A Filha Do Sol escrita por Let B Aguiar, Taty B


Capítulo 17
A Flórida é tão úmida quanto parece


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! E aqui está o capítulo 17... E é com felicidade que digo a vocês que a fanfiction já está finalizada e a parte II já tem 3 capítulos escritos! Yey! Estou me deliciando escrevendo a segunda parte...
Bom, agora chega de blábláblá. Aproveitem o capítulo!



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A noite já caia enquanto corríamos para alcançar a biga na entrada da cidade. Uma nuvem de fumaça gigantesca se ergueu por toda a região, e começamos a correr mais rápido ainda quando ouvimos sons de sirenes. Me perguntei se os mortais algum dia descobririam o que causara o incêndio. Com certeza nunca pensariam que os responsáveis eram três adolescentes com TDAH e dislexia.
A corrida de volta à biga me deixou sem fôlego. Os pégasos agiam normalmente, seus olhos vermelhos brilhando e seus focinhos bufantes soltando fumaça. Leo suspirou aliviado ao ver que nada de ruim acontecera com a biga nesse meio tempo. Ainda podíamos chegar à Flórida tranquilamente.
– Temos que dar o fora daqui. Vamos passar a noite em Miami. – Leo fez sinal para eu e Ryler subirmos na biga. Fizemos isso, nos sentado lado a lado, cansados, suados e cobertos de fuligem. Eu cheirava a fumaça.
– Nunca deveríamos ter parado aqui. – Ryler reclamou, cruzando os braços e encarando Leo. Ele tinha um corte que sangrava na bochecha, mas pareceu nem notar.
– Amigo, se não parássemos, esses pégasos iam superaquecer e explodir em pleno ar. – Leo explicou, impaciente – Você queria cair de mais de 200 metros de altura e morrer como um tomate estragado?
– Não, mas poderíamos ter parado numa cidade antes dessa.
– Ok então, bonitão. Da próxima vez você constrói um localizador de bares cheios de ciclopes que gostam de Katy Perry, aí a gente conversa. – Leo foi bem rude em suas palavras. Ele deveria estar de saco cheio da chatice de Ryler, que parecia ter a incrível habilidade de reclamar de qualquer coisa, até quando não havia nada de errado. De repente, eu comecei a sentir raiva disso. Muita raiva mesmo. Tamanha raiva que não consegui ficar calada.
– Ryler, por que você tem que sempre reclamar de tudo? Você nem deveria estar dizendo nada, afinal de contas, a ideia de ir até aquele maldito bar foi sua!
Ele se demonstrou atônito por uma fração de segundos, como se não pudesse acreditar no que eu tinha acabado de dizer.
– Só minha, Patricia? Todos nós precisávamos ir ao banheiro e comer alguma coisa! Não venha colocar a culpa toda em mim! Vocês concordaram!
– Claro que a gente concordou, porque se não concordássemos você ia começar a ralhar e reclamar de tudo, como você faz toda vez que te contrariam ou surgem com uma ideia melhor que a sua! – rebati bravamente, e Leo olhou de um para o outro, como se estivesse no meio de um jogo de tênis.
– Como você pode estar dizendo essas coisas? Se não fosse por mim nós teríamos morrido dentro daquele lugar! – ele aumentou o tom da sua voz.
– O que?! – Leo indignou-se, e eu também.
– Errado. Se não fosse por Leo nós estaríamos mortos agora. Você nem sequer tinha entendido o meu plano. Se Leo não pensasse rápido, você teria virado churrasquinho junto com aqueles ciclopes. Você tem que abrir os seus olhos, Ryler! O mundo não gira em torno do seu umbigo. – eu estava sendo dura, e não entendia porque essa raiva cresceu tão efusivamente dentro de mim. Algo me fazia dizer essas coisas. A expressão de Ryler era um misto de revolta e indignação.
– Eu vou fingir que não ouvi essas coisas, Patricia. E espero que você caia em si e volte a ser minha namorada normal. – ele disse e pulou para o banco de trás da biga, como se fosse adiantar muita coisa. Leo, que até aquele momento apreciava a discussão, pigarreou e se sentou no banco do condutor, partindo com a biga. Eu não iria olhar para a cara de Ryler tão cedo. Ele precisava se tocar da sua própria babaquice.
