Azul Ardente escrita por Dandolion


Capítulo 1
ONE-SHOT - Azul Ardente




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Chuva, doce chuva. Em Nova Nizza, o inverno não trás a mágica neve branca e sim a mágica (Porém um tanto problemática) chuva compulsiva. Era a estação das chuvas, não se via crianças brincando na rua, nem capoeiristas dançando e cantando. Poucos eram os vendedores que se arriscavam na chuva, mas era uma luta que eles tinham que enfrentar todos os dias, faça chuva ou faça sol. As rajadas de vento balançavam as folhas das árvores, levando suas folhas para longe junto com os panfletinhos jogados pelo chão. Um forte cheiro de terra molhada cobria o ar, um aroma doce e intoxicante.

Era um perfeito dia para o Mestre Grinto chamar para treinar.

– Ninguém merece... – Sério resmungou ao puxar a cortina da janela de casa e olhar a rua.

Bufou e embaçou a janela. Um frio desgraçado lá fora e um velhote quer que ele saia. Fechou as cortinas e foi à cozinha pegar um copo d’água, logo viu um bilhete de seus pais que saíram ontem à noite para viajar. “Na hora certa” pensava Sério.

“Querido Filhote!

Suas roupas estão passadas e dobradas, por favor, não bagunce o armário inteiro atrás de sua cueca de ursinho! Eu sei que você ama dormir com ela! Vamos sair por uma semana, no domingo nós vamos chegar no máximo as 20:00 horas da noite!

Amo muito você!

Ass: Mamãe e Papai

P.S.: Não destrua a casa”.

– 15 anos na cara e ela ainda acha que eu vou fazer a casa sucumbir em chamas? – Sério amassou o papel e atirou no lixo.

15 anos, essa era a idade do capoeirista. Começou cedo a dançar capoeira com seus amigos, jamais imaginando o fardo que teria que carregar. Um fardo bravo e heroico, ganhando a forma de um feroz tigre para derrotar seres divinos e impedir que eles destruam a cidade. Como uma típica série japonesa das antigas.

Suspirou e subiu as escadas, indo em direção ao seu quarto para conseguir pegar sua capa de chuva. A velha e repugnante capa de chuva. Abriu o armário com brutalidade e a puxou do cabide, vestindo-a e indo se arrumar no espelho. Suas roupas não mudaram muito, continuou com sua blusa amarela de manga curta, mas trocou sua calça amarela pó uma mais folgada de cor marrom.

Correu do quarto e desceu as escadas pelo corrimão. Como uma rápida e bem direcionada flecha, ele correu direto da escada para a porta de casa, pegando a chave do jarro ao lado da janela e saindo com um salto. Pena que acabou escorregando nos degraus que ficam depois da porta e acabou mergulhando o rosto numa poça d’água que estava a um mindinho de distancia do portão de casa. Boa Tigrinho, na próxima perde os dentes.

Levantou o rosto todo molhado da poça, cuspindo um pouco da água e secando o rosto com o plástico da capa, adiantando nada. Cambaleou para dentro de casa e xingou 20 palavrões. Foi ao banheiro secar o rosto e ver se aconteceu algum estrago. Por incrível que pareça, não havia nada.

– Pelo menos isso né? Hoje o dia resolveu começar bem.

Saiu de casa, fechou a porta e a trancou. Segurou no corrimão para descer a Benedita escada e conseguiu chegar ao velho portão enferrujado. Pôs sua mão no trinco e o puxou, o portão se abriu sozinho fazendo um barulho irritante e estridente, parecia até portão de casa mal assombrada. Mas na verdade isso se chama preguiça de comprar um novo.

Fechou o portão e seguiu pela calçada, andando quase colado na parede para que nenhum carro resolva lhe dar um belo banho de água de chuva. As belas ruas coloridas de Nova Nizza, agora ganharam um tom cinza. Um tom entristecido, que parecia retirar toda a felicidade da cidade. Parecia até obra de um Divino, mas não era. Não passava de uma normal mudança climática. “Que saco...” Pensou o rapaz.

Ao chegar ao centro da cidade, concluiu que a capa de chuva não prestava. Serio estava mais molhado que roupa recém-lavada no varal. Carros passavam por toda a parte, fugindo da chuva e molhando os pedestres desavisados. A chuva parecia ter apertado, mas o salão que leva ao templo do mestre Grinto já estava bem perto. Começou a resmungar até chegar ao salão, onde milagrosamente tinha teto.

– Esse velhote me paga... ME PAGA! – Serio ficou resmungando alto e torcendo a blusa molhada.

Seguiu em direção da porta gigantesca e a empurrou, entrando no salão de treinamento. Seus pés estavam sujos de lama, assim que entrou ele retirou os sapatos e deixou num canto para não acabar sujando o salão e logo em seguida tomar um belo tombo. Um tombo já basta. Serio olhou para todos os lados, notando que não havia ninguém lá. Onde estava o Grinto? O rapaz ficou alerta a qualquer som estranho, pois ele deve estar lhe testando a um combate inesperado.

