1942 escrita por GabanaF


Capítulo 8
Capítulo VII — Campos de Concentração


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, como vocês estão? Espero que bem. Eu falei que postaria o capítulo na semana passada, mas alguns imprevistos aconteceram, e tive que atrasar um pouco a postagem. Nada demais, no entanto, e aqui está o capítulo novo para vocês nesse feriadão!
Finalmente, chegamos ao ano que dá nome a fic, e eu espero que vocês gostem deste capítulo que, pra mim é um dos melhores até agora.
Vejo vocês lá embaixo!



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Outubro de 1941

Por dois anos, Rachel Berry escapou das tropas alemãs. Por dois anos, Rachel conseguiu o incrível feito de fugir dos nazistas. Na guerra, tudo se tornava mais confuso, menos o faro da Gestapo e da SS em relação aos judeus, mas ela fugia deles milagrosamente. Às vezes ela contava com a ajuda de um alemão contra o regime de Hitler, embora tivesse passado a maior parte dos últimos dois anos em becos e sótãos de casas abandonadas, tendo que viver de pães roubados.

Rachel não tinha ninguém. Todos os dias, ela se perguntava se tomara a decisão certa ao escolher não ir embora com Noah para a Inglaterra. Enquanto dormia com um cobertor fino e rasgado, ela imaginava se o melhor amigo estava feliz e distante do terror que a Alemanha se tornara para os judeus. Rachel nem se preocupava com sua saúde e autoestima, somente se importava com Noah e mais outra pessoa, que a fizera cometer essa loucura toda de ficar na Alemanha nazista.

Quinn Fabray.

Rachel sempre pensava nela. Todos os dias, imaginando como ela estaria, se já tivera um filho, se seu marido já tinha ido para a guerra, se ainda morava na mansão dos pais em Berlim. Pensar que Quinn estava a poucos quilômetros dela, confortável em sua vida de alemã pura, fazia o estômago de Rachel revirar.

Talvez Noah estivesse certo, ela pensou em uma noite chuvosa de 1940. Talvez tivesse se apaixonado por Quinn Fabray, de fato.

A percepção de tal fato quase a levou à loucura. Mulheres não deviam se apaixonar por outras mulheres. Muito menos ter aquela conexão mágica que a fazia encontrar com Quinn em momentos cruciais de sua vida. Aquilo era muito improvável.

Ela sabia que a comunidade homossexual alemã era consideravelmente grande antes de Hitler assumir o poder — o pai de Rachel, Hiram, vivia falando sobre isso em casa —, mas ela nunca tivera contato com nenhum homossexual enquanto Shelby e Hiram estavam vivos. O assunto era tratado em casa como algo normal, embora, quando Hitler fora eleito chanceler, as conversas sobre diminuíram gradativamente.

Rachel odiava que aquilo estivesse acontecendo com ela em um período tão horrível na humanidade. Ela era uma judia que se recusava a sair do país de origem, já não era o bastante na sua vida? Ela não precisava sair por aí andando com uma estrela preta na manga da sua camisa para piorar sua situação.

E fora pensando em Quinn Fabray que ela fora presa, em outubro de 1941.

Rachel nunca fora de andar distraída pelas ruas, principalmente depois que passara a viver escondida em uma cidadezinha perto de Berlim, chamada Strausberg. Morava na saída da cidade, debaixo de um viaduto abandonado em construção, e tinha plena certeza de que ninguém a encontraria ali.

Pelo menos tinha até ver Quinn Fabray, seu marido e mais uma criança de mais ou menos cinco anos caminhando entre as árvores que cercavam a parte de baixo do viaduto quando voltava da sua corrida matinal para roubar comida.

Rachel se escondeu e não deixou que a família a visse. Nunca encontrara Quinn com alguém antes, e ela não tinha ideia de como o marido dela era. Podia ser um nazista exaltado que chamaria imediatamente seu pelotão para levá-la a um campo de concentração.

Observou-os montar um piquenique a poucos metros de onde suas coisas estavam, e ficarem lá pela tarde toda. A forma de como Quinn e Sam tratavam a menina dizia a Rachel que ela poderia ser filha deles, contudo ela sabia que isso seria fisicamente impossível.

A garota teria por volta dos cinco anos, o que sugeria que Quinn tivesse dado à luz em 1938, e Rachel tinha certeza que a mulher não estava grávida em sua visita a mansão dos Fabray em 1937 (Rachel também fuçara na seção social dos jornais de Berlim para saber mais sobre os Fabray à época). Lembrava-se vagamente de um jornal que dizia que a irmã mais velha Fabray estava grávida naquela época. Portanto, algumas horas mais tarde, Rachel sugeriu a si mesma que a menina era a sobrinha de Quinn.

Ela queria observar mais Quinn e a família, mas ficar sentada na mesma posição desconfortável por tanto tempo levou Rachel à uma câimbra terrível na perna. Ela ficou de pé, ainda sentido a dor na perna, e saiu de seu esconderijo, se distanciando dos Fabray e do cheiro delicioso do almoço que os três dividiam.

Rachel subiu a colina até o viaduto abandonado, inspirando o ar frio de outubro, triste por se afastar de Quinn, mas ao mesmo tempo feliz por ter uma oportunidade de vê-la outra vez.

Ao ver um grupo de militares andando na sua direção, Rachel soube que aquela seria a última vez que veria Quinn Fabray.


