Uma Criança Com Seu Olhar escrita por Miss Desaster


Capítulo 14
Família




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Ter uma dúzia de paparazzi perseguindo seu carro logo pela manhã não era a forma de começar um dia que já prometia ser tenso por natureza. Um dia que Damon torcia para ser apenas um borrão em sua memória.

Infelizmente o dia já começara e ele precisava encarar com toda força.

Elena já estava sendo preparada para a cirurgia, David estava na escola sem saber absolutamente de nada, April ficaria com o garoto depois da escola e Damon tinha a missão de buscar Bonnie para irem ao hospital acompanhar todos os procedimentos para a cirurgia.

Bonnie não falou muito durante o trajeto e ele também não estava no clima para conversas.

As amigas conversaram por alguns minutos, enquanto ele esperava na recepção. Sempre achou que mulheres precisavam daquele momento feminino. Entrou no quarto depois de Bonnie ir para cafeteria do hospital e foi então que veio a primeira surpresa. Elena estava com um novo corte de cabelo.

— Está tão inspirada que temos até um novo visual. – Ele sorriu e passou uma das mãos pelo cabelo de Elena, que agora não passava do pescoço.

A morena apenas sorriu sem mostrar os dentes.

— Claro. Não posso sair daqui pálida e com a mesma cara de antes. As pessoas perguntariam se esse lugar não faz milagre com os pacientes.

— Ainda lembro da primeira vez que entrou no Bar do Ric.

Bar do Ric – 6 anos e meio atrás.

Era apenas mais uma noite quente no verão em San Diego. Era Spring Break e o bar estava lotado mais do que de costume. Cheio de adolescentes, bêbados e não costumava ficar tão bom assim tocar em dias como esses. Damon não tinha opção a não ser honrar com sua palavra de que tocaria todas as quintas, sextas, sábados e domingos no Bar do Ric.

Ele ainda tinha que tocar em muitos bares da vida para pagar todo dinheiro que devia, se manter no último período da faculdade e tentar ser notado por alguma gravadora importante. Era um caminho bem simples a vida de um músico.

Até parece.

Alguns dos frequentadores do bar ainda se arriscaram em meio aos jovens eufóricos, com a voz elevada e pupilas delatadas.

Para encerar a noite com grande estilo, escolheu tocar Bennie and the Jets do Elton John.

Agora poderia sentar e tomar uma cerveja antes de ir pra casa tirar umas dez horas de sono profundo.

Uma garota de uns 19 anos levantou da mesa que estava com algumas pessoas, deu uma risada tão natural que fez os amigos rirem também e começou a andar em sua direção. Ou talvez fosse apenas parar no bar e pegar algumas bebidas.

Seus cabelos escuros caíam pelos ombros e chegava até a cintura. Alguns dos fios rosa se perdiam na massa de cabelos pretos, mas era bonito de se ver.

— Oi. – A garota encostou-se ao balcão. – Era você que estava cantando, não é?

— Depende. Se veio me tacar tomates, não sou eu.

— Para sua sorte, esqueci os tomates no carro. – Ela sorriu e pegou uma bebida vermelha que o barman acabara de trazer.

— Então acho que estou seguro.

— Por enquanto. – A garota deu um gole generoso na bebida. – Obrigada por tocar uma das minhas músicas favoritas. Isso fez a minha noite.

— E qual seria?

— Bennie and the Jets. Quase levantei pra dançar e cantar.

— Então você tem bom gosto. – Damon terminou a cerveja. – Está aqui só para o Spring Break ou mora aqui em San Diego?

— Morando, estudando e tentando sobreviver. – O celular da garota apitou. – Preciso voltar pra mesa, meus amigos estão chamando.

— Realmente é perigoso ficar conversando com estranhos em um bar.

— É bem provável. Talvez você seja um assassino, psicopata ou ladrão. Nunca se sabe. – A garota agora tentava equilibrar cinco drinques com ambas as mãos. Sem muito sucesso.

— Acho que alguém está enrolada. Quer uma ajuda?

Ela apenas deu de ombros e acenou com a cabeça na direção da mesa que deveria seguir. Damon levou dois dos drinques que pertencia à mesa de amigos da garota.

— Pode se juntar conosco, se quiser. – A morena comentou faltando apenas cinco passos para chagarem na mesa no canto mais afastado do bar.

— Obrigado, garota dos tomates. Você tem um nome?

— Elena.

— Eu sou Damon.

Ela sorriu com algo que parecia uma piada interna:

— Tem nome de quem canta. Parece talentoso.

Fim do flashback.

Elena ficou calada assim que os enfermeiros entraram.

Damon não se considerava um cara religioso, como se depois das coisas que fez desse pra bancar uma pessoa cheia de crenças.

