Fora Da Realidade escrita por Dreamer


Capítulo 3
Arquivo X: A garota da caverna




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Mulder e Scully correram para a frente do caminhão.

—Não tem marcas de sangue. Mulder, como não tem marcas de sangue? Eles estavam ali e simplesmente...

—Sumiram!

—É claro que não! Ninguém some desse jeito. Seria impossível. Talvez eles tenham conseguido deitar no chão. Devem estar em baixo da caminhão—concluiu ela, correndo em torno do caminhão, olhando para baixo dele. Mulder fez o mesmo, com o auxílio de uma lanterna.

—Não, Scully, eles sumiram.

—Então, eles tem que estar na mata, Mulder! Ninguém some assim do nada! —repetiu ela, irritada ao perceber o brilho no olhar dele. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, ela começou a berrar: — ROSE! JOHN!

—Scully, você não vê o que está acontecendo?

—Mulder, tem duas desaparecidas e possivelmente feridas. Talvez mortas! É hora de procurar antes de fazer qualquer suposição.

Por mais que estivesse claro para ele que aquelas pessoas haviam sumida dali, sabia que ela estava certa. Foi até o seu carro destroçado pelo choque contra caminhão e consegui abrir o porta-luvas. Apanhou a outra lanterna e entregou para ela:

—Obrigada—murmurou, um pouco mais calma.

—Vou ordenar uma busca—e pegou o seu celular, mas estava sem sinal. Ela já havia visto o seu, também estava sem.

Os dois olharam por um bom trecho além do acidente, mas não encontraram sequer vestígios de atropelamento. Nenhuma pista. Há certa altura, Scully parou:

—Isso é estranho, era dia!

—O que foi?

—Mulder, quando eu dei carona para aqueles dois. Eram duas horas da tarde, eu tenho certeza, vi no relógio quando eles subiram no carro. Não conversamos por mais de dez minutos. E ficou de noite!

—Uma perda de tempo de pelo menos cinco horas?

Ela o encarou e se calou. Estava alimentando as argumentações a favor da teoria maluca de Mulder. E ela nem sabia qual era, mas sabia que seria maluca.

—Afinal, quem eram aquelas pessoas?

—Dois turistas. Mas... Agora, pensando melhor, eu realmente acho que já vi aquele homem antes... Ele... —e ela olhou espantada para Mulder: — O homem da caixa azul!

—O QUE?

—Você tem uma das fotos aí?

Ele tirou do casaco a foto em que o Doutor saía da TARDIS, era possível ver o seu rosto:

—É ele! É ele, eu tenho certeza!

Mulder olhou bem para a sua parceira:

—Você deve estar sofrendo alguma espécie de contusão cerebral. Deve ter batido com a cabeça no acidente e não se lembra, preciso te levar à um hospital.

—O QUE? Não seja ridículo, Mulder!

—Ridículo, eu? Você pensa que está dirigindo numa rodovia de outro estado, não se lembra de cinco horas do seu dia e viu o homem da Caixa Azul.

Ela entreabriu os seus lábios, como que pasma. Ele continuou:

—Eu queria acreditar que você abriu a sua mente e que o seu ceticismo caiu por terra, mas, Scully, é mais provável que você esteja precisando de um Doutor.

.o.

—Doutor! Doutor! —ele a ouvia o chamando.

Finalmente conseguia sentir a ponta dos seus dedos, os seus braços, o seu corpo. Sentiu um arrepio ao lembrar imediatamente que perdera seus movimentos e nos instantes finais de sua paralisia, até a sua respiração.

A pressão da mão de Rose sobre o seu ombro o fez olhar para ela, antes de qualquer outra coisa: estava apavorada e tremia descontroladamente por causa do frio.

O local era escuro e úmido. Parecia uma espécie de caverna e o chão era duro e desconfortável como pedra. Estavam sozinhos. Não podiam estar sozinhos. Quis se levantar, dizer à Rose que estava bem, encontrar o que causara aquilo, voltar para a TARDIS... Piscou.

Sentiu a maciez daquela confortável cama. Todo o calor abaixo daquelas cobertas. O próprio abraço atrelado naquele corpo junto ao seu... Abriu os olhos e tudo era claro. Devia ser de manhã, pensou. Aquele rosto, tão próximo a ele, tinha uma mecha de cabelo loiro pendendo para frente. Ele passou a mão com suavidade para tirá-la de cima dos olhos dela.

