Prólogo

Eles nunca me olharam voar, então nunca tive que mentir/

(...)No mais alto, no mais alto da ponta dos pés.

– Tiptoe, Imagine Dragons

Há uma qualidade viciosa no fato de você estar em uma multidão, assistindo a um show de uma banda legal que faz uma boa música. Talvez sejam as pessoas cantando em uníssono, talvez seja a dança ou a atmosfera alienígena – como se aquele pequeno pedaço de espaço comparado ao mundo, onde há centenas de pessoas que compartilham do mesmo gosto que você, fosse um lugar separado do resto do universo. Uma dimensão paralela. Seus sorrisos se desenham bêbados em seus rostos. Por um momento todos fecham os olhos.

Exceto eu.

Estou encarando o dono da voz que embala os corações de todos hoje á noite. Ele sola sua guitarra com um tipo de intimidade que se assemelha ao sexo. As notas são suas amantes; ele as namora bem devagar e preguiçoso, tomando seu tempo. Sinto o arrepio em meus braços correr como o tempo. Quando a próxima nota soa acho que posso senti-la passeando em meu coração. Dentro da pele, se mesclando ao sangue. É desesperado e doloroso. Eu simplesmente quero mais.

Então chega o momento em que meu encanto ultrapassa as barreiras do impossível. O vocalista e guitarrista da Asleep, Archer, abre seus olhos e me encara diretamente. Há um movimento ligeiro nos fios mogno do seu cabelo, mas é a variedade de verde em seus olhos que me chama atenção. Sua atenção está inteiramente focada em mim, ele arregala os olhos e eu vejo, enfim. Há escuridão e sedução, mas acima de tudo há dor. É um buraco cheio dela. Dor transborda nos filamentos escuros em suas pupilas. Ele sacode a cabeça como se para fugir de um devaneio. Mas quando percebe que sou real, falha uma nota. As pessoas estão começando a notar.

Archer retoma sua postura um segundo depois, é o tempo que tomo para desviar meus olhos dos dele e ouvir o crack próximo a mim. Metálico, ameaçador e horrível. Debaixo da onda melancólica que a nova musica trás para a multidão, há uma sensação de pressentimento sobrenatural percorrendo meus sentidos. E que ironia sucede Shot in the dark, assim que a voz rouca de Archer embala o público outra vez, um som estalante interrompe seu domínio sobre a plateia.

É um tiro.

Archer é o único de todos nós a cair.