Ele só esperava que Deus tivesse compaixão o bastante para que tudo desse certo na cirurgia que se iniciava. Damon precisava ter fé que a mãe de seu filho estaria lá para dividirem a experiência e ele não queria David crescendo sem uma mãe.

O cantor já sabia que ter uma família poderia ser complicado e desgastante, mas depois do último mês ele percebera que não ter uma família talvez fosse pior. E ele queria ser/ter uma família para David. Seja qual for o jeito que Elena desejasse isso.

A poltrona da recepção parecia ter engolido Bonnie pelas últimas horas. Uma vez ou outra dava um suspiro vindo do fundo de sua garganta.

Ela sumiu quando já passavam das cinco horas de cirurgia, sem dizer nada e Damon não queria conversar para que alguém conseguisse ouvir o receio em sua voz.

— Beba um pouco. – Bonnie entregou um copo plástico branco. – Vai te acalmar.

Damon fez uma careta quando se deu conta que não era café.

— Odeio chá.

— Eu também, mas cafeína não ajuda.

Os dois beberam seus respectivos chás em mais um silêncio profundo até o celular de Bonnie tocar uma melodia baixa.

Ela atendeu paciente e escutou o que a outra pessoa falar.

— O que ele tem? Ele está com febre ou algo assim?

Damon se sobressaltou se deu conta de que era April falando de David.

— Como assim? – Ela perguntou com uma ruga mais acentuada entre as sobrancelhas. – Você contou algo pra ele ou deixou que escutasse alguma conversa no celular?

— O que foi? – Sussurrou Damon.

Bonnie apenas esticou o celular na direção do moreno para que atendesse a ligação.

— April? Está acontecendo alguma coisa? Você precisa que um de nós volte pra casa? – As palavras saltavam de sua boca sem o menor controle da velocidade e se era possível entender tão depressa.

Demorou um pouco até que alguma voz soasse ao aparelho.

— Damon? – Era a voz infantil de David que aparentava mais baixa e se possível, um pouco de receio.

— David? Oi, campeão. O que foi?

— Onde você ‘ta?

— Saí com sua tia Bonnie para resolver uma coisa. Está tudo bem? Alguma coisa está doendo?

— Você vai chegar logo? – Ele quase poderia ver seu filho fazendo biquinho. O que não combinava muito com a criança madura que David era, mas o menino tinha apenas quatro anos e crianças são crianças.

— Assim que eu terminar aqui. Enquanto isso você pode brincar com a April.

— Não quero brincar. Vem rápido tá?

— Prometo.

— É?

— Sim. E quando chegar em casa eu te conto uma história.

Damon não poderia afirmar, mas David parecia inseguro e ansioso. Como se de alguma forma pudesse sentir que sua mãe estava em uma cirurgia.

— O que aconteceu? – Bonnie perguntou depois de colocar o celular na bolsa jogada ao lado do pequeno sofá preto que agora dividiam.

— Não sei, ele pareceu assustado. Me pediu pra voltar logo.

A amiga lhe lançou um sorriso sem muita vida e ainda sim parecia sincero.

— Quando fui te procurar pra contar sobre toda a situação não fazia a menor ideia do que aconteceria.

— O que fez confiar em mim?

— Achei que você pudesse ser o mesmo amigo que conheci naquela época.

Damon não disse nada além de lhe oferecer um sorriso de agradecimento pela confiança. Nem ele sabia que era capaz de não destruir tudo e alguém que não o via há cinco anos acreditou que existia algo de bom nele.

— Sei que fiz a escolha perfeita. Vocês parecem uma família agora. – Ela disse enquanto pegava o celular novamente e mostrava uma foto dele e David em um dos almoços no apartamento.

O neurocirurgião responsável pela equipe que realizara a cirurgia estava caminhando na direção da recepção com a expressão neutra que todo médico carregava. Uma aura calma, e que na opinião de Damon beirava a indiferença.

Bonnie quase saltou na direção do médico.

— E então, doutor? O que aconteceu? Como está a minha amiga? – Sua voz não tinha nada além de angústia.

— Bem-sucedida. Ainda temos que mantê-la em observação por uns quatro dias e agora a senhorita Elena está sedada. Essa fase foi satisfatória. A amiga de vocês está fora de perigo. Sugiro que voltem para casa essa noite já que ela não poderá receber visitas por hoje. – O médico terminou em seu tom polido, deu um aceno de cabeça e sumiu na confusão do hospital.

Damon sentiu o estômago dar um looping e a paz finalmente encontrou um lugar para se aconchegar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado do desenrolar até aqui. Obrigada pelo apoio, de verdade. Eu não teria continuado sem vocês. Vejo vocês em breve.