Rose piscou e respirou profundamente, como que acordando de um sono profundo. Sorriu para ele. Ele mal conseguia acreditar na própria alegria. Pensou em onde estava: estava em casa. Era a sua casa desde que parara de viajar. Fora morar em Londres com Rose. Fazia pouco tempo, mas já parecia uma vida inteira. Uma vida perfeita.

Lembrou-se que costumava viajar com Rose:

—Lembra-se daquela vez em...? —mencionou ele, rindo, mas percebeu que se esquecera.

—O que?

—Rose, como nós viajávamos?

—No seu carro.

Que resposta evidente. Era lógico que fora no carro ele. Ele lembra que o transporte era dele. E era azul.

—O que aconteceu com ele mesmo?

—Oh meu Deus! Não me diga que eu acabei tanto assim com você ontem a noite? —perguntou rindo... —Você vendeu!

—É mesmo, eu vendi—concordou, porque fazia sentido. E olhou para ela: a única coisa que o fazia estar ali. O lençol branco que os envolvia e fez pensar nela. No vestido branco de noiva. No sim que ela dissera a ele.

Pensou na noite passada. Nas outras noites passadas. Como um quebra cabeças tudo se formava em sua mente. Deu o olhar de um carinho tão profundo, daquela realidade imaginada, daquele sentimento verdadeiro, que veio com a resposta do beijo dela. Envolveu-a naquele abraço, para depois se entregar completamente à felicidade.

.o.

Rose ainda segurava o ombro do Doutor. O balançou de leve, enquanto lágrimas descontroladas de tristeza e pavor rolavam pelo seu rosto trêmulo.

—Doutor... —chamou mais uma vez, quase sem voz. Já fazia horas que estavam ali. O frio invadira completamente os sentidos de Rose.

Seus olhos se acostumaram à escuridão já fazia tempo. A luz tênue e azulada a permitiu perceber que a humidade gelada que encharcara as suas roupas vinham do sangue que cobria todo o chão. Ela não sabia se parte daquele sangue viera do Doutor. Não tivera coragem de procurar qualquer machucado que evidenciasse que estava irremediavelmente morto.

Soltou o ombro dele e aproximou-se do seu rosto. Precisava saber a verdade: tocou o rosto marcado pelas fitas grossas de sangue que escorreram dos olhos. Estava gelado. Aproximou seu rosto vivo e quente do dele: frio e sem vida. Chorou:

—Você não pode me abandonar aqui. Acorde! Acorde...

—Quem está aí? —perguntou uma voz infantil.

Rose deu um pulo:

—Quem é você?

Um garotinho se aproximou:

—Eu pensei que você fosse ela. Por isso não me aproximei mais cedo. Mas, agora eu vi, você é nova.

—Ela quem? Como você veio parar nesse lugar? Que lugar é esse?

—Ela vai explicar. Eu fugi de casa e acabei parando aqui. Mas, eu não quero ficar. Então preciso esperar ele acordar.

—Ele?

—Sim, eu também vim com alguém —e ele apontou o Doutor. —Alguém como ele.

Os dois ouviram passos. E uma garotinha surgiu. Ela tinha a pele muito pálida e um olhar ingênuo. Sorriu para Rose:

—Seja bem vinda.

Rose sentiu um arrepio invadir o seu corpo. Bem vinda?

—Quem é você? Traga o Doutor de volta!

Ela olhou para ele e para Rose:

—Eu não posso. Ele quer permanecer assim.

—É claro que ele não quer ficar aqui! Foi você que fez isso?

—Sim, eu trouxe vocês pra cá.

—ENTÃO DESFAÇA!

—Eu não posso. Só quando ele quiser ir embora. Enquanto isso, eu não posso.

Rose olhou o Doutor assustada: aquela garotinha só podia ser insana. Estavam nas mãos de uma menininha louca:

—Você sofre, Rose Tyler. Mas, o seu sofrimento não é em vão. O seu medo e tristeza são pagamentos suficientes.

—Do que você está falando? Pensamentos suficientes para o que?

—Para a felicidade dele.

Os olhos de Rose se arregalaram:

—O que...?

