de dente. O filho de Hermes que a atirou arregalou os olhos. O leão ficou aturdido, suas patas escorregaram da árvore e ele não sabia para onde se direcionar. Nessa hora, Ryler surgiu entre as árvores e pulou em suas costas, golpeando-o loucamente com a sua espada. Só conseguiu deixa-lo mais confuso e irritado ainda, fazendo movimentos desgovernados, como um carro girando numa pista escorregadia. O leão se chocou tão forte contra uma árvore que a derrubou. E não foi somente a árvore que foi para o chão, Ryler também. E de cabeça. Eu arfei ao ver a cena; apesar de ser um babaca, ele não merecia morrer mastigado por um leão. Ele não perdera a consciência, mas parecia tonto e falhou ao tentar se levantar.
O leão se recuperou da pancada, cambaleando e balançando a cabeça enorme. Não mais enxergava, mas seu olfato continuava intacto. Ele iria atacar um Ryler indefeso, pois sua espada voara longe, junto com seu escudo. Eu voltei para o chão, e corri o máximo que pude até a árvore caída, onde Ryler estava encurralado. Até que uma ideia me ocorreu.
Se a pele do monstro era invulnerável, o único jeito de matá-lo seria atacando-o por dentro. E só um lugar de seu corpo permitia que isso fosse possível: a boca. Uma espada não ia ser útil nesse caso. E a minha havia ficado para trás. Quando estava a uns 15 metros de distancia, o leão abriu a boca. Seus dentes pingavam baba de monstro, e quando fez isso, eu lancei uma flecha no meio de sua garganta. Ele soltou um barulho parecido com um engasgo, e então eu lancei mais uma, duas, três, quatro flechas. Antes de cair no chão, o monstro se transformou em poeira amarelada.
Ryler continuava recostado na árvore, e sua cabeça tinha um corte horrível. Agachei-me para olhar mais de perto, e a coisa estava tão feia que ele não tentou me impedir.
– Socorro! – eu gritei. Quíron disse que estaria acompanhando a batalha, mas o monstro já havia sido morto e ele não aparecera – Ryler está machucado, ele precisa ir para enfermaria!
Os campistas de Hermes e Deméter reapareceram, ainda com expressões amedrontadas. O garoto olhou para mim e exclamou:
– O que você fez com o leão foi incrível! Uau! – os olhos dele brilharam ao falar isso. O corte de Ryler sangrava tanto que não conseguia prestar atenção em alguma outra coisa. Apenas murmurei um obrigada para o garoto e cortei um pedaço de minha blusa com a espada para estancar o sangramento. Ele mal conseguia abrir os olhos, e começou a balbuciar coisas que eu não conseguia entender. Apenas entendi as palavras ‘vergonha’ e ‘chalé de Ares’.
Quíron veio trotando entre as árvores, e se ajoelhou ao lado de Ryler. Tirou uma atadura da bolsa que carregava ao lado do seu corpo (ou lombo?), e a passou por todo o diâmetro da cabeça de Ryler.
– Preciso levá-lo para a enfermaria, Pattie. Você pode me ajudar? – Quíron pediu a minha ajuda, e eu, com muita dificuldade, consegui levantar Ryler e colocá-lo atravessado na parte equina de Quíron. Depois, o ajeitei para que ficasse parcialmente sentado. E enquanto fazia isso, pensei no dia da arena de esgrima, e em como Ryler foi estúpido comigo. Quem diria que eu ainda iria ajudá-lo, hein?
– Obrigado, querida. Você fez um ótimo trabalho. Você e os outros três podem voltar para a área comum. Depois nós conversamos. – Quíron saiu trotando com o pesado brutamonte sobre ele. Quando fui recolher o escudo e a espada de Ryler, vi um espesso amontoado de pele no chão da floresta. Aproximei-me e peguei a coisa, grossa como um casaco de esquimós. A garotinha do chalé de Deméter arfou.
Isso é a pele do leão de Neméia! Da história de Héracles! E como você matou o monstro, ela agora é sua.
– Mas o que... – não sabia nem o que dizer. Para que eu iria querer uma pele de leão? Estávamos em pleno verão, e eu morava na Califórnia.