Os militares levaram-na para uma prisão na cidade. Ela viu o marido de Quinn andando para lá e para cá no quartel, mas Rachel não podia fazer nada a não ser observá-lo e invejá-lo por ter Quinn todas as noites em seus braços. Ela queria gritar para ele tirá-la dali, que conhecia sua mulher e que se recusara a fugir do país com o pretexto de se encontrar com ela novamente.

Obviamente, Rachel não fez nada disso. O marido de Quinn vasculhou a área do viaduto e encontrou os pertences de Rachel, mas não deixou que ela os tivesse de volta. Explicou para ela suavemente que eles não seriam necessários no campo, e Rachel notou que ele era tão contra Hitler e a guerra quanto Quinn.

Dois dias depois, os militares a pegaram de sua cela e a jogaram em um caminhão com outros judeus. Deram a Rachel um uniforme listrado e a estrela de Davi dourada para que ela colocasse no braço. Ela se recusou primeiramente a usar a estrela, mas tapas e socos dados por um cara duas vezes maior que você pode mudar a opinião de todo mundo.

Um garoto com espinhas no rosto e um uniforme do exército alemão leu para os judeus o nome do campo para onde seriam levados. Sachsenhausen, foi a única que Rachel capturou da fala do garoto, mas ela não se importava muito para onde iria. Ela continuaria lutando e continuaria enfrentando os alemães até que isso causasse sua morte.

Morreria como uma heroína.

— Por que está com esses roxos no rosto? — uma senhora ao seu lado no caminhão perguntou em tom alarmado.

— Porque eu me neguei a usar a estrela de Davi — respondeu Rachel, sem emoção.

Olhou para a mulher. Estava tão magra que dava para ver os ossos pela pele. Os olhos, fundos, não tinham nenhum um pouco da esperança que Rachel sabia que continha nos dela. Já usava o pijama que os nazistas havia lhe dado, o que fez Rachel presumir que a mulher era uma prisioneira antiga deles.

— Você ficou louca?! Não pode fazer isso! — exclamou a mulher, parecendo legitimamente preocupada com Rachel. — Tem muita sorte de não estar morta nesse instante. Venho de outro campo, e sei com que estou lidando. Os nazistas são cruéis, assassinos e...

A senhora continuou falando, mas Rachel não prestava mais atenção. Sua mente estava focada na rua por onde passavam. Era de madrugada, mas podia ver claramente os endereços e as janelas das casas que davam para a rua. Soube que estavam em um bairro rico de Strausberg imediatamente, pela decoração e arquitetura. Só não entendia por que estavam passando por ali.

Quando o caminhão estava prestes a virar a esquina da rua, Rachel notou algo que fez seu coração dar cambalhotas. Um homem observava diretamente o caminhão, como se soubesse o que ele carregava e para onde estava indo. Rachel percebeu as feições duras do homem e o roupão marrom com a insígnia militar. Reconheceu-o instantaneamente.

Era Sam Evans, marido de Quinn Fabray.

Rachel olhou rapidamente para o endereço da casa dos Fabray e, por um milagre, conseguiu decorá-lo. Quinn Fabray morava em Strausberg, e não iria se mudar por um bom tempo, se Rachel tivesse muita sorte. Aquilo poderia ser útil no dia em que fugisse do campo de concentração.


Dezembro de 1941

Oliver tinha morrido a pouco mais de cinco meses quando Sam decidiu chamar seus amigos do grupo para um almoço conspiratório em casa. Quinn tivera de dispensar as empregadas durante o dia e fazer o almoço por conta própria, o que não saiu muito bem como planejara — ela era péssima na cozinha. Por sorte, a mulher de Dieter, Ágata, entrara para o grupo e a ajudara a tornar seus pratos gostosos e apresentáveis para eles.

— Ainda bem que Quinn tem um cérebro, Evans, ou senão você estaria passando fome agora — comentou Wagner ao comer um pedaço do frango sem cor que Quinn tentara prepara.

Ela lançou um olhar raivoso ao coronel, mas entrou na brincadeira com uma risada sarcástica. Cinco anos convivendo com aqueles homens e eles ainda não entendiam que apenas sua mãe e Sam podiam fazer brincadeiras com suas habilidades na cozinha.

— Se Grace não fosse tão apaixonada por Hitler, eu teria trazido ela para ajudar você, Quinn — disse Finn, mastigando a mais de três minutos o mesmo pedaço de frango.

Finn se casara a pouco mais de quatro meses com uma apaixonada pelo regime hitlerista, para seu completo desgosto. Embora gostasse muito dela — e Quinn via isso em seus olhos todas as vezes que se encontrava com o casal —, os ideais da mulher o desanimavam profundamente. Não importava o quanto tentasse fazer Grace entender que Hitler e a guerra não eram coisas boas para a Alemanha, ela nunca parecia aceitar as ideias do marido.

— Somos homens felizes por termos mulheres que nos apoiam — Dieter disse, olhando a mulher apaixonadamente. Ela retribuiu o olhar com um sorriso tímido. — “Por trás de um grande homem há uma grande mulher”, diz o ditado, e eu concordo com ele plenamente.

A sala de jantar se encheu de gostosas risadas e, por um instante, não havia guerra a ser discutida, nem um ditador a ser derrotado. Por um instante, eles eram apenas um grupo de amigos em um almoço casual de domingo. Quinn sentia um apreço enorme por aquelas pessoas, as únicas que encontrara que ela sabia que nunca morreriam por Hitler. Ela confiava em cada um deles com a sua própria vida.