Depois do conflito, o silêncio reinou entre nós três. Eu peguei o iPod da bolsa e optei por escutar Iron Maiden. Nenhuma banda traduziria melhor meus sentimentos. Com o passar das horas, notei que Leo bocejava e piscava os olhos sucessivas vezes. Ele aparentava estar cansado e incapaz de guiar a biga por muito mais tempo. O que fez no bar dos ciclopes fora incrível e genial. Eu nunca teria pensado em algo tão complexo em um intervalo tão curto de tempo. E a chave inglesa que acertou no olho daquele ciclope foi demais.
Levantei-me e encostei a mão em seu braço. Ele piscou os olhos e se virou para mim.
– Não quer me deixar assumir um pouco, Tocha Humana? Ou colocar no piloto automático? Daqui a pouco você vai começar a babar de tanto sono. – eu falei, dando um sorriso tímido. Ele fez o mesmo e se levantou do banco.
–É melhor você conduzi-los. Não sei é bom deixa-los no piloto automático por muito tempo. Eles podem ser temperamentais. Daqui uma hora e meia vamos estar chegando em Miami... Quando avistar a cidade me acorde, ok? – ele falou, dando um bocejo ao final. Seu rosto tinha várias marcas de fuligem. Imaginei como o meu estaria.
– Pode deixar, comandante. – eu afirmei e tomei as rédeas. O modo aleatório começou a tocar Learn to Fly, do Foo Fighters. Não poderia ser mais propício. O céu estava estrelado e claro, como numa típica noite de verão. Alguns minutos depois, olhei para trás novamente e Leo e Ryler estavam dormindo. Ryler provavelmente roncando como um touro.
Os cálculos de Leo foram certeiros. Uma hora e meia depois, avistei as luzes de Miami. O computador de bordo começou a emitir alguns sons. Acordei Leo, como ele pediu, e Ryler consequentemente também acordou. Ainda fazia um bico enorme para mim. Eu já tinha me acalmado, e durante esse tempo, comecei a ponderar e cheguei a conclusão de que tinha sido dura demais, sem necessidade alguma. Me acertaria com meu namorado quando parássemos.
Leo foi muito habilidoso ao fazer os pégasos estacionarem num heliporto de um arranha-céu de Miami. Pelo menos num lugar alto e de difícil acesso, não daríamos de cara com um bando de ciclopes famintos. Ryler se prontificou a ficar de vigília, e assim que disse isso, Leo pegou seu saco de dormir e o usou como travesseiro.
Ryler desceu da biga e começou a andar pelo heliporto. A luz fraca da noite fazia a espada de bronze presa a seu cinto reluzir. Ele deveria estar bem ressentido comigo. Suspirei e sai da biga, indo em sua direção. Ele estava de costas, observando os prédios iluminados, mesmo sendo tarde da noite. Aproximei-me e coloquei uma mão em seu ombro. Ryler imediatamente voltou-se para mim. Seus olhos expressavam pura chateação.
– Me desculpe por mais cedo. – eu falei, reunindo toda sinceridade que possuía – Não sei por que comecei a te ofender daquele jeito. Eu me deixei levar pelo momento, perdi a cabeça. Me desculpe, de verdade.
Ryler ponderou bastante antes de dizer qualquer coisa. Seus lábios se contraíram, e eu imaginei como minhas palavras feriram seu ego e o envergonharam. Isso era uma tortura para um filho de Ares.
– Tudo bem, Pattie. Quem sou eu para exigir autocontrole das pessoas, certo? – ele falou, mas sabia que só um pedido de desculpas não ia fazê-lo ficar ok comigo.
– Eu preciso me acostumar com seu jeito reclamão. Só isso. – eu sorri para ele, que me abriu um sorriso pequeno e resignado. Passei uma mão pelo seu rosto, tirando uma marca de fuligem que remanescia ali.
– Por que você elogiou tanto o Valdez? – ele questionou, e então notei que além de magoado, ele estava enciumado.
– Porque ele é meu amigo, e realmente foi incrível dentro do bar. Ele nos salvou e você sabe disso. Só seja humilde e admita. – não soltei seu rosto. Ryler rolou os olhos.
– Você me pediu algo muito complicado.