—Eu trago conforto e alegria para aqueles que sofreram além do que podiam suportar... Se existe um sofrimento grande que pesa no coração de alguém, eu posso retirar. Mas, com um preço. Você, Rose Tyler, é o preço da felicidade do Doutor. Quando mais você sofrer, mais acolhedora é a realidade à que ele se agarra no momento.

—Ele... está vivo? Ele está só sonhando?

—Sim...

—E que tal isso, sua menininha sorumbática: eu estou muito feliz em saber que ele está vivo!

—Certamente, mas isso não é o suficiente para abalar os sonhos que eu construo para ele. Você também pode ficar feliz por ser uma intermediária na felicidade dele. Muitos são felizes por isso. Mas, essa alegria não é nada compara à que eu proporciono. E logo, esse lugar se mostrará muito mais duro para você. Logo você sentirá sede, fome... Não há comida nesse lugar. Pode ser que você e esse garoto tentem se matar para comer um ao outro. Já aconteceu antes. Uma dica eu dou: os seus acompanhantes dorminhocos, só precisam do cérebro para continuar vivendo neste lugar—e ela lambeu os próprios lábios, como se a ideia que dera fosse apetitosa.

Rose a olhou, enojada e furiosa. A garotinha continuou:

—A não ser que você queira ir embora... Pode deixar o seu Doutor para trás. Mas, o alimento dos seus sonhos é você. Você indo, ele não permanecerá...

—O que? É só isso? Eu vou embora e ele acorda?

—Não, você vai embora e ele morre. Quando você sair dessa caverna, a conexão entre vocês se quebrará, isso será fatal para a mente dele, já que está sob o meu comando.

—Então liberte ele, por favor! Eu faço qualquer coisa!

—Você é capaz de fazer qualquer coisa por esse homem, não é? Rose Tyler?

—Sim!

—Então, sofra! —respondeu, desaparecendo no ar.

.o.

Rose apareceu na porta da cozinha. Vestira rapidamente uma camisola para procurar por ele:

—Você fez panquecas! —percebeu ela, enquanto ele as dividia em dois pratos: —Eu casei com o homem perfeito, Sr. John Smith! —disse, enquanto lhe abraçava e dava um rápido selinho, afinal, as panquecas esperavam. —Oh, meu Deus! Isso está delicioso!

—Cozinhar é como pilotar uma nave. Quero dizer, dirigir um carro. Azul. Uma caixa azul. Um carro azul.

—Onde você aprendeu a cozinhar desse jeito?

—Na França. Século XVIII.

Era riu. Ria como se tudo o que ele dissesse soasse como gracinhas e piadinhas carinhosas. Ele ria também, afinal sabia muito bem como estava soando. Soava com um doido. Só podia ser piada.

—Então... —começou ela, tentando ser o mais doce possível. —Sobre aquele assunto que começamos a discutir semana passada...

—Que assunto? —perguntou inocentemente, mordendo a panqueca.

—Ah, bem, você sabe... —disse ela largando o garfo e juntando as mãos, um pouco sem jeito: — Aquele sobre pessoas pequenininhas. Uma pessoazinha, metade parecida comigo, metade com você...

—Se eu puder escolher prefiro que seja mais com você. Daí com certeza será linda.

—Então... —ela se levantou e deu a volta na mesa, para ficar próxima. —É um bom momento para começarmos a tentar? —falou, e se aproveitou da situação para beijá-lo.

Mas, quando o beijo terminou ele não abriu os olhos. Fez uma estranha expressão, como quem tentava com esforço se lembrar de algo:

—Mas, da última vez não deu certo...

—O que?

—Da última vez, eles morreram... —e cobriu o rosto com as mãos, esfregando os olhos, como se algo estivesse errado com eles: — Da última vez meu filho morreu.

—Você me falou dele uma vez, mas nunca me contou o que aconteceu.

—Eles queimaram. Todos eles queimaram...

—Foi um incêndio? —perguntou ela, passando a mão pelos ombros dele para tentar acalmá-lo.

—Tudo pegou fogo... Porque eu coloquei fogo. Rose, eu matei eles. Eu matei a minha mulher, meus pais, meus irmãos... Eu matei o meu filho! —e se levantou de supetão, se desvencilhando das mãos dela.

Sentiu o seu corpo molhado e frio. Abriu os olhos e tudo era muito mais escuro. Percebeu que havia uma mão atada à sua: era Rose. Os olhos dela se arregalaram ao perceber que estava acordado. Ele percebeu que disse algo a ele, mas não pôde ouvir. Logo tudo ficou ainda mais escuro e ele não foi capaz de manter os olhos abertos.