O resto do almoço transcorreu lentamente, com discussões mundanas e conversas altas. As risadas ecoavam pela sala de jantar, e Quinn não se sentia feliz daquela forma havia muito tempo. Por fim, quando todos conseguiram engolir os pratos preparados por Quinn e “salvos” pela mulher de Dieter, eles seguiram para a sala de estar, onde eles eram esperados por biscoitos (feitos por Judy) e xícaras de café, a única especialidade de Quinn na cozinha.

— Qual é o assunto de hoje? — Sam perguntou seriamente depois que eles se serviram do lanche. Quinn pensou que o marido parecia um pouco fora de si, distraído e leviano durante o almoço, mas agora ele voltava ao enérgico Sam de antes.

— Acho que apenas Ágata, Quinn e Finn que não sabem disso — começou Dieter em tom de funeral —, mas, bem, o governo está construindo campos de extermínio em massa de judeus, o que chamamos do início da Solução Final.

Dieter fez uma pausa que Quinn considerou ser muito dramática para a situação. Ouviu Finn, ao seu lado no sofá, engolir em seco. Ela não fez nenhum movimento, tentando digerir a notícia. No entanto, antes que pudesse pensar no assunto com mais profundidade, Dieter continuou:

— Alguns campos de concentração já construíram suas câmaras de gás e estão colocando a Solução Final em prática. Pelo o que sei, já se mataram vários judeus e isso não vai parar, não até que essa guerra chegue a um fim.

— O que isso tem a ver conosco? — perguntou Sam. Quinn notou que ele tentava não ser displicente sobre o assunto. — Não há nenhum campo desses ao redor de Berlim, e não creio que um dia terá. Isso está acontecendo longe de nós, e não há nada que podemos fazer contra.

Dieter balançou a cabeça e tirou um mapa da maleta que carregava. Era um mapa da Alemanha, com vários pontinhos vermelhos e alguns poucos azuis. Havia trilhas feitas em caneta preta entre os pontinhos. Quinn olhou as trilhas mais de perto e reparou que uma delas iniciava num ponto vermelho e chegava a um pontinho azul, passando exatamente por...

— Strausberg — Dieter complementou o pensamento de Quinn, olhando seriamente para todos que estavam na sala.

— Eles vão passar por aqui? — Finn demorou um pouco para processar o que via no mapa, lançando um olhar preocupado a Sam.

— Na verdade, já passaram — Albert disse. — Geralmente, os grupos vêm de madrugada e pelos arredores da cidade para não chamar atenção.

Ágata abriu a boca, em choque. Quinn balançou a cabeça, tentando negar o que via na sua frente. Por outro lado, Sam não demonstrou emoção nenhuma em relação ao mapa e as marcações. Ele fitava fixamente a poltrona de leitura de Quinn, lugar onde Kurt costumava sentar quando o grupo se encontrava ali.

— Os bandos são, usualmente, de 200 judeus, mas eles estão planejando viajar com mais — continuou Albert. — Eles mandaram um telegrama pedindo a liberação das ruas na noite passada. Querem mostrar poder ao povo e precisam das ruas de Strausberg para isso.

Os olhos dele estavam cheios de fúria. Quinn desviou o olhar, agora mais preocupado com Sam. Pensou que estaria tudo bem quando fora ele que abrira a discussão, mas o marido estava dando mais atenção a uma cadeira do que a um dos temas mais polêmicos que o grupo havia discutido.

— Nós podemos dar um jeito nisso — falou Franz. — Nós podemos atacá-los e liberar os judeus, assim como fizemos dois anos atrás, lembram-se?

Em novembro de 1939, pouco depois de a guerra estourar, o grupo fora até o interior da Alemanha. Quinn dissera a Judy que era uma viagem para tirar o estresse de Sam em relação ao início da guerra, mas na verdade eles invadiram um campo de concentração e liberaram a maioria dos judeus da ala C. Ela nunca tinha ficado tão orgulhosa de uma ação anti-hitlerista em toda sua vida — exceto, talvez, da vez que dera comida à Rachel no Ano Novo.

O rosto de Finn se iluminou com a possibilidade de uma nova escapada no meio da noite.

— Somos dois anos mais velhos agora, Franz, esse é o problema — Dieter retrucou, irritado.

— Ora, querido, não é como se nós fôssemos novos naquela época, não é? — falou Ágata, fazendo Quinn e Finn caírem na risada. Sam, que geralmente adorava as piadas da mulher, sequer abriu um sorriso.

— Como estava dizendo... — Franz retomou a palavra, olhando feio para o casal — nós podemos fazer isso. É a nossa cidade. Deixar os malditos nazistas entrarem aqui com judeus seria horrível. Imaginem o que esse povo sentiria se visse que tudo o que Hitler ensinou está correto e que o governo está colocando tudo em prática.

— Eles achariam que a guerra já está ganha — resumiu Wagner.

— Por isso nós temos que assaltá-los de novo, pessoal — Franz incentivou, abrindo um sorriso de conquistador. — Não podemos deixar que eles vençam, e muito menos em Strausberg.

— Não.

Finn franziu o cenho quando ouviu a palavra, procurando quem falara. Quinn virou-se para o marido, e teve certeza de ele que a pronunciara. Sam estava com os olhos vermelhos e a expressão fechada. Não olhava mais para a poltrona de leitura de Quinn, e sim para Franz, que parecia chocado com a negação dela à sua proposta.

