A dor que eu sentia era como se eu estivesse sendo esfaqueada, pisoteada, massacrada, e tudo que seja uma tortura. Ver seu rosto de anjo todo cheio de arranhões e cortes era horripilante. Eu não sabia o que fazer, não sabia como agir e nem o que dizer! Ele estava ali por culpa minha! Tudo culpa minha!

Eu nunca iria me perdoar.

Cheguei mais perto da cama cuidadosamente para não esbarrar em nada. Peguei em sua mão e respirei fundo. Não consegui me controlar. Era perturbador, mas chorei. Me sentei em uma poltrona que havia ao lado da cama. Levei as mãos ao rosto e suspirei.

Acabei adormecendo ali mesmo.

Os meses começaram a se passar e Rafael nem se quer se mexia. Eu me demiti do emprego para passar os dias naquele hospital ao lado dele. Eu estava sendo sustentada por minha mãe. Era vergonhoso isso, mas eu não tinha escolha. Eu o amo e não o deixaria sozinho nem se quer uma hora.

São Paulo, 5 de agosto de 2013. Oito meses depois do acidente.

Eu acordei pela manhã e fui até o banheiro. Minhas costas doíam por conta da poltrona desajeitada que na qual eu estava usando como cama. Me olhei no espelho, meus olhos estavam inchados, com olheiras e muito vermelhos. Resultado de mais uma longa noite de choro.

Eu já estava perdendo todas as minhas esperanças. A única coisa que ainda me confortava era ver aquele rosto de anjo todos os dias. Realmente estava sendo muito difícil pra mim ter que conviver com ele sem poder ver aqueles olhos lindos de novo.

Aquele era pra ser um dia comum no hospital, mas algo chamou minha atenção naquela manha. Assim que voltei da comedoria, notei que a mão de Rafael não estava no mesmo lugar onde estava desda ultima vez que eu a peguei. Eu achei que estava vendo coisas.

Depois de tanto tempo naquele lugar acho que isso já era comum pra alguém que estava tendo alucinações. Cheguei mais perto da cama e peguei em sua mão.

– Rafael?– chamei e senti um choque tomando conta de meu corpo.

Seu dedo se levantou e eu sorri animada.

– Amor, consegue me ouvir?– tentei força-lo a me dar um sinal.

Seu dedo se levantou e agora com mais rapidez. Eu soltei-o com gentileza e corri para o telefone. Disquei muito rápido o número do celular de Bruna. Por sorte, ela atendeu rápido.

– Bruna, ele reagiu – tentei estabelecer um volume de voz, mas acho que saiu mais alto do que imaginei.

– O que? Julia? Você esta falando sério?– ela parecia muito assustada.

– Muito sério.

– Estamos indo – disse ela e eu sorri.

Voltei para perto da cama, peguei em sua mão e o chamei de novo. Novamente ele reagiu, mas desta vez mexeu todos os dedos. Segurou minha mão com força e naquele momento eu sabia que minhas esperanças estavam voltando.

Chamei um médico as pressas. Ele me pediu para sair da sala para eles fazerem uns exames e eu fiquei na sala de espera. Depois de duas horas eles voltaram. O doutor Mauricio veio até mim e disse:

– Ele esta reagindo. Isso é bom, mas podem haver sequelas se ele evoluir muito rápido.

– Sequelas? Que tipo de sequelas? – perguntei.

– Perda de algumas memórias importantes, sem movimentos em alguma parte do corpo, modificação na voz... – ele ainda parecia triste.

– Mas a voz dele é a coisa mais importante na vida dele – eu estava furiosa.

– Não podemos fazer nada.

Eu estava a ponto de dar um soco no médico. Rafael não podia perder a voz! Mas mal eu sabia de que essa não seria uma das piores coisas que iria acontece-lo.

Marizete, Bruna e Amarildo chegara e foram visita-lo. Ele não se moveu. Não reagiu a nenhum chamado. Marizete ainda chorava toda hora e sua aparência era horrível.

Eles foram embora e eu voltei para o quarto. Segurei em sua mão e cantei para ele:

– Eu vou estar te esperando nem que já esteja velhinho gagá. Com noventa, viúvo, sozinho. Não vou me importar, vou ligar, te chamar pra sair. Namorar no sofá. Nem que seja além dessa vida. Eu vou estar te esperando.

E de repente ele abriu os olhos.

– A garota dos meus sonhos!