.o.

—Mulder, faz horas que estamos caminhando!

—Tudo bem, vamos parar um pouco...

E eles sentaram na borda da estrada.

—Como você está se sentindo?

—Já disse que estou bem! — vociferou, mal humorada.

Ele levantou as duas mãos, como quem se rende, e ficou calado. Ela aproveitou aquele momento de descanso para tentar raciocinar e encontrar uma lógica naquilo tudo. Depois de um tempo, percebeu:

—Mulder—chamou ela, com uma expressão de susto: —O motorista do caminhão!

Ele arregalou os olhos. Como podiam ter sido tão descuidados?

—Não vimos quem estava dirigindo, Mulder! A pessoa não saiu do caminhão, deve estar ferido e precisando de ajuda! Isso se já não morreu por termos demorado tanto!

—É, mas não vamos ajudar muito se voltarmos agora, nossa melhor chance é encontrar um telefone. Ou esperar que alguma carona apareça.

O que não acontecia há horas. Evidentemente, fato que ambos estranhavam muito.

—Consegue voltar a andar, Scully?

Ela se levantou e ambos voltaram a caminhar. Ela dava graças a Deus de estar, ao menos, de tênis. Se estivesse num dia normal de serviço, o salto alto teria sido aventura demais para ela. Depois de mais vinte minutos, Mulder percebeu:

—Parece que tem um acidente ali na frente!

Ambos correram para se aproximar mais rápido.

—Mulder... Isso é...

Ele olhou para ela com espanto. Estavam de volta à cena do próprio acidente, mas o caminhão não estava mais ali.

—Mas não pode ser! —continuou Scully. —Nós não mudamos de direção!

—Algumas pessoas dizem ter sofrido espécies de loops de tempos e de espaço. Acho que, de alguma forma, isso foi um loop de espaço.

—Olha para a minha cara de quem está se preocupando de dar um maldito nome para isso!

—Scully?! —surpreendeu-se ele, aquela reação era demais, até para ela.

—Desculpe, estou de férias... —argumentou usando sua frustração.

—Bem, mas, enquanto isso, o caminhão se foi... Veja, aquilo é uma trilha?

Ela observou, bem escondida no meio da mata, um pedaço de chão, antes escondido pelo caminhão, mostrava uma trilha.

Ambos tomaram o caminho da trilha. Logo chegaram à uma pequena casa. Scully bateu na porta.

—Olá! —gritou Scully, batendo na porta. —Agentes federais!

Logo, uma senhora de uns setenta anos apareceu espiando pela janelinha da porta. Ela abriu:

—Boa noite, meus filhos, o que você fazem aqui?

—Boa noite, senhora, eu sou o agente Mulder—disse, mostrando seu ID. —E essa é a minha parceira Scully.

—FBI? Mas, entrem por favor. Não esperava nenhuma resposta à essa hora. Entrem, entrem...

Enquanto entravam, Scully perguntou:

—A senhora chamou o FBI?

A mulher sentou no sofá da sala e fez um gesto com as mãos para que os agentes fizesse o mesmo.

—A polícia, há dois dias, o meu marido desapareceu!

—A polícia tem feito buscas atrás dele? —palpitou Mulder.

—Não, não tenho respostas há dois dias. Ele saiu no meio da noite e não voltou mais! —disse ela, quase se engasgando no próprio desespero.

—Você pode relatar exatamente o que aconteceu na noite em que o seu marido sumiu?

Ela afirmou com a cabeça e começou:

—Estávamos dormindo quando alguém bateu na porta. Ele foi atender. Mas, eu fiquei preocupada e o segui. Do topo da escada eu vi a garotinha. Uma garotinha de camisola branca. Ela disse para ele que um garoto estava perdido na estrada, que ele devia atravessar a rua com ele.

Mulder encarou Scully com um ar grave. Ela interrompeu:

—Desculpe, ela disse que devia atravessar a rua?

—Sim, ele também a fez repetir. Mas, ela disse para o meu marido, que tudo ficaria bem. Era só encontrar o garotinho. Ele trocou de roupa e saiu de casa...

—Essa garotinha não deu o nome dela?