— Sam? — chamou Ágata de mansinho. — Tudo bem com você?

— Está dizendo que nós não devemos soltar os judeus? — perguntou Finn, parecendo decepcionado com o amigo.

— Estou dizendo que não vou colocar minha mulher e eu em perigo, não mais — ele falou resignadamente, olhando de relance para Quinn.

Ela o fitou profundamente, sem entender o que o marido queria dizer. Os dois sempre haviam enfrentado o perigo juntos. Eram sempre eles, um ao lado do outro, desde 1936, lutando contra o regime de Hitler e posteriormente contra a guerra. Sam nunca deixou de fazer nada que fosse relacionado ao perigo; era o que o chamava para a maioria das aventuras que tinham.

— Sam... — Quinn chamou fracamente, pela primeira vez sem saber como poderia rebater o marido em uma discussão.

— Kurt fugiu, Oliver morreu e Anton está desaparecido dentro de Atenas, provavelmente morto já que não ouvimos nada dele há meses. — Sam levantou-se e fitou cada um deles com um terrível olhar de desespero. — Eu não quero morrer, e também não quero nenhum de vocês mortos ou caçados pelo governo. Tivemos muita sorte nos últimos anos, uma sorte insonhável se algum de vocês parou para pensar nisso. Se nós estamos aqui hoje, discutindo abertamente é por que aprendemos a jogar dentro do governo e contra ele ao mesmo tempo. Estamos aqui porque ainda acreditamos em uma Alemanha livre.

— Mas, Sam... — Dieter começou a falar em um tom enérgico, porém Sam o interrompeu:

— Hitler e seu grupo podem ser perigosos. — E balançou a cabeça, como se tentasse espantar uma mosca. — Ah, que infernos, ele é muito perigoso. Não acho que devemos continuar jogando assim. Pelo menos não por enquanto. Nós trabalhamos lá e sabemos como a segurança é ferrenha.

A sala entrou num silêncio profundo. Todos encaravam Sam com visível choque; eles ainda tentavam descobrir se o garoto estava falando a verdade ou só brincado com a seriedade da situação. Quinn sabia que Sam havia sido o mais afetado pela fuga de Kurt — o marido não era o mesmo desde junho, saía menos com os amigos, andava mais preocupado com a segurança de Quinn e a das suas empregadas. Cuidava dos meninos da Juventude como sempre, mas sempre que Quinn o visitava no quartel ele estava continuamente distraído com algo.

Sam não era o mesmo de antes, parecia estar simplesmente... quebrado.

— Sam, você não pode estar falando sério... — disse Finn com um sorriso duvidoso.

Ágata concordou com a cabeça.

— Não vamos fazer nada — declarou Sam, resoluto.

— Sam, você é o comandante da Juventude Hitlerista de Strausberg, não manda realmente no quartel da cidade — disse Dieter friamente. — Tenho meus contatos com o comandante Will, e se eu falar com ele, o homem negará a entrada dos judeus na cidade rapidamente, e assim poderemos...

Antes que ele pudesse terminar seu argumento, Sam tirou de seu paletó um papel amassado e jogou na mesinha de centro. Ninguém na sala falou nada ou apanhou o papel por um minuto inteiro, se perguntando o que estaria escrito nele. Por fim, a curiosidade venceu Quinn e ela pegou o papel, arregalando os olhos à medida que lia seu conteúdo.

— Você foi promovido de novo — ela disse, passando o papel para Finn. — Schuester será transferido para um front na França e você foi designado para substituí-lo até que seja mandado para a — Quinn olhou o marido, perguntando silenciosamente se lera as palavras corretamente — União Soviética.

Finn arregalou os olhos e leu o papel o mais rápido que conseguiu. Então, passou-o para Ágata, que estava ao seu lado. O papel passou de mão em mão em questão de minutos. Todos que terminavam de ler fitavam Sam extremamente surpresos.

— URSS?! — exclamou Dieter, e havia um rancor tão profundo em sua voz que Quinn sentiu Finn se encolher do seu lado. — É a nossa pior ofensiva até agora, e o que certamente fará a Alemanha perder a guerra. Você vai morrer lá!

— Obrigada por suas palavras, Dieter — disse Quinn secamente. — Porém, creio que isso é um assunto mais pessoal, ou seja, que apenas Sam e eu devemos tratar.

Dieter ameaçou responder, mas sua mulher colocou a mão em seu ombro, mandando-o ficar quieto. Ágata levantou e pediu para que o marido, emburrado, fizesse o mesmo.

— Entendemos, Quinn. — Ela lançou um olhar feroz aos outros homens na sala, que começaram a falar ao mesmo tempo, arranjando desculpas para que pudessem ir embora. — Nos veremos em breve. Obrigada pelo almoço, querida.

Ágata abraçou Quinn fortemente e depois lhe deu um beijo molhado em cada bochecha. Dieter seguiu a deixar da mulher e cumprimentou Quinn com um aperto de mão amistoso, dando-lhe uns tapinhas nas costas. Franz, Wagner e Finn fizeram o mesmo. Ninguém se atreveu a chegar muito perto de Sam, que ainda estava de pé e com sua expressão decidida no rosto.

— Se ele surtar, quero que ligue para mim — Finn sussurrou no ouvido de Quinn quando lhe abraçou. Ignorando a cara amarrada de Sam, ele também deu um abraço no melhor amigo.

