Um Argumento (peça) escrita por Goldfield


Capítulo 1
Ato Único




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Um Argumento

Comédia em um único ato.

Personagens:

MARCOS, jovem de vinte e quatro anos.

Um guarda de trânsito.

EPAMINONDAS, um velho.

Uma senhora de idade, mulher de Epaminondas.

Uma senhora hipocondríaca.

PEDRO, filho de Epaminondas.

Dois amigos de Pedro.

Uma vizinha de Pedro.

LAÉRCIO, amigo de Pedro.

Um marginal.

AUGUSTO, amigo de Laércio, mecânico.

Um mecânico, assistente de Augusto.

A cena se passa na cidade de São Paulo.

Ato Único

Uma rua de Osasco, na frente da casa de Epaminondas e de sua mulher.

Cena I

Entram Marcos e o guarda de trânsito, discutindo. Depois a mulher de Epaminondas.

MARCOS – Quer apostar comigo?

GUARDA – Eu já disse! Desista disso e pague a multa!

MARCOS – Pagar uma multa por nada?

GUARDA – Como assim, por nada? Neste Estado é proibido estacionar na frente de uma garagem.

MARCOS – Mas olhe bem para esta casa, amigo guarda. É velha e tranqüila, o que leva a crer que, possivelmente, é um pobre casal de velhinhos que, nessa residência, espera calmamente pela morte. Ou seja, nem devem ter um carro.

GUARDA – E se um deles tiver um infarto e uma ambulância precisar entrar na garagem para levá-lo? O seu carro estará bloqueando a passagem!

MARCOS – Que pare na frente da casa!

GUARDA – E se a vítima do infarto tiver insolação e não puder ser exposta ao sol?

MARCOS – Basta usar um guarda-sol ou coisa parecida!

GUARDA – Pague a multa, rapaz...

MARCOS – Não desistirei tão facilmente! Confirmarei o que digo! (Bate palmas). Vamos ver quem mora aí!

SENHORA, entrando – Quem me chama?

MARCOS – Viu? Não falei?

GUARDA – Vamos ver! A senhora tem marido?

SENHORA – Sim, caro guarda. Chama-se Epaminondas da Silva Costa.

GUARDA – E tem carro?

SENHORA – Sim, uma Brasília 78. Por quê?

GUARDA – Viu como tinha razão? E onde está essa Brasília, senhora?

SENHORA – Na frente daquela farmácia ali na esquina (aponta para a direita), onde meu marido trabalha.

GUARDA – Ele usa o carro para ir até ali?

SENHORA – É o reumatismo, sabe?

MARCOS – Vamos até lá! Quero provar meu argumento!

GUARDA – Vai acabar quebrando a cara! (Saem os dois pela direita, a senhora sai pela esquerda).

Cena II

Farmácia onde Epaminondas trabalha. Este se encontra atrás de um balcão cheio de caixas contendo medicamentos, atendendo a uma senhora. Depois Marcos e o guarda.

EPAMINONDAS, contando as caixas de medicamentos – Uma, duas, três, quatro, cinco... Cinco caixas, minha senhora?

HIPOCONDRÍACA – Sim. Hoje em dia se pega de tudo...

EPAMINONDAS – O que a senhora tem?

HIPOCONDRÍACA – Não tenho certeza, mas creio ser Reumatismo Encéfalo-Pulmonar Antagônico Galopante!

EPAMINONDAS, colocando as caixas de medicamentos dentro de uma sacola – Isso é tudo?

HIPOCONDRÍACA – Sim, caro senhor. Logo que precisar comprar mais remédios voltarei aqui.

EPAMINONDAS – Até logo. Volte sempre. (A senhora sai, carregando a sacola com os remédios).

MARCOS, entrando com o guarda – Senhor Epaminondas da Costa e Silva! (À parte:) Ou será ao contrário?

EPAMINONDAS – Sim?

MARCOS – O senhor é dono da Brasília 78 parada aqui em frente?

EPAMINONDAS – Não, moço. Ela pertence ao meu filho, Pedro.

GUARDA – E onde ele mora?

EPAMINONDAS – Em Diadema.

GUARDA – Vamos até lá!

MARCOS – Vamos, amigo guarda! Vamos logo! (Saem os dois).

EPAMINONDAS – O que estarão querendo com meu filho? (Sai).

Cena III

Casa de Pedro. O dono da casa e seus amigos cantam e dançam. Depois o guarda, Marcos e a vizinha.