– Você é tão orgulhoso! – eu exclamei, apertando sua bochecha – Mas eu gosto de você, brutamonte.
Ele soltou uma risada abafada e eu juntei nossos lábios. Respirei aliviada quando quebramos o beijo. Tudo entre nós estava bem agora.
Ficamos conversando e trocando carícias pelo que pareceu ser uma hora. Até eu começar a me sentir sonolenta e voltar para a biga. Ryler prometeu nos acordar assim que o sol começasse a nascer. Deitei no banco atrás de Leo, que dormia serenamente. Como ele, usei meu saco de dormir como travesseiro e adormeci em questão de segundos.
Ryler não precisou me acordar. Quando os primeiros raios de sol invadiram a biga, abri meus olhos e despertei. Leo agora estava dormindo de bruços no banco à minha frente. Me sentei, espreguiçando-me, sentindo o sol transferir sua energia para cada centímetro do meu corpo. Logo após, me estiquei até Leo e fiz cócegas na sua nuca. Ele resmungou, mas nem se deu ao luxo de virar-se para mim.
– É melhor acordar, antes que Ryler venha fazer isso. – eu alertei, sentindo-me super disposta a continuar a viagem. Leo resmungou de novo, mas dessa vez se virou de barriga para cima, cobrindo o rosto com as mãos.
– Você não merece ver minha beleza tão cedo na manhã. É ofuscante. – ele zombou e eu dei risada, pegando na minha mochila uma presilha de cabelo, o cantil de água, pasta e escova de dente. O que eu mais queria no momento era um banho gelado, porém, tomar banho durante uma missão poderia ser considerado algo milagroso.
– Não se esqueça de substituir seus curativos. Acho que você consegue fazer sozinho. – falei, descendo da biga. Ele resmungou alguma coisa que eu não entendi. Vi Ryler andando em volta dos pégasos, como se os analisasse. Achei a cena engraçada, e ele não me notou. Me sentei ao lado da biga e comecei a escovar os dentes, depois prendi o meu cabelo, que infelizmente cheirava a fumaça. Enquanto fazia isso, Ryler surgiu ao meu lado.
– Bom dia. – ele disse, com seu habitual sorriso relutante.
– Bom dia! – respondi, animada. Ele olhou para mim com surpresa.
– Que diferença do humor de ontem! – comentou, e me estendeu uma mão para me ajudar a levantar. Eu a peguei mostrando a língua para ele.
– Eu estou sempre bem humorada. Diferente de você.
– Ah, lógico... Vou fingir que sim! – Ryler me roubou um selinho demorado. No mesmo instante, ouvi um assobio atrás de nós.
– Vamos embora, antes que algum segurança apareça. – Leo avisou, com uma escova de dente na mão. Seu cabelo parecia um ninho de andorinhas.
Ryler assumiu sua posição durona novamente e me ajudou a subir na biga. Menos de dois minutos depois, já voávamos pelo céu da Flórida. As paisagens eram incríveis. O mar de Miami era de um verde intenso e límpido. O dia quente estava propício para um mergulho. Mas, infelizmente, nosso caminho seguia para o interior da Flórida, terra dos caçadores de répteis.
O clima se suavizou bastante depois que engoli meu orgulho e pedi desculpas para Ryler. Ele nunca faria isso por mim em menos de 24 horas após uma briga, mas se fosse ficar pensando assim, não levaria nosso relacionamento a lugar algum.
Os garotos não trocaram palavras entre si. Eu era a intermediadora da conversa. Leo conversava comigo, que conversava com Ryler. Este não conseguia admitir que além de tudo, sentia ciúmes de Leo. Eu não sei o que Ryler via nele que o fazia considerá-lo tão ameaçador. Talvez fosse seu bom humor.
Chegaríamos a Flórida por volta do meio dia. Todos decidiram (dessa vez, de verdade) parar em algum lugar para ir ao banheiro e comer alguma coisa. Paramos em um posto de gasolina no meio de uma rodovia federal, que tinha um restaurante razoável e banheiros limpos. Pelo jeito, a névoa transformava uma biga enorme em um grande SUV pilotado por um brutamonte, um adolescente hispânico e uma garota desengonçada vestidos com camisetas laranja.