Finn foi o último a sair, fechando a porta com um estrondo. Quinn virou-se imediatamente para Sam, no rosto estampado a fúria que sentia.

— União Soviética, Sam?! — ela gritou a plenos pulmões, esperando que os vizinhos não chamassem a polícia por causa dos berros que viriam a seguir. — Um dos invernos mais tenebrosos de todo o mundo e você escolhe (porque eu sei que você tem poder para escolher para onde poderia ir) a União Soviética?!

Sam não respondeu, desviando o olhar. Quinn queria correr até o marido e enchê-lo de socos e pontapés, para depois fazê-lo ligar para o comandante do quartel e obrigá-lo a mudar sua posição no front de batalha alemão.

E, no entanto, queria também abraçá-lo com força e nunca mais soltá-lo para que ele não precisasse ir para a União Soviética. Ao invés disso, ela apenas ficou parada da sala de estar, sentindo o silêncio pressionar seus ouvidos.

— Desculpe-me, Quinn — Sam falou com a voz rouca, continuando a não olhar para a mulher. — Eu sinto muito, mas ir para a URSS é necessário.

— Como enfrentar um inverno daqueles é remotamente necessário para a sua sobrevivência no exército alemão? — indagou Quinn com frieza.

— Hitler estará lá. Ele irá comandar as missões e eu serei da sua guarda de honra. Vou andar com ele vinte e quatro horas por dia.

Sam deixou que suas palavras fluíssem pela sala. Em poucos segundos, Quinn compreendeu o que ele queria dizer.

— Não... — ela murmurou. — Sam, você não vai tentar assassinar Hitler. Não enquanto eu for sua mulher.

Ele riu sem realmente ver graça na situação. Seus olhares se encontraram por um momento, e Quinn tentou ver naquele homem seco e vingativo o menino rebelde e tímido que conhecera em julho de 1936. Parecia estar em outra vida, em uma vida que não pertencia mais a ela.

Aquele Sam na sua frente não era o garoto por quem se apaixonada. Sam tinha se transformado. O sistema de Hitler havia feito aquela mudança nele, que permitira a fuga de Kurt e o desaparecimento de Anton, quer Sam reconhecesse isso ou não.

— Da mesma maneira que você não permitiu que assaltássemos os judeus, não irei deixar que você...

— Uma oportunidade única — Sam disse baixinho, agora olhando Quinn. Seus olhos brilhavam. — Não queria isso?

Quinn suspirou, passando a mão pelos cabelos, virando-se de costas para o marido. Se Sam fosse embora, e ele morresse tentando matar o Führer, Quinn não deixaria que sua última imagem do marido fosse a de um Sam borbulhando em vingança.

— Certo. — Passado um tempo, Quinn voltou-se para o marido, tentando soar o mais confiante que conseguia. — Matar Hitler requer tempo e companhia que você não terá na URSS. Sam, admita, não vai conseguir fazer isso sozinho, e mesmo que conseguisse, estaria morto antes que pudesse comemorar seu feito.

— O que quer que eu faça, então? — Sam parecia ter desistido de tudo ao se jogar na poltrona de leitura de Quinn.

Ela franziu a testa, pensando. Sam provavelmente queria uma morte que valesse o sumiço de Anton, a fuga de Kurt e a morte de Oliver. Quinn tinha certa noção de como estava o quadro de guerra na Europa e, possivelmente, o lugar mais “seguro” seria a...

— França — Quinn disse de supetão. Sam a olhou, intrigado. — Peça para o comandante Schuester. Diga que vai segui-lo até Paris. Deve der fácil por que ele te adora. Indique Dieter para comandante e Finn para cuidar da Juventude.

Quinn abriu um sorriso, satisfeita com seu próprio plano. Sam retribuiu o sorriso, lembrando a ela o jovem Sam de 1936.

— Certo — ele sussurrou, com o olhar sonhador. — Paris. — Sam sacudiu a cabeça e olhou para Quinn, assustado. — Will parte em três dias.

Quinn caiu no sofá, sem reação. Bem, por aquela ela não esperava. Tinha três dias até Sam ir embora. Ele talvez só voltasse se tivesse sido ferido ou ao fim da guerra, que pelo jeito iria durar muito tempo. Havia outra maneira de Sam voltar, mas Quinn se recusava até em formular um pensamento sobre o assunto.

— Tudo bem — ela disse, tentando controlar o nervosismo em sua voz. — Vamos aproveitar esses últimos três dias, então.

Ela e Sam trocaram olhares marotos.


O desfile horrendo iria começar daqui a pouco.

Quinn observava da janela de casa a movimentação da rua, onde crianças gritavam e anunciavam que “os judeus bandidos estavam chegando”. Estava frio lá fora, mas isso não pareceu fazer algum efeito nos garotos. Ela via as mulheres nas outras janelas, esperando os judeus aparecerem, meio escondidas. Ninguém gostava muito de ter a reputação de curiosa naquela rua.

Sam partira havia exatamente uma semana, e Dieter já aplicara sua regra para deixar os judeus passarem pelo interior da cidade. Franz debatera sobre o assunto por horas a fio na casa dos Evans logo após a partida de Sam, mas Finn e Dieter foram inflexíveis em suas decisões. Como novo comandante do quartel da cidade, Dieter permitiu a entrada dos judeus e seus carrascos tal como Sam desejava.