PEDRO – Que dia bom para uma festa! Aposto que hoje ninguém irá nos incomodar! Cantem e dancem, gente!

UM AMIGO – Como vai seu pai, Pedro?

PEDRO – O reumatismo vai acabar levando ele desta pra melhor...

OUTRO AMIGO – Ele ainda te acha um vagabundo?

PEDRO – Sim e disse que não deixará nada pra mim, apesar de não ter razão.

UM AMIGO, à parte – Será que não tem mesmo? (Alto:) Você ainda não encontrou emprego?

PEDRO – Ainda não... As coisas estão difíceis...

OUTRO AMIGO, à parte – Também, para quem não quer nada... (Alto:) A coisa está brava mesmo, amigo!

GUARDA, entrando com Marcos – Aqui mora o senhor Pedro Costa da Silva, filho do senhor Epaminondas, a quem emprestou sua Brasília 78?

PEDRO – Sim. O que desejam?

MARCOS – O senhor é mesmo dono da Brasília?

PEDRO – Não. Ela é do Laércio, um grande amigo meu, que tem um bar em Guarulhos.

GUARDA – Como se chama o bar?

PEDRO – Bar do Jabuti.

MARCOS – Vamos até lá!

GUARDA – Não desiste, jovem?

MARCOS – Nunca! (Saem os dois).

PEDRO – Esperem! Fiquem! Não querem festejar com a gente?

MARCOS, ao longe – Nós não temos tempo!

PEDRO – E ainda falou o sobrenome do meu pai errado... O que podem estar querendo com a Brasília do Laércio?

UM AMIGO – Podem ser ladrões de carro!

PEDRO – Será?

OUTRO AMIGO – Sim! Eles agem assim hoje em dia, principalmente por aqui. Não devia ter dito nada.

PEDRO – Mas eu nem disse o endereço do bar!

UM AMIGO – Menos mal. Vamos voltar a festejar!

VIZINHA, entrando – Pedro! Sua mãe ligou lá em casa!

PEDRO – O que aconteceu?

VIZINHA – Seu pai morreu!

PEDRO, rindo de felicidade – Pessoal! Agora temos um motivo para festejar! (Voltam a cantar e dançar).

Cena IV

Bar do Jabuti. Laércio se encontra atrás de um balcão, enquanto próximo a este último se encontra sentado um marginal. Depois o guarda.

LAÉRCIO – E aí, não vai pagar não?

MARGINAL – Não tenho cascalho algum!

LAÉRCIO – Isso não é novidade...

MARGINAL – Não se preocupe. Depois que fizer aquele serviço para o Beira-Mar, estarei montado na grana e pagarei todas as minhas dívidas!

LAÉRCIO – E isso vai demorar?

MARGINAL – Primeiro precisam tirar o Beira-Mar da cadeia!

LAÉRCIO, à parte – Eu já vi que vou ficar por muito tempo sem ver a cor do dinheiro que esse malandro deve! (Alto:) Vai querer mais alguma coisa?

MARGINAL, com grosseria – Não!

LAÉRCIO, à parte – Que educação!

GUARDA, entrando, à parte – Reconheço que não usei meus miolos, pois esqueci de perguntar o endereço deste maldito bar. Rodamos muito e já está quase escurecendo, mas conseguimos! Ou, pelo menos, eu consegui, pois o teimoso do Marcos quis ficar no carro! (Alto:) Senhor Laércio!

LAÉRCIO – Sim?

GUARDA – O senhor é dono da Brasília 78 que emprestou ao senhor Pedro, que emprestou para seu pai, Epaminondas Costas do Silva?

LAÉRCIO – Não.

GUARDA – Quem é o dono então?

LAÉRCIO – O Augusto Soares, que tem uma oficina em Osasco.

MARGINAL, se levantando, à parte – Esse guardinha deve estar querendo morrer! (Alto:) Que tu queres aqui, polícia?

GUARDA – Eu?

MARGINAL – É! Tu mesmo! O que quer aqui? Se você veio prender o meu amigo Laércio, vai ter que me prender primeiro!

GUARDA – Não se incomode! Já estava de saída!

MARGINAL – Então some! (Sai o guarda).

LAÉRCIO – Coitado do cara!

MARGINAL – Odeio guardas de trânsito, e você sabe disso! Tchau! (Sai, enquanto Laércio começa a limpar o balcão).

Cena V

Oficina de Augusto. O mecânico assistente encontra-se sentado, resmungando. Depois Marcos, o guarda e Augusto.