Nada, nenhum som. Nenhuma sombra. Ninguém. Serio bufou e olhou a hora no celular, estava um pouco cedo. Era melhor sentar e esperar. Foi caminhando para uma das estatuas em volta do salão e sentou lá, pegando seu fone de ouvido e começando a escutar música.

“Toc,Toc,Toc”

O som veio da gigantesca porta. Serio levantou o rosto e ficou atento a quem iria entrar.

– Mas que droga! Grinto você teve que chamar para treinar logo hoje!! – Azul entrou toda ensopada e com os pés sujos de lama.

Azul entrou, suas roupas pingavam de tão molhadas e seus cabelos curtos escorriam água. Seus pés estavam ensopados e sujos de lama até suas pernas. Estava tremendo como cachorro molhado, desesperada. Serio não hesitou e se levantou e ofereceu ajuda a jovem que na qual ele desfrutava um amor cativante. Ela torceu a blusa enquanto ele ia pegar umas toalhas que o Grinto tinha no armário dos objetos que eles usaram para prender os divinos. Certificou-se umas cinco vezes de que eram toalhas comuns e voltou para secar Azul.

– Tomou um banho? – Serio disse rindo.

– Um carro passou rente à calçada e fez uma onda ao passar na poça... Ai... Eu estou toda molhada e suja... – Ela disse pegando uma das toalhas e secando o rosto.

Serio pediu para que ela retirasse os sapatos, ninguém merece ter que limpar o chão do salão caso sujem tudo de lama. Ela colocou os sapatos ao lado dos dele e seguiu junto com o rapaz para próximo de uma das estatuas, onde os dois sentaram. Serio se ofereceu para secar o cabelo dela, mas Azul disse que sabia se virar sozinha.

– Você está tremendo. – Serio disse ao passar a mão nos cabelos lisos e sedosos da jovem.

– Estou toda molhada e sem roupa reserva. Estou com um frio absurdo... – Ela disse esfregando a toalha no cabelo para tentar secá-lo – Vou acabar ficando gripada.

– Não diga isso! – Serio respondeu desesperado.

Azul riu ao ver o desespero do rapaz. Ver aquele doce sorriso brotar no rosto dela era como um presente para Serio. Um anjo dos cabelos loiros, delicada como uma fada e forte como uma cavaleira de armadura reluzente. Essa era a visão que ele tinha dela, que fazia com que seu coração batesse rápido como abre alas de escola de samba, que suas mãos suassem de nervosismo e que sua língua se contorcesse mais que peixe fisgado. Ele fazia de tudo para não fazer nada errado.

– Será que Grinto tem algum casaco dentro do armário? Ou lençol? Seja o que for... – Azul perguntou esfregando as mãos nos braços.

– Bem... Acho que não... - Serio engoliu em seco e tomou coragem para perguntar- Você pode ficar mais próximo de mim e eu te abraço... – Serio ficou mais vermelho que gringo depois de ir à praia.

O rosto da jovem corou, o rapaz estava pronto para tomar um tapa muito bem dado no rosto. Mas não foi o que aconteceu. Azul se aproximou do rapaz e os dois se acomodaram um perto do outro. Ela ficou sentada por entre as pernas do rapaz, deixando que ele a abraçasse, apoiasse sua cabeça em seu ombro e ela encostasse sua cabeça na dele.

– Melhor? – Serio perguntou rindo atoa.

– Melhor... – Ela disse se acomodando.

Serio e Azul tinham certa intimidade um com o outro, a amizade deles aos poucos estava deixando de ser só companheirismo de equipe. Ele ainda era tímido para dizer o que sentia por ela, o que o deixava louco. Azul nunca sentiu curiosidade para perguntar por que o rapaz a tratava assim. Já estava tão acostumada a ser tratada como princesa na sala, todos se auto intitulando plebeus perante a ela, um costume que ela nunca pediu para ter, simplesmente ganhou. Ela sentiu os dedos do rapaz acariciando suas mãos e olhou para ele de canto de olho. Serio as alisava com uma delicadeza, como se estivesse tocando uma fina e bem cara boneca de porcelana.

Por um instante, sentiu uma curiosidade de perguntar...

– Serio... Posso te fazer uma pergunta? – Azul disse se afastando do corpo dele e sentando na frente.

– P-pode... O que você quiser... – Serio disse gaguejando, com medo do que ela poderia perguntar.

– Porque você me trata assim?

– C-como assim?

– Me trata como princesa... Mas... De uma forma diferente... Você não parece me idolatrar... – Azul já havia entendido o problema do rapaz, mas se fingiu de desentendida.

Serio ficou mais corado que vestido de vilã de novela. Era agora.

– B-bem...- Ele não conseguia falar- Argh... Bem... Uma dama como você merece ser tratada com o devido respeito.

– Uma dama? Você me acha uma dama?

– Não existem palavras que descrevam você... – Serio deixa escapar, tapa a boca e se vira envergonhado.