Franz ficara furioso. Declarou que não poderiam continuar o clube anti-Hitler se permanecessem lutando com o Führer, não contra ele. Saiu da casa de Quinn batendo a porta, ameaçando nunca mais voltar. Dieter engolira em seco e alegou que aquela poderia ser a última reunião do clube anti-Hitler.

Quinn não sabia como dar aquela notícia a Sam, mas provavelmente teria tempo de sobra até que ele mandasse uma carta e ela o respondesse. O marido mal tinha saído de Strausberg e as coisas já estavam fora de controle. Fora assim que ela percebeu que Sam era o que os mantinha juntos até aqueles dias. Sem o marido, o clube não era nada.

Passara-se apenas uma semana, mas ela sentia uma falta extrema de Sam. Os empregados lhe faziam companhia, e ela tivera Chloë visitando-a no fim de semana com Judy e Frannie, porém não era como se Quinn fosse vê-las todos os dias. Judy insinuara a Quinn para que mudasse de volta para Berlim por alguns meses enquanto Sam estivesse na França, assim ela poderia ter as duas filhas de volta à mansão Fabray (Frannie mudara-se para a casa dos pais poucas semanas depois da morte de Oliver; não tinha condições psicológicas de cuidar de Chloë sozinha), mas a filha recusou-se terminantemente. Sentia que agora pertencia à comunidade de Strausberg, que teria uma missão importante ali, nem que fosse fazer as pazes com Franz e voltar com as reuniões do clube anti-Hitler.

Quinn ouviu ordens sendo dadas violentamente no início da rua e virou a cabeça para dar uma olhada. Como suspeitava, era a turma de militares que escoltava os judeus como gado. Ela sabia o que poderia ver no desfile macabro, mas ainda assim era um choque. Judeus — pessoas como ela — sendo carregadas como animais em exposição e espancadas quando pisavam em falso e tropeçavam, fazendo senhoras se virar e se esconder dentro de suas casas com medo.

Quinn sempre sentiu nojo de ser uma alemã criada no governo de Hitler, mas sua repulsa pelo Führer atingiu seu ponto máximo naquele desfile bizarro. Ela quase se sentiu arrependida por não ter mandado Sam para a URSS com o ditador com o intuito de matá-lo.

Os primeiros militares passaram por sua janela, ainda gritando ordens para os prisioneiros e batendo neles desnecessariamente. As primeiras fileiras de judeus, Dieter avisara, eram de homens jovens, na casa dos trinta anos, mas eles eram tão magros que facilmente se passariam por um grupo de velhos. Ela os observou fixamente e sentiu alguns devolverem o olhar com uma expressão de puro desgosto. Não podia culpá-los.

A segunda leva era de mulheres jovens, provavelmente na mesma idade de Quinn, porém igualmente magras e aparentando estarem tão doentes quanto os homens. Algumas carregavam crianças no colo, tão esfomeadas quanto elas. Quinn engoliu em seco, pensando em Judy e no quanto ela queria um neto. Ela imaginou se os pais algum dia aceitariam que Quinn adotasse uma criança — e uma criança judia.

O terceiro bloco de judeus era formado por velhos e crianças. Era difícil dizer a idade dos meninos devido à sua estrutura óssea frágil. O bloco era o com menos militares vigiando-os. As crianças alemãs bem cuidadas estavam perto o bastante para jogar a eles pedaços de pães e, em casos de uns influenciado pelos pais, pedras pequenas e afiadas. Muitas das crianças erravam, mas uma ou duas acertaram em cheio os velhos mais lentos, que continuavam caminhando como se nada tivesse acontecido e com o rosto sangrando.

Quinn sentiu calafrios ao ver a quarta e última leva de judeus chegando perto da sua janela. Dieter dissera que as últimas fileiras eram exclusivas para malfeitores judeus, os que se recusavam a aceitar a condição que era imposta a eles e jamais desistiam de fugir dos campos de concentração. Havia cerca de dez militares ao redor dos vinte judeus rebeldes. Eram todos homens musculosos e fortes, seriamente machucados no rosto, e que o terror dos campos não tinham abalado nem um pouco.

Ela estreitou os olhos e viu uma garota no meio dos grandalhões. Quinn se aprumou na janela para ver melhor a mulher, com o rosto desfigurado pelos cortes e machucados nas mãos e no couro cabeludo quase careca. Seu uniforme listrado estava esfarrapado e sujo de lama, como se tivesse tentado correr por campos e mais campos de pântano. Ao contrário dos outros brutamontes judeus, a garota não usava sapatos, deixando à mostra seus pés cheios de queimaduras.

Quando a mulher olhou para cima, diretamente para a janela da casa dos Evans, Quinn por fim a reconheceu.

Rachel.

Quinn arfou, o pânico subindo à cabeça. Ela não fugira para a Inglaterra como contara para ela em seu casamento. Permanecera na Alemanha, para ser mais uma capturada judia nos campos de concentração. Quinn não entendia por que a garota deixara escapar a grande oportunidade de fugir do Führer, mas ela precisava saber.

Rachel estava bem ali, observando Quinn como se soubesse que a mulher estaria na janela, assistindo-a. Os militares haviam parado por causa de alguma criança judia que aparentemente tentara fugir. Ela precisava falar com Rachel, ela precisava entender porque Rachel não escapara para a Inglaterra. Rachel iria ser transferida para um campo de extermínio, Quinn pensou desesperada.

Rachel estava caminhando para a morte.