—Não, eu questionei ao meu marido a mesma coisa. Mas, ele não se importou. Meu marido com certeza foi sequestrado! Conhecemos todas as pessoas que vivem nas redondezas e eu nunca vi aquela garotinha!

—Nos dê os seus nomes completos—pediu Mulder.

—Eu sou Molly Feltch e meu marido se chama Rubem. Mas vocês deveriam saber disso, não?

—Houve um acidente na rodovia, encontramos a trilha que leva até aqui porque não conseguimos sinal de telefone na estrada, nem alcançamos qualquer telefone de emergência.

—Podem usar o meu, fiquem à vontade.

Mulder avançou no aparelho fixo. Enquanto isso, Scully continuou:

—Sra. Feltch, há quanto tempo fica a cidade mais próxima daqui?

—Há umas três horas de carro.

—Eu não vi nenhum carro estacionado em frente à sua casa.

—Ah não, eu e Rubem não temos mais idade para dirigir o tempo todo. O carro ficou com meu filho que mora em outro estado. Tudo o que precisamos, fazemos o pedido por telefone ou pela internet e recebemos em casa.

—Há quanto tempo vocês não saem daqui?

A mulher se surpreendeu em perceber que nunca pensara sobre aquilo.

—Nossa, já faz sete anos!

—Sra. Feltch, a linha da sua casa foi cortada.

.o.

—Rose...

—O que?

—Como viemos parar aqui...?

Estavam deitados no chão, sobre a grama macia e levemente úmida. O belo céu um pouco avermelhado ostentava poucas nuvens que se movimentavam com rapidez. As árvores espaçadas tinham folhas prateadas que se moviam sem intervenção do vento. Mais distante, um reino inteiro envolvo por uma cúpula de vidro mostrava-se imponente e glorioso.

—Como assim? —ela riu. —Você me trouxe aqui, com a TARDIS.

Ele levantou de supetão.

—Mas, isso não é possível... Isso é Galifrey.

—É o seu lar, não é? —perguntou sorrindo: — Você está em casa. Isso não é bom? —continuou, com um ar um pouco inseguro.

Ele olhou em volta. A TARDIS estava estacionada ali perto. Devia ser uma data muito antes do início da guerra. De qualquer forma, levar a TARDIS para aquela lugar foi um risco imenso.

—Você não está feliz, você está preocupado—disse Rose, analisando-o.

—Estou bem, vamos, não podemos mais ficar aqui—disse se levantando e puxando-a pela mão. Ela pareceu um pouco insegura: — O que foi?

—Aonde vamos?

Ele deu de ombros:

—Qualquer lugar. Quer escolher dessa vez?

Ela o olhou, espantada. Antes que ele pudesse se preocupar com o diferente comportamento de Rose, sentiu uma forte tontura cambaleou. Esfregou os olhos, estavam úmidos. Tinha a sensação de algo que estava grudado neles. Piscou forte.

Rose estava sentada ao seu lado e segurava a sua mão. O quarto de hospital parecia mais claro do que o normal, aquela luz toda começava a irritá-lo:

—O que eu estou fazendo aqui? —a lembrança de Galifrey ainda era forte, ele quis se levantar, mas uma dor aguda no peito o impediu.

—Calma, John! —pediu Rose. —Você sofreu um acidente. Foi atropelado. Não se esforce, por favor... —pediu com a voz frágil e com lágrimas nos olhos. —Você estava em coma há até poucos dias atrás.

Ele a encarou com espanto. Engoliu seco e logo buscou o entendimento que tão rapidamente era plantado em sua mente:

—Eu tive um sonho estranho... Lembra da TARDIS?

—Seu velho carro azul? —perguntou, rindo, ainda meio chorosa por vê-lo enfim acordado.

Ele riu, sentindo sua mão atrelada à dela.

—Ela era uma cabine de telefone azul. E eu te levei para outro lugar. Nossa, eu inventei um monte de coisas—disse, passando a mão pela testa.

—Tudo bem. O médico disse que é normal... Você passou por muita coisa.

Concordando, sem imaginar o quanto ela estava certa, fechou os olhos para tentar adormecer.

.o.

Mulder verificou: nenhum fio telefônico foi cortado. A Sra. Feltch notou que o sinal wi-fi da internet também não funcionava.

Do lado de fora da casa, ainda não amanhecia. Mas o relógio de Scully mostrava que já seriam sete da manhã.