Ryler gastou mais de quinze dólares com seu café da manhã. Leo também comia bastante, mas o filho de Ares comia assustadoramente demais. O que ele comeu em um café da manhã eu comia em todas as manhãs de uma semana inteira.
Alimentados e com as devidas necessidades fisiológicas sanadas, continuamos a nossa viagem. Posso parecer louca, mas achei estranho que nada de ruim acontecera depois da noite anterior. Aprendi que quando se é um semideus, é bom desconfiar quando as coisas estão muito calmas e pacíficas. Normalmente, a calmaria é um presságio de que situações ruins se seguirão.
Fazia tanto calor que Leo tirou a camiseta do acampamento e a amarrou na cabeça, como uma bandana. Ryler se distraia polindo sua espada, e se ofereceu para polir a minha também.
– Nunca mais saia da biga sem sua espada. – ele aconselhou – Na verdade, você simplesmente tem que ter uma arma com você em qualquer situação. Mesmo se estiver só indo no shopping com as amigas.
– É difícil carregar uma espada nas ruas de Los Angeles sem que ninguém perceba, sabia? – justifiquei.
– Lógico. Só que não precisa ser uma espada. Pode ser uma faca. Você está sempre de botas, pode esconder uma faca nelas. É simples. – Ryler falava com tanta experiência que se tornava difícil desprezar sua opinião.
– Ok, senhor experiente. Vou viver armada daqui em diante.
Sorrimos um para o outro, e percebi que Leo suspirou entediado. Ele deveria estar se sentindo deslocado por andar numa biga voadora com um casal de namorados.
O interior da Flórida era tão incrível quanto o litoral. As florestas tropicais se espalhavam pela paisagem, misturando-se com os Everglades, que se estendiam em pequenas porções por todo o estado. Passamos a sobrevoar uma área que se resumia apenas a florestas, distante de qualquer centro populacional.
– Segundo o GPS, estamos sobrevoando a reserva estadual de Ocala. Vocês estão vendo algum palácio por aí? – Leo falou.
– O palácio deve ser mágico. Invisível para mortais e de difícil de visualização para semideuses. – Ryler disse, pensativo, e eu me surpreendi com seu raciocínio dedutivo.
– Cara, você falou uma coisa que faz sentido. Legal! Já pode ganhar sua medalha de ‘Parabéns pelo esforço’!
Ryler ia levantar o braço para dar um tapa na cabeça de Leo mas eu o interceptei.
– Parem vocês dois! – interrompi bruscamente – Não estão ouvindo esse barulho?
Um barulho de metal rangendo começou a invadir a biga. Leo soltou um sonoro palavrão ao olhar para o painel de controle.
– Algum campo magnético – sua voz assumiu um tom nervoso – está desestabilizando a biga. Mas...esses barulhos...
Eu e Ryler olhamos de um para o outro, apreensivos. E foi no segundo seguinte que as pequenas penas das asas dos autômatos, cuidadosamente interligadas umas as outras, começaram a se soltar e sair voando pelo ar. Eu soube o que viria a seguir. Leo lançou um olhar significativo para nós dois, e completou:
– Peguem as mochilas e as armas. Nós estamos caindo.
Foi aterrorizador ver as penas voando soltas pelo ar. À princípio, uma por uma. E depois, várias de uma vez só. Os pégasos ora obedeciam os comandos de Leo, ora não. Estavam entrando em curto-circuito. A biga começou a perder estabilidade e descer em direção ao solo. Mesmo assim, Leo insistiu em tentar controlá-la, e eu entendi o que tentava fazer. Ele estava levando-nos em direção a um lago enorme, para que o impacto não acontecesse diretamente contra o chão. Ryler e eu pegamos as mochilas e demos as mãos. As nossas mãos livres seguravam os apoios da biga. A velocidade ficava cada vez maior, e Leo também teve que se segurar firme para não sair voando. Os pégasos pararam de funcionar, pois seus olhos perderam o brilho iluminado. A ‘sorte’ é que Leo tinha conseguido direcionar a biga para o lago. Faltavam apenas alguns metros para a colisão. Eu segurava a mão de Ryler tão forte que deveria estar machucando. Prendi a respiração quando a água aproximou-se, e em uma fração de segundos a biga colidiu contra a superfície, levando-nos para debaixo d´água.