O pensamento de nunca mais ver Rachel deixou Quinn zonza. Quinn não podia deixar isso acontecer. Ela não podia permitir Rachel ser mais um número nas mãos de Hitler, mais uma prova de que a Solução Final era eficiente.

Os militares já estavam colocando o pelotão de rebeldes para andar. Um deles espancou Rachel com um cassetete por ela olhar fixamente para a janela onde Quinn estava. Aquilo acordou Quinn de seu torpor. Sem pensar direito, ela saiu de perto da janela, pegou uma caixa de biscoitos que Judy fizera e deixara ali no fim de semana e correu para a porta.

Ao sair, quase escorregou na varanda por causa da neve. Estava com um vestido florido de verão e, sem a proteção do aquecedor, o vento gelado a atingiu em cheio. Mas nada importava, porque ela estava a poucos metros de Rachel. E iria falar com ela depois de três anos.

— Vocês aceitam biscoitos? — ela perguntou no tom mais simpático que conseguiu aos militares que cercavam o último bloco de judeus.

Os dois mais próximos pararam, fitando Quinn com expressões surpresas. Ela olhou rapidamente para Rachel, tentando não demonstrar o quanto seus machucados a assustavam. Rachel estava a pouco mais de um metro e meio de distância, com um roxo inchado por causa do golpe de cassetete de pouco antes.

— A senhora não pode... — negou o homem mais perto dela, inseguro. Ele olhou para os lados, procurando apoio, mas seus companheiros estavam fitando a caixa aberta de biscoitos de Quinn com desejo.

— Deixe de ser tão mandão, Grimm — retrucou um militar mais atrás do que respondera. Passou por Grimm com um sorriso e pegou um dos biscoitos da caixa como se conhecesse Quinn há tempos. — Sou o sargento Max.

Encorajados por Max, os outros militares pegaram os biscoitos. Grimm, o nazista inseguro, mudou de opinião rapidamente sobre os biscoitos quando pôs um deles na boca. Acenou animado, aprovando a receita de Judy.

— Quem é você? — perguntou um terceiro homem, com a boca cheia.

— Mulher do ex-comandante da Juventude Hitlerista de Strausberg — ela disse com uma ponta de orgulho. — Quinn Evans. Meu marido está na França.

Os militares que estavam mais próximos assentiram com a cabeça, como se conhecessem Sam de algum lugar. Max pareceu decepcionado. Enquanto isso, Rachel observava Quinn fixamente, provavelmente se perguntando o que estava fazendo. Nem Quinn sabia direito. Tinha a intenção de se aproximar de Rachel e distrair os militares, mas tudo o que fizera fora dar os preciosos biscoitos de sua mãe a pessoas que desprezava e atrasar o andamento dos judeus.

— Ei! — gritou uma mulher do outro lado da rua. — Um judeu tá fugindo!

Grimm largou o biscoito no chão e tirou rapidamente a arma do coldre, e correu para o fim da rua, onde um dos brutamontes rebeldes tentava correr feito um louco. Max fora mais educado que o companheiro e recolocou o biscoito na caixa e foi acompanhar Grimm. Um segundo mais tarde, Quinn se viu sozinha e com Rachel ao seu lado.

Não acreditou na sorte que tivera de uma distração e, antes que pudesse ser interrompida por um dos militares mais distantes das outras levas de judeus, disse para Rachel:

— Eu vou proteger você. De novo. Não sei como, mas eu vou.

— Já estou morta — retrucou Rachel num sussurro. — Não adianta mais.

Aquela frase fez Quinn se perguntar se Rachel sabia que estava indo para um campo de extermínio. Dois militares estavam se aproximando, e tentavam conter os judeus rebeldes de escaparem com sopapos e golpes de cassetetes.

— Sei que você consegue — Quinn murmurou em resposta, se agachando para pegar o biscoito que Grimm derrubara. — Não arranjou esses ferimentos sem uma luta.

A troca de olhares foi mínima, mas os olhos castanhos intensos de Rachel deram a Quinn uma energia única, que nem um dia inteiro de reuniões do clube anti-Hitler a dariam.

— Vamos nos ver de novo — Quinn disse convictamente. Sabia que estava falando a verdade. Acreditava em Rachel e tinha plena certeza de que a veria de novo.

Quinn não tentou puxar Rachel para sua casa por que isso atrairia muita atenção. Rachel não duraria dois dias em sua casa, e Quinn seria presa por trair a Alemanha. Não... Aquele não era a época certa. Quinn tinha certeza de que iria chegar o momento certo. O momento em que iria saber tudo sobre Rachel, que iria poder conversar com ela calmamente sobre os últimos anos e encontros. Ele chegaria.

— Recuperamos o fugitivo! — exclamou Grimm ao se aproximar mais do grupo de rebeldes. O homem que fugira estava agora com um corte feio no rosto e parecia andar apenas com a ajuda de Grimm. — E que isso sirva de lição para todos vocês. Vamos andando.

Max parou ao lado de Quinn.

— Obrigado pelos biscoitos, senhora Evans — disse ele monotonamente, observando os judeus serem arrastados para o fim da rua. Antes que seguisse os companheiros, ele inclinou-se no ouvido de Quinn e murmurou: — E prometo não contar a ninguém que estava conversando com aquela judia rebelde.

Ela respirou fundo, tentando não levar a fala de Max como uma ameaça.

— Conheço Dieter — ele sussurrou. — E sei do clube anti-Hitler. Era dele antes de me mudar para o sul. Seu segredo está em boas mãos, senhora.