Ouviam o silêncio da noite. Sem sequer um grilo. Scully e Mulder procuravam por qualquer pista que pudesse haver do lado de fora. A lanterna ansiosa dele, logo percebeu:

—Mulder? —perguntou Scully, percebendo que ele ia se metendo no meio da mata.

—Tem uma trilha aqui.

—Trilha?

A mata parecia fechada.

—O topo dessas plantas estão queimadas—mostrou ele com a lanterna, e fez a luz seguir a trilha por uma certa extensão. —Formam uma trilha.

—O que poderia ter queimado essas plantas? Como não teve propagação de fogo?

Ela já o seguia, quando ouviram um estrondo. Correram de volta para a rodovia. Ambos os carros estavam ligados e suas buzinas soavam fora de controle. Cada um desligou seu próprio carro. Testaram: ambos voltaram a funcionar.

—O que acha Scully? —berrou Mulder, saindo do carro. —Será que alguém quer a gente fora daqui? Leve a Sra. Feltch para a próxima cidade, eu vou seguir aquela trilha!

—Sozinho?

—Você não está de férias? —perguntou, e desatinou a correr de volta para a mata.

—Que coisa, Mulder! Eu vou com você! —praguejou ela, mas ouviu um grito vindo da casa.

Ambos viram a Sra. Feltch saindo pela porta da frente. Em prantos, ela gritava:

—Eu a vi! Eu vi a garota! Ela foi para lá! —e apontou em direção à trilha. Mulder lançou um olhar para Scully, e ela percebeu que aquela senhora realmente precisava de assistência. Parou para ajudá-la.

Mulder alcançou a trilha. Quanto mais avançava, mais eram evidentes as parcelas queimadas de plantas. Mais à frente, percebeu que havia uma luz acesa. Guardou a lanterna e se aproximou com precaução.

O fim daquela trilha era a pequena entrada de uma caverna. À sua frente, uma garotinha de camisola branca emanava luz da própria pele. Ela olhou para Mulder como se fosse capaz de olhar dentro da sua alma:

—Ela não virá por você?

Ela perguntava sobre Scully. Mas, aquela menina à sua frente só a fazia pensar em uma pessoa:

—Samantha...?

—Eu posso te ajudar. Você pode encontrar quem você procura. Você pode viver com ela para sempre! Entre comigo... Vou encontrar alguém para você. Alguém que sirva para você ser feliz!

Ele titubeou: para ele aquela imagem mais parecia um espírito que qualquer outra coisa.

—SOCORRO! —berrou alguém de dentro da caverna. Como que desperto de um sonho, ele pegou sua arma e entrou na caverna, passando reto pela 'entidade'.

Percebeu que o chão era úmido. O odor fétido o fez sentir náuseas. Não precisou acender a lanterna mais uma vez para perceber que pisava em imensas poças de sangue.

Andou pouco para encontrar Rose: ela que ouvira sua voz do lado de fora e gritara por ajuda. Mas, antes que ele pudesse a aproximar. A garotinha se materializou no meio deles:

—Por favor, espere. Logo alguém servirá para você. E você irá dormir.

Rose entrou em pânico. A única ajuda que conseguira parecia uma presa fácil. Pegou a mão do Doutor, tremula e se lembrou do primeiro Natal que passaram juntos. Quando ele parecia quase morto após a sua regeneração.

Foi então que ela teve a ideia. Chamava-o da maneira errada! Debruçou-se sobre ele e disse em seu ouvido as duas palavras que ele nunca fora capaz de recusar:

—Me ajude!

.o.

Abriu os olhos mais uma vez e sorriu. Pois, Rose sorria para ele.

—Como você está se sentindo?

—Fantástico! —respondeu, deitado naquela cama de hospital. Começou a se levantar.

—Não, você não pode!

Percebeu que seu peito estava enfaixado. Colocou a mão sobre ele e sentiu a batida do seu único coração. Riu.

—Rose... —chamou ele, tirando as mãos dela de seus ombros, já que tentava fazê-lo deitar novamente, e a puxou num abraço.

—O que foi? —perguntou abraçando-o de volta.

Ele pareou sua testa com a dela, muito próximos, olhou-a com uma expressão muito triste.

—Doutor, o que foi?

—Eu sinto muito. Eu só tive certeza agora.

—Do que?