Senti Ryler me puxar para a superfície o mais rápido que pode. Não conseguia me localizar muito bem debaixo da água, que para ajudar era bem barrenta. Apenas deixei que ele me conduzisse, e rezei para que Leo tivesse conseguido nadar para fora assim como nós, pois podia sentir a biga afundando lentamente, seu peso tentando arrastar-nos.
Respirei o máximo que consegui quando emergimos. Graças aos deuses, Leo emergiu bem a nossa frente, um pouco aturdido, tentando flutuar.
– Precisamos ir para a margem! – Ryler exclamou, ainda sem me soltar. Leo assentiu e começamos a nadar até a margem, que estava a, no máximo, uns 30 metros de nós. Ryler só me soltou para que eu pudesse ir nadando sozinha. A mochila e a espada presa a minha cintura dificultavam um pouco meu nado, mas eu não iria deixar nada para trás. Ryler levava a meu arco e a aljava, que perdera inúmeras flechas. A margem era totalmente lamacenta, o que invalidou nosso banho repentino, já que ficamos sujos de barro até o joelho. Quase corri para fora da água, com medo que alguma cobra se enrolasse nas minhas pernas. Aquele lugar parecia um pântano, um pequeno pedaço dos everglades.
A camiseta de Leo ainda estava amarrada na sua cabeça. Ele saiu da água, ainda abalado, e se sentou no chão, olhando para o lugar onde a biga tinha acabado de afundar. Se eu conhecia Leo, ele não se conformava que outra máquina genial que havia construído foi por água abaixo. Dessa vez, literalmente.
Ryler colocou a mochila no chão, tirou a camiseta e começou a torcê-la. Eu não podia fazer o mesmo. Ser mulher tem várias desvantagens. Apenas me sentei ao lado de Leo, crente que o sol iria secar minhas roupas.
– Seu irmão vai me matar. Clarisse também. O chalé de Ares e o chalé de Apolo vão querer acabar comigo. Eu sou um tremendo idiota. – Leo se autocriticou sem tirar os olhos do lago.
– Para com isso, Valdez! – indignei-me – Que culpa você teve? A biga enlouqueceu, ou alguma força maior fez isso para nos derrubar. Você não consegue ver? – eu torcia os meus cabelos para tirar um pouco da água e encarava Leo seriamente.
– Não devia ter feito essa rota, eu poderia ter dado a volta e não ter passado por aquela área... – ele resmungou, passando as mãos pelo rosto, e eu dei um belo de um tapa dolorido nas suas costas – Ai!
– Se você falar essa besteira mais uma vez, eu te dou um muito mais forte! Pare de ficar se culpando por tudo. Se não fosse por você a gente nem teria chegado aqui. – eu falei autoritária e Ryler se aproximou de nós, com a camiseta sobre um ombro. Perigosamente lindo.
– E agora? O que nós vamos fazer? Sem biga! Sem transporte! Não sabemos onde o palácio fica! Os pernilongos estão me picando e eu tenho alergia! – ele parecia bastante frustrado.
– Você falou como uma menina. – Leo provocou e fez os olhos de Ryler faiscarem.
– Quer voltar pro fundo do lago, Valdez? – ele rosnou, e Leo apenas riu.
– Se vocês começarem de novo, eu sumo e vou atrás desse palácio sozinha. – dei um ultimato e os dois quebraram o contato visual. Uma sombra cruzou o sol quase imperceptivelmente. Eu olhei para cima e vi algo que parecia uma ave gigante vindo em nossa direção. Abutres não, pensei. Mas conforme a coisa foi se aproximando, passou a assimilar-se com um anjo. Meu coração disparou, numa vã esperança de que aquele anjo fosse Eros. Ryler e Leo, que colocou a camiseta se levantou, deveriam estar pensando o mesmo.
Porém, quando ele entrou em nosso campo de visão, a decepção bateu. Não era Eros. O anjo aterrissou suavemente a dois metros de distância de nós. Ele vestia uma jaqueta de couro preta, camiseta vermelha, calças de couro rasgadas e apertadas, um coturno e óculos de sol ray-ban. Ele mascava um chiclete, e seus cabelos loiros eram idênticos aos de Eros. Eu já tinha o visto antes. Aquele era Voluptas, o deus do prazer, filho de Eros e Psiquê.