MECÂNICO, bocejando – Que dia estafante! Ainda bem que já está no fim! Não agüento mais trabalhar! (Boceja novamente). O Augusto é um tirano. Onde já se viu, me fazer trabalhar tanto para ganhar uma merreca! Mas eu ainda serei dono deste negócio!

MARCOS, entrando com o guarda – Senhor Augusto!

MECÂNICO – Quem quer falar com ele?

GUARDA – Não importa, apenas diga que é urgente!

MECÂNICO – Vou chamá-lo! (Sai).

GUARDA – Se você quiser desistir, ainda dá tempo!

MARCOS – Não desistirei tão facilmente, amigo guarda. Irei até o fim para provar que está errado!

GUARDA – Então esse fim está bem distante, amigo Marcos.

MARCOS – Será?

MECÂNICO, voltando com Augusto – Aqui está o Augusto!

AUGUSTO – O que vocês desejam aqui?

MARCOS – O senhor é dono da Brasília 78 que emprestou ao senhor Laércio, que emprestou a Pedro, que emprestou ao senhor Epaminondas de Costas para o Silva, seu pai?

AUGUSTO – Sim!

GUARDA – Até que enfim! Já estava na hora!

AUGUSTO – Mas dei o veículo ao senhor Epaminondas há cerca de duas horas e meia.

MARCOS – Por quê?

AUGUSTO – Ele faleceu faz esse tempo. Foi seu último pedido, pois, como não tinha nada para dar como herança, pediu, num improvisado testamento, que a Brasília 78, por falta de filhos trabalhadores, fosse dada a dois homens que perguntaram pelo carro na farmácia em que trabalhava, há cerca de três horas.

GUARDA – Como disse?

AUGUSTO – É isso mesmo. Por quê?

MARCOS – Aposto que chego primeiro!

GUARDA – É melhor não apostar! (Os dois saem, correndo).

AUGUSTO – Estranho... O que disse de errado?

MECÂNICO – Cada louco tem sua mania! (Saem).

Cena Última

Rua de Osasco, na frente da casa de Epaminondas. Marcos e o guarda chegam correndo. Depois a viúva de Epaminondas.

MARCOS – Onde estará o carro?

GUARDA – Deveria estar por aqui, não?

MARCOS – Onde poderá estar?

GUARDA – Vamos perguntar à viúva! (Bate palmas). – Aí vem ela!

SENHORA – O que desejam, caros senhores?

MARCOS – Meus pêsames, senhora.

GUARDA – Igualmente.

SENHORA – Epaminondas já era velho... Mas o que desejam aqui?

MARCOS – A herança...

SENHORA – Oh, sim, é mesmo... Mas o carro estava parado exatamente aqui, nesta rua, bem aqui em frente!

MARCOS – Se não está aqui, onde poderá estar?

SENHORA – Essa não! Roubaram! Agora me lembro de ter ouvido alguém dando partida na Brasília! Esta cidade de São Paulo...

GUARDA – Não posso acreditar!

MARCOS – Por favor, não fale nada, amigo guarda... Oh, Deus!

GUARDA – Tudo por causa do seu maldito argumento!

MARCOS – Hei! A culpa não é só minha! Você também queria provar que estava certo!

GUARDA, entregando um pedaço de papel a Marcos – Aqui está sua multa!

MARCOS – Ora, vamos esquecer tudo o que aconteceu...

GUARDA – Nada disso! Vai ter que pagar a multa!

MARCOS – Droga! Às vezes argumentos só dão dor de cabeça...

GUARDA – Vivendo e aprendendo... Vou-me embora, pois minha família me espera e já é noite! (Sai).

MARCOS – Eu também já vou indo, pois já é tarde! Que dia! (Sai).

SENHORA, olhando para os lados – Acho que já foram... Pode vir, Epaminondas!

EPAMINONDAS, entrando – Já foram?

SENHORA – Sim, fique tranqüilo. Escondeu a Brasília?

EPAMINONDAS – Sim. Demos uma lição nos dois. O moço aprenderá a nunca mais estacionar seu carro em frente à nossa garagem, e o guarda nunca mais cairá em truques de pessoas que tentam escapar das multas!

SENHORA – A janta está pronta! Vamos entrar?

EPAMINONDAS – Sim. Estou morrendo de fome. Vamos! (Saem).

FIM

Luiz Fabrício de Oliveira Mendes – “Goldfield”.


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