Quinn encarou o homem, exasperada, sem saber o que dizer. Max, porém, não deu tempo para que ela respondesse. Gritou para que Grimm o esperasse e voltou a transportar os judeus.


Abril de 1942

Quatro meses haviam se passado. Quinn presumia que Rachel havia morrido no campo de extermínio. Presumia que a guerra estava indo mal para os alemães na França, pois Sam não contava muito mais que isso em suas cartas.

Era uma vida solitária, raramente preenchida quando Judy levava Chloë para Strausberg e deixava que Quinn passasse alguns dias com a sobrinha. Ela mesma quase não ia a Berlim. Franz não tivera chances de se despedir do clube anti-Hitler e partir para Stalingrado para morrer por causa do inverno soviético, por isso as reuniões do grupo estavam suspensas para sempre. Finn era o único que a visitava, mas eles passavam o tempo falando sobre coisas fúteis, deixando o Führer de lado nas conversas.

A guerra estava se tornando algo do cotidiano dela. As batalhas pareciam durar anos. Quatro meses haviam se passado desde que Quinn vira Rachel, mas parecia que tinham sido quatro anos. O tempo se recusava a passar. Ela temia que a Alemanha ficasse nesse estado permanente de medo e guerra até o fim da década.

Seus empregados haviam aprendido a deixá-la quieta quando ela entrava em seu estado vegetativo na cadeira de leitura. Quinn pensava em Sam todos os dias, mas pensava principalmente no que tinham perdido durante os últimos anos. No quanto poderiam ter aproveitado o namoro e o casamento sem se preocupar com Hitler, se estivessem em uma Alemanha livre. Em seus amigos, que estariam vivos e rindo de suas estórias de lua-de-mel na Riviera. Pensar nisso tudo dava a Quinn uma estranha sensação de nostalgia.

Naquela sexta-feira de abril de 1942, no entanto, ela se pegou pensando na carta que Dieter recebera alguns dias antes. Os dois não conversavam tão frequentemente quanto antes, mas aquela era uma informação importante, segundo ele, e as informações importantes eram sempre repassadas ao antigo grupo.

Dieter contara que as tropas alemãs tinham encontrado o corpo de Anton, enforcado em uma casa abandonada em Atenas. Não fora morto por tropas gregas na invasão; haviam presumido que Anton tinha vivido um tempo ali e que tinha se matado. O estado do corpo indicava que o suicídio acontecera meses atrás.

Anton não havia suportado a loucura da guerra. Quinn não soube o que dizer a Dieter. Perguntou se aconteceria algum enterro emblemático, como o de Oliver, mas o homem negou. Não queria enterrar a memória de Anton sem seu corpo. E isso provavelmente demoraria alguns meses para acontecer.

Quinn passou a tarde inteira na cadeira de leitura, pensando. Evelyn se aproximou dela enquanto o sol se punha, perguntando se ela aceitaria o jantar àquela noite, mas Quinn a ignorou. Estava entorpecida demais para comer. Ela teria de contar a Sam na próxima carta que Anton estava morto, e simplesmente não sabia como iria fazer isso.

Seus empregados foram dormir cedo às suas ordens. Ela caminhou pela casa silenciosamente durante a madrugada, cansada da sua poltrona de leitura, imaginando se conseguiria preparar um prato de comida sem incendiar a cozinha. Eram quase duas horas da manhã quando ela finalmente terminou um pequeno prato de comida, satisfeita com o próprio feito, embora estivesse irritada por não ter aceitado a oferta de jantar de Evelyn horas antes.

Antes que pudesse colocar o garfo na boca, no entanto, alguém bateu na porta da frente.

Quinn se perguntou quem poderia ser. Quem quer que fosse obviamente não queria chamar atenção. Max e seus companheiros, talvez? Quinn ainda não tinha plena certeza se confiava ou não em Max, mesmo com Dieter confirmando a estória do homem. Será que Max havia contado para seus superiores que ela estava mancomunando com judeus e agora a Gestapo estava em sua porta para levá-la?

Mais duas batidas na porta, mais urgentes. Ela bufou, pousando o garfo no prato. Se não atendesse a porta, eles possivelmente a arrobariam, o que iria chamar muito mais atenção que uma dona de casa desaparecida durante a madrugada.

Ela abriu a porta, pronta para dar um bom sermão aos nazistas, mas sua respiração parou por um segundo ao ver quem era.

Definitivamente não eram os militares.

— Você disse que me ajudaria — Rachel disse fracamente, quase caindo em cima de Quinn. — Por favor, me ajude agora.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Gostaram do POV da Rachel e dos da Quinn? Como disse lá em cima, a partir de agora a fic vai se mover mais rapidamente, com a Quinn e Rachel sempre juntas, tentando sobreviver nesse mundo louco nazista.
Só algumas pequenas informações mais aprofundadas que a Rachel deu: antes do Hitler assumir o poder, Berlim era uma cidade liberal, altamente procurada pelo público homossexual. No começo do governo de Hitler, ele até tinha um oficial homossexual(o nome dele era Ernst Röhm), mas ele foi morto não muito tempo depois de Hitler assumir o poder. E as lésbicas, antissociais e prostitutas nos campos de concentração recebiam um triângulo invertido da cor preta.
Bem, acho que é só isso. Bom feriado para vocês e não esqueçam de deixar seus reviews, dizendo o que gostaram ou não do capítulo.
Beijos para vocês e até o próximo capítulo :)



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