Ele a abraçou novamente:

—Eu queria que fosse. Mas, não é.

—Do que você está falando?

—De você. Eu queria que você fosse real. Mas, você não é—explicou, sem conseguir largá-la do abraço.

—Mas, o que é isso? Você só está cansado, volte a dormir.

—Nós nos casamos.

—Sim.

—Então você sabe que pode dizer. Se falar só para mim... Você pode provar que eu estou errado.

—O que você quer que eu fale?

—Você pode falar o meu nome — e ele a soltou e encarou os olhos confusos da falsa Rose.

Ele sorriu, gentil:

—Você saberia, se tivéssemos nos casado. Agora eu vou embora. Mas, obrigada. Obrigada por mentir para mim. Foi um sonho fantástico!

.o.

—Me ajude! —pediu Rose.

Puxando ar para os seus pulmões, fez baterem fortes seus dois corações. Levantou-se de uma só vez. Olhou para Rose, Mulder e para a garotinha. E então para si mesmo:

—O nããão! Meu casaco! Eu ganhei esse casaco da Janis Joplin! Você arruinou o meu casaco favorito! Essas manchas não vão sair nunca mais!—reclamou.

A garotinha o encarou, com lágrimas nos olhos:

—Nunca nenhum humano percebeu antes. Como você percebeu? O que eu fiz de errado para você acordar?

—Doutor, o que é ela?—perguntou Rose.

—Ela é a sombra de um povo extinto. Ela não é mais um ser. Morreu há muito tempo, mas ficou presa a uma existência frágil. É uma entidade que vaga sozinha e se alimenta da emoção das pessoas. Ou melhor, da troca de emoções. Por isso ela precisa de duas pessoas. Sempre duplas.

—Ei! —chamou a garotinha. —Eu estou falando com você, não me ignore! O que eu fiz de errado?

O Doutor olhou para ela e ela entendeu aquele olhar:

—Porque está me olhando desse jeito?

Era compaixão.

Ele caminhou até ela, se agachou para ficar da mesma altura, e sorriu:

—Você não vai mais ficar sozinha... Vou ajudar você. Se você me deixar... —e aproximou as mãos de suas têmporas. A garotinha fechou os olhos.

A luz que Mulder vira emanando dela retornou, mas mais suave, quase delicada... Feixes azuis a envolveram e cada átomo do seu corpo de mentira acendiam em tonalidades avermelhadas. Ela abriu os olhos e sorriu em agradecimento. Como se se desfizesse no ar, desapareceu como milhares de partículas que se movimentam brincalhonas. Como areia ao vento. Até se apagar e sumir na escuridão da caverna.

O Doutor levantou de supetão passando rapidamente a mão no rosto, omitindo a lágrima que escorrera por ele.

—ELE ACORDOU! —berrou o garotinho em uma câmara ao lado. Apareceu correndo: — O senhor que veio comigo. Ele acordou! Preciso de ajuda!

Mulder correu para socorrer. Rose já ia segui-los, quando o Doutor a puxou pela mão e apontou a saída com o olhar:

—Eles estão bem agora—murmurou. —E eu preciso de um banho.

.o.

Mulder entrou no quarto do hospital. Scully entreabriu os olhos e percebeu que havia um certo ar brincalhão no seu olhar, enquanto balançava o buque de flores na frente dela.

—Obrigada — agradeceu ela, enquanto ele colocava o buque num vaso que ficava ali para aquela finalidade.

—Como está se sentindo?

Ela se moveu na cama:

—O que aconteceu?

—Você estava dirigindo. Levava a senhora Feltch para um hospital quando um caminhão atingiu seu carro. Você se lembra?

—Agora... Um pouco. Onde estou?

Mulder se moveu um pouco na cadeira:

—Na Califórnia. Tive que pegar um avião do Mississipi para cá.

—O que?

—Depois que nos separamos eu segui aquela trilha. Encontrei uma caverna e... Encontrei Rose e John, o Sr. Feltch e um garotinho que estivera desaparecido há uma semana. O Sr. Feltch e o garotinho, Philippe, estão bem. Os outros dois fugiram assim que tirei meus olhos deles... O Sr. Feltch declarou no seu depoimento que passara o tempo todo adormecido na caverna, sonhando com o seu neto que morrera em um acidente quando era bebê. Já Philippe passou o tempo inteiro acordado, ele relata que havia uma garotinha que fazia companhia a ele de vez em quando. Ele disse que ela os levou até lá, mas ele não sabia explicar como... Disse também que os sonhos do Sr. Feltch eram produzidos por ela?