– Pegue! Dizem que ela funciona como um escudo. – decidi ouvir as palavras daquela menina de treze anos de idade, e peguei a pele do leão. Não parecia ser feita de metal sólido, como quando o monstro estava vivo. Pedi para o garoto de Hermes pegar o escudo e a espada de Ryler, e juntos fomos saindo da clareira. No meio do caminho, achei minha espada. Observei-a, pensando que sua única utilidade fora distrair um monstro, e não feri-lo. Talvez meus irmãos tivessem razão. Talvez filhos de Apolo devessem ser apenas arqueiros, e ponto final.
Sai da floresta e fui rumando para o Chalé 7. Definitivamente, precisava de um banho, e alguns band-aids, pois alguns arranhões em minhas mãos e braços sangravam. Percebi que todos me olhavam e comentavam alguma coisa. Mas não era por menos. Eu carregava uma pele de leão gigante em minhas pequenas costas. Um cara tão corpulento quanto Ryler se aproximou e me perguntou:
Cadê o Ryler? O que você fez com ele?
– O que eu fiz com ele? O que o leão de Neméia fez com ele, você quis dizer? Ele está na enfermaria, bateu a cabeça no chão e se machucou. – respondi secamente, e nem sequer olhei para o rosto do campista, provavelmente irmão de Ryler. Ele rosnou alguma praga em grego antigo para mim, e continuei em direção ao meu chalé.

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Meus irmãos continuavam me elogiando. Sério, até quando eu estava tomando banho, consegui escutar eles comentando ‘’Cara! Não acredito que a Pattie matou o leão, que orgulho!’’, e também já estava cansada de falar que não foi nada demais. Mas para eles, definitivamente, era muito.  
– Quando o papai souber o que você fez... Deuses! Ele vai recitar 10 haicais seguidos dizendo como a filhinha dele é corajosa. – Carlos zombou. Todos fizemos caretas iguais quando ele falou dos haicais. 10 poemas bregas? Seguidos? Não, obrigada.
Chegamos ao refeitório e eu quase dei meia-volta. Todos nos encaravam (ou me encaravam?), e faziam comentários baixinhos. A mesa de Ares era a única que não comentava nada. Pelo contrário, me encaravam com um olhar fatal.
– Nós somos tão bonitos assim para todo mundo estar olhando para a gente? – Johnny perguntou, em alto e bom som. Já disse que o ego dele é incrivelmente grande?
– Seu idiota! – Austin falou baixinho. – Eles estão olhando para Pattie. Afinal, foi ela quem matou um leão hoje e salvou o cara mais arrogante do Acampamento.
O que Austin disse era verdade. Eu sei que era, mas eu preferia acreditar que não. Assim que chegamos a nossa mesa, todos voltaram a comer seus lanches. Tenho que dizer que o jantar estava maravilhoso, e minha fome era tão grande que acabei comendo dois cheeseburguer.
– Você não é fraca não, hein Pattie? – Adam brincou.
– Matar um monstro gigante traz uma fome gigante também. – respondi, com a boca cheia.
– E com uma grande fome também vem um grande peso. – Johnny murmurou, com a boca cheia de cheeseburguer e batatas fritas.
– Digo o mesmo para você, Johnny. – falei. – Continue comendo como um porco e daqui algum tempo você vai estar igual ao Sr. D.
Os meninos começaram a zombar de Johnny e assim terminamos o nosso jantar. 
– Parabéns a todos pelo o treinamento de hoje! – Quíron exclamou, animado. A noite estava quente e a fogueira só piorava o calor. – Tenho que admitir que fiquei muito feliz com os resultados, apesar de alguns campistas terem se machucado. – continuou, olhando diretamente para Ryler, que agora se fazia presente junto com uma boca inchada, uma sobrancelha com gaze e uma cara muito mal humorada. Sua cabeça continuava envolta por ataduras. Ele lembrava uma múmia de filmes de Halloween trash.
– Quando teremos outra atividade dessa? – alguém do Chalé de Hermes berrou.
– Bem, quando acharmos necessário. – Quíron respondeu educadamente.
Os Chalés voltaram a conversar e Quíron precisou fazer algo parecido com um trote para todos ficarem quietos, de novo.
– Dionísio, você tem algo a dizer?
O Sr. D estava entretido comendo um cacho de uvas e quase nem escutou o que Quíron dissera.