Ele tirou os óculos com um sorriso sedutor nos lábios. Seus olhos brilharam com pura luxúria e desejo, da mesma forma que havia visto no meu sonho. Voluptas se aproximou de nós, e até seu jeito de andar era sensual.
– Então vocês são os semideuses que procuram pelo meu pai? – ele questionou. Sua voz seria capaz de fazer uma rocha derreter. Eu assenti. – Bem, vocês devem ser bons. Nenhum semideus jamais chegou até aqui.
– Quem é você? – Ryler perguntou, desconfiado.
– Sou Voluptas, semideus. – Voluptas respondeu, chegando mais perto ainda. – O deus do prazer e da tentação carnal... Com certeza, você nunca ouviu falar de mim. Você apenas sente o meu poder toda vez que olha para sua namorada... – não sei dizer que cor meu rosto assumiu, mas sem dúvidas, foi vermelho-escarlate. Isso era tão inapropriado que até Ryler balbuciou e não soube o que dizer.
– Você é filho de Eros. – Leo recuperou a habilidade da fala – Isso quer dizer que vai nos ajudar, certo? Afinal, estamos numa missão para salvar seu pai.
– Ajudarei no que estiver ao meu alcance, filho de Hefesto. – Voluptas nem sequer olhou para Leo, apenas continuou seguindo em direção a mim e encostou a mão em meu rosto. – Que beleza impressionante, filha de Apolo. Não é por menos que esses dois garotos sonham em te ter. Entende o que eu digo?
Leo se assustou com o que Voluptas dissera. As pontas dos seus dedos começaram a entrar em chamas. Senti a respiração de Ryler ficar ruidosa. Ele olhava de Leo para Voluptas como se estivesse prestes a degolá-los. Eu não sabia onde enfiar a cara.
– O que você quer? – balbuciei, me desvencilhando do deus. Ele fez uma cara de decepção muito charmosa e pegou minha mão, depositando um beijo na mesma.
– Apenas quero que encontrem meu pai, minha bela. Se não há amor, é bem mais difícil de existir o desejo. Se meu pai se enfraquece, eu enfraqueço também.
– Saia de perto dela! – Ryler ralhou. Cada vez tinha mais certeza de que ele era a pessoa mais sem noção da face da terra. Voluptas podia parecer um garoto de dezoito anos de idade, mas ele era um deus. A autoridade maior dali. E estava disposto a nos ajudar.
– Não se preocupe, filho de Ares. Essa garota já tem um dono. E ele não é você, muito menos eu. – Voluptas falou e cada músculo do meu corpo se tencionou. Ele tinha acabado de falar que eu e Ryler não ficaríamos juntos.
– Pare de falar esse tipo de besteira e diga como vai nos ajudar! – Ryler praticamente gritou com o deus, em toda sua fúria.
– Se continuar me desrespeitando dessa maneira, desistirei de ajuda-los. – Voluptas passou as mãos pelos cachos perfeitos, que não precisavam de retoque nenhum.
– Por favor, Voluptas. – usei a simpatia que o deus demonstrou por mim para nos beneficiar – Não desista de nos ajudar. Ouça apenas a mim. Precisamos chegar até o palácio de seus pais. Psiquê tem uma informação vital para a nossa missão. Há alguma maneira de nos ajudar?
– É claro que sim, minha querida. – Voluptas me lançou outro de seus sorrisos maliciosos – Sigam-me.
Ele começou a andar até a margem do lago. Olhávamos a cena apreensivos, quando um grande clarão surgiu em nossa frente e tivemos que fechar os olhos. Ao abrirmos os olhos de novo, havia um barco de madeira branco com dois remos flutuando à beira da água.
– Não posso colocar vocês diretamente no palácio de meus pais. Como não são imortais, precisam passar pelo guardião. – Voluptas explanou. E eu preferi não imaginar o que seria o tal guardião – Mas posso ajuda-los a atravessar esse lago. O palácio fica na outra margem, vocês o verão quando chegarem lá.
Leo e Ryler não demonstravam confiar em Voluptas. Mas essa era nossa única chance e não podíamos desperdiça-la.
