Acordei na segunda-feira com o celular tocando. Atendi sem nem mesmo olhar quem era.

– Alô?

– Não acredito que você acabou de acordar. - ouvi a voz de Liam, meu melhor amigo, do outro lado. - Eu tô te esperando há duas horas.

– Me esperando?

– É, seu idiota. Você não ia vir me buscar no aeroporto?

– Meu Deus, é verdade! Então era disso que eu não conseguia lembrar ontem à noite!

– O que você ta esperando, criatura? Vem me buscar!

– Já tô indo... chego aí em meia hora, no máximo.

– Acho muito bom. Anda logo, eu tô esperando - e desligou.

Me apressei em ficar apresentável, de modo que pudesse sair. Logo que fiquei pronto, peguei as chaves do carro e fui para o aeroporto. Assim que me viu, ele veio arrastando as malas, com cara de quem ia me matar.

– E você ainda se diz meu melhor amigo - reclamou. - No dia em que eu volto pra cá, você esquece de vir me buscar.

Liam passou 4 anos em Londres, fazendo faculdade. Desde então, nós só nos víamos nas férias. Ele é dois anos mais novo e bem mais baixo que eu. Nos conhecemos quando eu tinha 12 anos. Eu bati nos valentões que atormentavam ele o tempo todo, e eles acabaram por deixá-lo em paz. Desde então, ele começou a andar comigo e, bem, ele é um cara legal.

– Não enche, baixinho.

– Idiota. Anda, você tem que me levar pro meu apartamento.

– Vamos lá, então.

Coloquei suas coisas no carro e o levei ao seu apartamento. Depois de subirmos com toda a bagagem, eu, como bom amigo que sou, o ajudei a colocar tudo no lugar. Enquanto arrumávamos tudo, fomos contando um pro outro o que aconteceu desde a última vez que nos falamos. Quando eu disse que tinha atropelado uma garota ontem, ele quase me bateu.

– Você atropelou uma garota? Que tipo de maníaco é você?

– Ela entrou na minha frente do nada, eu tentei frear, mas não deu tempo - expliquei.

– E ela ta bem? Você a levou pra um hospital? Viu se ela se machucou? Ajudou de algum...?

– LIAM! - o interrompi. - Sim, eu a levei pra um hospital. Ela ta bem, só quebrou uma perna.

– Quebrou a perna? E isso agora é estar bem?

– Pelo que a enfermeira falou, sim. E eu tentei ser legal com ela, mas ela parecia que ia me matar.

– Eu mataria.

– De qualquer jeito, eu deixei meu telefone nos contatos dela e disse que, se ela precisasse de alguma coisa, podia me ligar.

– Ah, claro. A primeira coisa que eu faria se precisasse de alguma coisa seria ligar pro maníaco que me atropelou!

– Liam. Você não ta ajudando em nada.

– Você devia ter levado a coitada em casa, visto se estava tudo bem, se ela precisava de alguma coisa...

– Eu ia. Mas ela praticamente me expulsou do quarto quando eu tentei pedir desculpas.

– Idiota - foi tudo o que ele falou.

Depois disso, ficamos em silêncio por uns cinco minutos. Silêncio que foi quebrado por ele. Alguém tem que dizer a esse garoto que ele fala de mais.

– Ela era bonita? - ele perguntou, me encarando.

– Que tipo de pergunta é essa, Liam?

– Só curiosidade, ué.

– Você tem problemas.

– Era ou não?

– Eu não reparei nisso. Eu tava meio que desesperado.

– Sei... Bem, agora que nós já acabamos, seria legal comer.

Olhei o relógio. 7:45pm.

– Vamos fazer assim, eu vou pra minha casa tomar um banho e tentar arrumar aquela bagunça. Você se arruma. Eu passo aqui pra te buscar às 9:00pm. Vou te levar em um restaurante ótimo.

– Vai me levar pra jantar, é, gatinho? Que coisa fofa.

– Cala a boca, Liam. Eu volto daqui a pouco.

– Certo. Vou botar meu melhor vestido - ele piscou pra mim, rindo.

– Seu viadinho. Tente não se matar - falei, saindo do apartamento.

– TENTE NÃO ATROPELAR MAIS GAROTAS! - o ouvi gritar.

*****

Nove horas em ponto eu estava na frente do prédio, esperando o Liam resolver descer. Depois de ligar cinco vezes, ele apareceu. Tive a impressão de que estava me fazendo pagar por ter ficado esperando no aeroporto. Assim que chegamos no restaurante, ele desceu do carro e respirou fundo, como se tivesse acabado de sair de uma montanha-russa.

– Tive muita sorte. Você não atropelou ninguém dessa vez.

– Idiota - o empurrei e nós dois rimos, entrando no restaurante.

Não vimos nenhuma mesa disponível, então eu fui até o balcão pra falar com o dono do lugar. Ele e meu pai são amigos, então eu sempre vim muito aqui. É um ótimo lugar.

– E aí, Paul! - falei, sentando em uma das cadeiras.

– Vejam só quem apareceu! Nathan! E quem seria esse? - ele perguntou, sorridente como sempre.

– Liam. Meu melhor amigo.

– Prazer em conhecê-lo.

– Tem alguma mesa sobrando aí?

– Olha... - ele olhou em volta. - Por enquanto, não.

– Sem problemas, então. A gente não se importa de sentar aqui, né, Liam?

– Claro que não. Eu como até em pé se for preciso. To morrendo de fome.

– Podem pedir o que quiserem, garotos. Por conta da casa - ele nos entregou dois cardápios. - É uma pena não terem vindo mais cedo. A Julie aqui acabou de descer do palco.

Só então reparei na garota que estava sentada a duas cadeiras de distância. Era ruiva e ainda mais baixa que o Liam. Ela estava com o rosto virado para o outro lado, mas tive a impressão de já tê-la visto em algum lugar.

– ... ela é uma ótima garota. Tem uma voz linda - ele continuou, baixando o tom de voz ao falar a frase seguinte. - E, pelo que eu saiba, não tem namorado.

– Não? - Liam perguntou, olhando pra mim.

– Você podia falar com ela, Nathan. Aposto que ela gostaria de você.

– Bancando o cupido, é, Paul? Tudo bem, você me convenceu - sorri, levantando da cadeira. - Vou falar com ela.

Fui até a garota e sentei na cadeira ao lado dela. Ela pareceu não perceber minha presença.

– Com licença - falei, tentando chamar sua atenção. - Ouvi dizer que você canta aqui, é verdade?

– Paul - ela falou. Uma voz que me pareceu familiar. - Muito obrigada pela água. te vejo na quarta.

Ela levantou da cadeira sem virar para mim, pegando seu violão e... um par de muletas? Só então percebi que ela estava com um gesso na perna esquerda. "Oh, meu Deus", pensei. "Eu acabei de tentar dar em cima da garota que eu atropelei."