– Hãm? Ah sim...não. – respondeu, mal humorado. Ele se vestia sempre do mesmo jeito: camisa havaiana, bermuda caqui e uma sandália horrível nos pés. Vestido como um deus, lógico. O deus da breguice.
Quíron levantou uma das sobrancelhas e Sr. D fez um barulho como um resmungo.
– Parabéns aos campistas e blá blá blá. – falou, usando seu habitual tom repleto de tédio. – E da próxima vez, tomem cuidado para não serem devorados por um leão. Ou melhor, não tomem. Assim será um a menos para encher minha paciência.
Era claro que ele se referia a Ryler, e todos riram. Se Ryler pudesse, com certeza teria estrangulado o Sr. D e todos nós, porque a maneira com que estreitou os olhos transmitiu tanta raiva que até eu sentiria medo. Claro, se ele me amedrontasse.
– Vamos à cantoria, então. – o centauro falou um pouco frustrado, e trotou em direção ao Sr. D. 
Imediatamente, eu e meus irmãos pegamos os violões e começamos a tocar “Wonderwall” do Oasis, com Johnny no vocal. Todos cantaram junto porque afinal, essa é um clássico, e aplaudiram. A minha vez de cantar chegou e eu optei por “The A Team”, do Ed Sheeran. Alguns campistas sabiam a letra da música e me acompanharam, já os outros, balançavam a cabeça no ritmo da música. Alguns aplausos no final e um “Canta mais uma!” de Leo, fizeram a gente cantar mais duas músicas, então Quíron anunciou que era hora de ir para cama.
Os meninos foram na frente, levando os instrumentos. Quando eu estava dando meia volta, indo para meu Chalé, trombei com uma muralha. Um ser grande e corpulento, como um gorila. Porém, esse gorila tinha um curativo horrível na cabeça.
– Ryler. – falei. Ele me encarou com seus olhos verdes. Como podia, mesmo todo enfaixado e detonado, ser tão...bonito?
– Ahn...hum... – gaguejou. – Obrigado por hoje mais cedo, Patricia.
Devo ter entrado em estado de choque depois que ele disse isso, porque Ryler teve que passar a mão em frente aos meus olhos para eu voltar à Terra. Ele pareceu estar sendo sincero em seu agradecimento, mas ao mesmo tempo parecia ser um sacrifício engolir o orgulho e vir me agradecer.
– De nada. – fui categórica e saí andando, sem nem perguntar como ele se sentia.
Ryler pegou em meu braço esquerdo e me puxou.
– Espera.
Cruzei os braços e esperei que dissesse algo.
– Por que você me salvou?
– Porque eu não iria deixar você morrer devorado por um leão. Não é uma morte digna.
– Pensei que não gostasse de mim.
– Você está certo. – concordei. – Eu não gosto. Mas você estava em perigo e eu não deixaria nem você, nem ninguém, morrer naquela situação. Não seria correto.
Ele olhou para baixo e permaneceu em silêncio por alguns segundos.
– Você acha que eu faria o mesmo se estivesse no seu lugar? – perguntou. Ele me encarou mais uma vez, como se estivesse tentando ler minha mente ou ver minha alma.
– Não sei. – respondi, simplesmente. – Ao contrário de alguns, Ryler, eu não faço as coisas esperando que as pessoas me agradeçam ou retribuam o favor. Eu faço o que é certo.
Minha resposta pareceu deixar Ryler surpreso, porque ele engoliu seco e abaixou a cabeça.
– Como você está se sentindo? – indaguei, mudando de assunto.
– Tirando a dor de cabeça e a vergonha, eu estou bem. – resmungou.
– Você está com vergonha por quê? Por que não conseguiu matar aquele leão?
Ele me encarou, acuado.
– Ninguém é perfeito, Ryler. Você falhou, é verdade. Mas você não teve culpa.
– Esse é o problema. Eu falhei. Para um filho de Ares, não conseguir matar um leão idiota é uma vergonha. Eu sou uma vergonha para o meu Chalé.
Analisei-o e tentei entender o que passava pela sua cabeça. E adivinha? Não consegui.
– Pare de cobrar-se tanto. – eu disse.
Ryler ficou quieto. Como não falou nada, continuei andando.
– Pattie.
Virei-me e Ryler continuava me fitando.
– Eu faria o mesmo por você.– ele soltou. A princípio, eu não entendi o que ele dizia. E então, a minha ficha caiu.