—Produzidos?

Mulder colocou a mão dentro do seu casaco e tirou um pequeno frasco de dentro:

—A perícia encontrou isso. É um fungo que parece produzir substâncias alucinógenas bastante potentes. Recebi um telefonema agora pouco, me explicaram que o raio de alcance chega a dois quilômetros.

—Isso alcançaria a casa dos Feltch?

—Sim, alcançaria até a rodovia.

—Então, seja lá o que aconteceu naquela caverna, vocês estavam drogados.

Mulder afirmou com a cabeça, incomodado. Ela continuou:

—De qualquer forma, é isso que vai constar no meu relatório. Fomos drogados.

—Você está de férias. Na Califórnia. Não tem que escrever um relatório.

"Na Califórnia". Scully já quase se esquecia que estivera, como que por mágica, em outro estado por horas.

—Inclusive. O garotinho, Philippe... Ele disse que fugiu no período da tarde e que caminhara em linha reta até anoitecer, quando viu o Sr. Feltch pela primeira vez...

—Sim?

—Os pais dele ficaram muito felizes em recebê-lo nesta manhã. No estado do Texas.

Mulder aproveitou a expressão de surpresa em Scully por alguns segundos, antes de deixar o quarto para escrever o que seria mais um relatório que Skinner não ia gostar nada de receber.

.o.

—Fantástico! Sabão siluviano realmente serve para tirar manchas! —admirou-se enquanto via o resultado da lavagem.

Ainda não tivera tempo de secar o seu cabelo. Saíra do banho direto para a lavanderia da TARDIS para ter a maior porcentagem de garantia de que conseguiria restaurar o seu adorado sobretudo marrom. A nave foi acolhedora e nenhum dos dois teve tempo suficiente para pensar se ainda havia algo de errado com ela.

Passando uma toalha na cabeleira, o Doutor, desceu as escadas e viu Rose, também de roupão, sentada numa das cadeiras da sala de controles. Quando ela o viu, se moveu na cadeira, desconfortável.

—O que foi? —perguntou ele.

—Nada! —disse ela, enquanto percebia que ele secando o cabelo mais parecia um ataque furioso da toalha em seus cabelos.

Ele não insistiu, e a toalha parecia querer arrancar o topo da sua cabeça.

—Doutor... Como era lá?

Ele a encarou. Sabia que em algum momento acabaria perguntando sobre o sonho.

—Nada demais—mentiu. —Foi só um sonho.

—Mas, como você acordou? Eu te chamei por horas!

—Desculpe—pediu se sentando ao seu lado. —Na verdade, ela não conseguiu me enganar por mais tempo porque eu sou um Time Lord. Ela cria labirintos de sonhos para nos prender numa realidade ficcional. Mas, ela não podia entender a minha mente, só a sua, porque você é humana. Então, ela criou um mundo ideal para mim a partir do seu ponto de vista. Era claro que em algum momento aquela realidade ficaria inconsistente.

—Hum... Isso porque a minha mente é pior?

—O que? Não! É porque você não sabe tudo sobre mim. Por exemplo, nós fomos parar em Galifrey. Ela não tinha como fazer uma Galifrey que me convencesse sem usar lembranças de alguém que realmente esteve lá alguma vez.

—OK—disse, ela, entendendo um pouco melhor. —Mas, você era feliz nesses sonhos?

Ele largou a toalha de lado por um instante:

—Sim.

—Então, porque você... Não preferiu ficar lá?

Sorriu para ela numa animação que só ele conseguia ter:

—O que? E perder tudo isso aqui? Não, Rose Tyler. A mentira pode ser doce. Mas, não vale o preço da realidade —e, se levantou voltando a secar os cabelos. —Pelo menos a TARDIS parece ter voltado ao normal. Quando eu terminar isso, terei que fazer uma revisão para me certificar que tudo está bem. Vamos ter que ficar parados por um tempo...

Ambos saíram da sala de controles para se trocar. Mas, antes que o Doutor pudesse retomar sua avaliação da TARDIS, as luzes tornaram-se vermelhas e num chacoalhar, foram levados para onde nunca antes estiveram.

oOoOo

(continua...)


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