– Obrigada, senhor. – eu agradeci. Um dos meus irmãos me dissera para sempre ser cordial com os deuses, mesmo que eles aparentassem ser mais imaturos que nós. Voluptas piscou para mim e fez sinal para que entrássemos no pequeno barco. E foi o que fizemos.
Minutos depois, eu ia me arrepender de ter feito isso.
Ryler e Leo sentaram-se na frente e começaram a remar. Eu sentei no outro banco, colocando a aljava nas costas junto com a mochila. Quando olhei para trás, Voluptas tinha desaparecido sem deixar rastros. Engoli seco e o barco foi deslizando para o meio do lago silenciosamente.
– Eu não confio nesse cara... – Ryler desabafou e eu concordei. Não gostava de julgar precipitadamente, mas pelo que vira de Voluptas em meu sonho, ele não aparentava ser tão bom quanto deveria. O barco passava pelo local onde a biga afundou, e logo depois disso é que o Hades deu as caras em nossas vidas.
Algo tremendamente grande bateu as costas no fundo do nosso barco. Eu me agarrei as bordas do mesmo, assustada. O impacto criou ondulações ao redor. Ryler parou de remar e desembainhou sua espada. Leo fez o mesmo, e tirou de dentro do seu cinto algo que parecia uma granada transparente com um líquido verde brilhante. Fogo grego. Nós apenas esperamos o ataque em silêncio.
Numa fração de segundos, vimos o barco ser dividido no meio pela boca de um crocodilo de, no mínimo, cinco metros de comprimento. Isso fez com que eu me separasse de Leo e Ryler. A minha metade do barco ainda flutuava, mas a dos garotos afundava rapidamente por causa do peso. O crocodilo voltou a emergir, sua boca maior que uma cratera indo em direção a Leo e Ryler. Ambos pularam para a água, desviando do bicho, e meu coração deu cambalhotas de medo e apreensão. Eu precisava salvar meu namorado e meu amigo. O crocodilo era tão grande que sua couraça flutuava fora da água. O melhor que pude fazer foi utilizar minhas flechas restantes para atingi-lo. Eu lancei quatro flechas, e nenhuma o machucou. Apenas consegui deixá-lo irritado e chamar sua atenção para mim.
O monstro veio a meu encontro. Rapidamente, eu notei que a água tinha me levado até um aglomerado de rochas que se erguia no meio do lago. Eu saltei do pedaço de barco em que estava e me agarrei as pedras como se minha vida dependesse delas. O crocodilo por pouco não pegou minha perna esquerda. Vi Ryler e Leo nadando em direção as pedras também, aproveitando a distração do monstro. Desembainhei minha espada e comecei a atacar o monstro. Se conseguia perfurar cinco centímetros de sua pele grossíssima, era muito. Ele estava prestes a terminar de subir o rochedo. Perdi os garotos do meu campo de visão.
Um desespero enorme tomou conta de mim, mas não parei de lutar. Não morreria de forma tão covarde, virando comida de réptil. Senti alguém atrás de mim, se apoiando em meu ombro esquerdo para não se desiquilibrar. Não podia olhar para nenhum outro ponto que não fosse a boca do crocodilo; do contrário, ele me derrubaria.
– Faça a boca dele ficar aberta! – por um momento, eu pensei que Ryler tinha conseguido subir na pedra. Mas era Leo – Coloque a espada atravessada na boca dele!
Eu segui as ordens de Leo e coloquei minha espada atravessada na boca do crocodilo. Ele soltou um barulho como o de um engasgo, não conseguindo fechar a boca. E então, Leo jogou a granada de fogo grego na garganta do bicho.
Foi tudo extremamente rápido. Leo me abraçou, e juntos caímos de volta para a água, ao mesmo tempo em que o crocodilo explodia em mil pedaços e chamas verdes engoliam o lugar onde estávamos há pouco. A única coisa que passou pela a minha cabeça foi se Ryler conseguira escapar. Depois disso, a escuridão tomou conta dos meus olhos e da minha mente enquanto eu afundava devagar para as profundezas daquele lago.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Odiaram? Encontraram algum erro de português? Qualquer coisa que tenham a dizer, deixem nos comentários!
E obrigada por estarem acompanhando a fic ♥
xX Taty



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