Assenti, um pouco tonta.
– Boa noite, Pattie. – Ryler passou por mim um pouco rápido, e foi marchando em direção ao chalé 5.
Eu fiquei ali, parada, tentando absorver o que ele dissera. Não nego que me surpreendi, porque, sinceramente, pensei que ele sequer iria me agradecer. Mas ele agradeceu. Ryler engoliu o orgulho e me escutou. E o que me deixou mais atônita, foi saber que ele faria o mesmo por mim. Quem diria que o brutamonte era sincero nas suas palavras e tem um pouco de humildade.
Bufei e continuei o meu caminho até o chalé 7. Alguns campistas ainda transitavam na área dos chalés. A maioria desejava boa noite para os amigos ou despedia-se do namorado.
Em frente ao meu chalé, pude ver duas pessoas conversando. De longe, não consegui identificar se eram alguns dos meus irmãos, porém, quando me aproximei, conclui que não era ninguém que eu esperava ver. Pelo menos não naquele momento.
– Finalmente! – Leo exclamou, levantando os braços como se estivesse agradecendo aos deuses. – Pensei que você tinha sido raptada por alguma ninfa invejosa.
– Estamos te esperando faz 15 minutos, Pattie. Onde você estava? – Piper perguntou casualmente. Os olhos multicoloridos dela pareciam brilhar mais a noite.
– Eu estava afinando o violão. – menti. Piper praticamente gargalhou com a minha resposta, ao contrário de Leo, que desembestou a falar.
– Claro, violão. Um violão invisível? Uau, que demais, me conte como você construiu um violão invisível, porque não consigo ver você segurando-o. É óbvio.
Eu e Piper rolamos os olhos com seu sarcasmo, e suspirei.
– Ok, eu não estava afinando um violão.
– Não diga! – Piper falou. Vínhamos conversando bastante desde aquele dia na cozinha. Tinha muito mais coisas em comum com ela do que com Annabeth. Tenho que admitir que as vezes sentia-me um pouco apreensiva ne presença de Annabeth. Sua inteligência me intimidava um pouco. Já com Piper, podia sentir que tínhamos muito em comum. – Onde você estava, então?
– Ou com quem ela estava... – Leo foi bem enfático em suas palavras.
– Ahn...Bem, aquele ogro do Ryler simplesmente veio me agradecer por tê-lo salvado mais cedo.
– Tá brincando! – Piper pareceu espantada – O Langdon agradeceu a você?
– Se preparem, amanhã o mundo irá acabar – não seria Leo se ele não fizesse um comentário do tipo.
– Pois é, meus caros... Ele veio me agradecer e ainda disse que faria o mesmo por mim! – tentei demonstrar apenas desprezo. Mas notei que Piper era capaz de olhar para meus olhos e desvendar tudo o que eu pensava.
Leo fez um muxoxo de descrença.
– Esse cara... Tentando ficar com todas as garotas do acampamento desde quando eu cheguei aqui.- Piper lançou um olhar curioso a Leo, não entendendo porque ele pareceu tão frustrado. E eu também não compreendia. Ou estivesse compreendendo, mas fingia que não para não passar a olhá-lo de outra forma.
– Ah é? – indaguei, e acho que não fui muito boa em não parecer interessada no assunto.
– Sim. Pergunte para os seus irmãos... – como sempre que ficava nervoso, ele tirou pequenas engrenagens do bolso e começou a mexer nelas.
– Por que? Ele tentou ficar com eles? – Piper e eu demos risada. Apenas tentei descontrair o assunto, e Leo esboçou um sorriso.
– Está aprendendo meus truques, Pequena Miss Sunshine.
Conversamos mais um pouco, e então cada um foi para o seu chalé. Toda vez que eu chegava depois de meus irmãos, os oito me bombardeavam, perguntando onde eu estivera. Não gostava muito disso, mas quando pensava que nunca ninguém tinha dado tanta atenção a mim ou se importado de verdade, até parava de mandá-los ficarem quietos e ia para a cama sorrindo.

 

 






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Notas finais do capítulo

E aí? Curtiram? Por favor, expressem suas opiniões, mesmo que para xingar hahaha a voz do povo é a voz de Deus! E até a próxima, semideuses... xoxo, Taty



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