Caleb segurou os ombros de Beatrice e os guiou com delicadeza até o maior espelho da casa (situado no quarto da Senhora Collins). Ele tinha os passos muitíssimos controlados - como se andasse em um campo repleto de bombas. Colocou Beatrice diante de si mesma com facilidade, como um brinquedinho obediente, e esperou alguma reação da garota. Nada.

Ela fitou a si mesma por alguns minutos, não sabia quanto tempo tinha passado, mas não se importava, pois algo lhe atormentava profundamente na imagem a sua frente: Uma Beatrice de vidro. Usava um vestido embonecado, com uma tonelada de panos e rendas, e tinha as mãozinhas pendendo soltas ao lado do corpo, parecendo pesarem o equivalente de elefantes. Seu cabelo loiro estava repleto de cachos que ousavam ser belo em demasia.

“Vejas! Vejas... Peles rosadas, bocas vermelho macio e olhos banhados em esmorecimento. Olhos incapazes de cobiçar ou desejar. Ti és como uma boneca patética”. O vampiro cochichou, o rosto era duro. Perfeitamente controlado, enquanto seus olhos gritavam em repulsão. Ele a chacoalhou de modo meigo, porém Beatrice somente piscou. Piscou diversas vezes, parecendo tonta. Então ele parou e voltou a estudá-la. Tinha olhares fixos nela, notava cada pequeno detalhe. Tentou descobrir cada linha que levaria um pensamento seu. Analisou feita obra de arte. Percebeu que tinha segredos bizarros. Porém foi só. Tudo o que captou da Pequena Bia foram os segredos. Mas sem entender o significado de cada um.

“Minha Bia. Tão delicada que eu temo quebrá-la. Desprezo tal sentimento. Repudio-me. Culpo-me”. Ele continuou: “Tu és minha artista. Meu pôr do sol, querida”.

A loira retirou o olhar daquela Beatrice apavorante e voltou-se para trás. Primeiro trocou olhares com o vampiro e depois virou seu corpinho devagar, virando um pezinho de cada vez. Sentia que flutuava pesadamente. Como asas de ferro, que batiam e batiam, mas não lhe fazia voar. Pobre de ti, Bia, disse para si. Enquanto fugia para o distante pensou em asas negras e bonecas. Quis apagar todas as luzes e encolher-se em um cantinho mofado. Ela sabia que não era uma artista, não tinha talento algum. Não sabia dançar ou cantar, nem mesmo desenhar. O que poderia fazer então? O que era tão espetacular nela? Pobre de ti, Bia, repetiu angustiada. Sentiu vontade de fazer perguntas, perguntar até perder a voz. Queria entender o que tinha de valioso nela. Qual o motivo circunstancial que um vampiro da nobreza teria para guardar a Pobre da Bia? Uma menina de doze anos, fraca em demasia. Mas não ousou perguntar. Tinha medo da resposta.

Quando voltou para o quarto, percebeu que já andava torta, semelhante a uma bonequinha quebrada. Então percebeu que seus ombros ardiam. Sua pele de porcelana estava quebrando, pouco a pouco. Havia uma trilha de cacos atrás de si. Porém continuou andando, séria e destemida, lentamente buscando o quarto. “Mabel, querida?” Caleb chamou, a voz claramente melancólica. Seu corpo parou imediatamente e sua cabeça girou para enxergá-lo. O movimento foi automático, como um robô. Uma Beatrice Robô. Um movimento lento e duro. Passaram alguns segundos e ela quis gritar. Somente um ruído saiu por entre os dentes: “Mabel?”. Então desfaleceu repentinamente. Sua última visão foi de Caleb segurando-a em seus braços gelados.