Azul ri corada, estava deixando ele tão nervoso. Um garoto tão bobo, ele estava realmente apaixonado por ela! Há quanto tempo ele guardou isso? Ela estava realizada! Quantas as vezes que o rapaz se arriscou para salvá-la, quantas as vezes que ele a ajudou a resolver algum problema... Quantas vezes... Quantas vezes ele secou suas lágrimas quando ela chorava por alguma tragédia...

*Flashback*

Os 4 Combo Niños chegaram no templo, todos com os olhos fundos, desesperados e desiludidos. Azul carregava uma latinha de refrigerante vazia na mão, onde agora estava preso o Divino mais canalha da história. 100 mortos, um prédio todo ter sido desabado por cima das pessoas na rua. Ecoava pela cabeça deles o grito das pessoas desesperadas, os apelos de quem estava sendo soterrado e o choro das crianças diante da tragédia.

O mestre Grinto caminhou até ficar na frente deles, ele também estava tenso. Ver crianças sendo obrigadas a ficar numa situação tão drástica como aquela.

– Muito bem criança... – O mestre foi interrompido por Paco.

– MUITO BEM? E AQUELAS PESSOAS QUE MORRERAM POR ESSE INFELIZ? – Paco gritou.

– Calma Paco... – Serio tentou acalmar o amigo.

– NOSSO DEVER É PROTEGER OS CIDADÕES DE NOVA NIZZA! E NÓS FALHAMOS! FALHAMOS! – Paco socou uma das estátuas, abrindo um buraco.

Pilar apoiou as mãos nos ombros do rapaz, ele a olhou e viu seus olhos cheios d’água. Pilar, a palhaça da turma, estava quase desabando em lágrimas. Paco segurou a mão dela e foi para o lado de fora, batendo a porta com brutalidade. Azul estendeu as mãos, entregando a lata ao mestre.

– Livre-se disso... – Azul disse soluçando e olhando pra baixo – QUEIME ESSA MERDA NO FOGO DO INFERNO! – Azul gritou olhando nos olhos do mestre, mostrando seu rosto todo molhado com suas lágrimas.

Mestre Grinto pegou a lata das mãos da jovem e foi junto com Tiki para o armário dos itens.

Azul caiu de joelhos no chão, os punhos fechados de raiva e começou a chorar alto, deixando suas lágrimas pingarem no chão. Serio sentou ao lado dela e ficou dando leves tapinhas nas costas dela, tentando deixa-la mais calma.

– Azul... Calma... – Serio disse e estendeu os braços, querendo dar-lhe um abraço.

Ela olhou para ele, segurando o choro – Ficar... Calma... SERIO COMO EU VOU FICAR CALMA?! – Ela voltou a chorar.

Ela o abraçou com força, escondendo seu rosto em seu peito. Suas lágrimas umedeciam sua camisa, fazendo com que Serio ficasse mais tenso. Ele começou a acariciar seus cabelos, acalentando-a, tentando deixa-la confortável. Também queria desabar em lágrimas como ela, mas ele tinha que a proteger, tinha que se manter forte.

– Serio... Foi tudo culpa minha...

– Não diga isso... – Serio beijou a testa dela.

– Serio... Eu podia me sacrificar para empurrar todos com uma rajada de vento... – Azul puxou a camisa dele – Eu deveria estar lá... Eu deveria estar morta...

– Não... Porque eu iria junto.

Azul levantou o rosto inchado de tanto chorar e Serio passou o dedão nas bochechas dela, secando suas lágrimas.

– Você fez o que pode... Precisa descansar... - Serio colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha.

Azul sorriu, por um instante, aquele desespero havia passado. Ela deitou sobre o peito dele novamente, mas desta vez foi para relaxar. Serio ficou encostado na estatua atrás dele e ficou fazendo carinho nela, aos poucos a deixando mais calma.

– Obrigada Serio... – Azul disse segurando sua mão.

– De nada... – Serio se acomodou e passou a ignorar tudo a sua volta.

*Fim do Flashback*

Azul se aproximou de suas costas e falou em seu ouvido:

– Também te amo Serio.

O rapaz se virou e viu aquele anjo sorrindo para ele. Azul segurou suas mãos, sentindo as mãos suadas dele, até dava para sentir seu pulso pulsando desesperadamente. Serio havia se perdido dentro daqueles olhos azuis, aquele sorriso havia o enfeitiçado. Seus rostos começaram a ficar próximos um do outro, suas respirações se entrelaçaram até que Serio roçou seus lábios nos dela. Uma boca tão doce e macia, tão confortante, tão quente. Azul colocou a mão na nuca dele, dando-lhe um verdadeiro beijo, fazendo sua língua dançar em sua boca. Serio começou a bagunçar os cabelos dela, aprofundando o beijo, deixando ofegante.

Os dois se afastaram, sem ar. Azul ajeitou o cabelo com as mãos e Serio ficou todo sem jeito.

– Eu beijo mal? – Serio perguntou sem graça.

Azul colocou as duas mãos na nuca dele, deixando-o preso.

– Não sei... Acho que eu preciso de mais uma prova... – Ela disse aproximando de seu rosto.

– ACHO QUE AQUI NÃO É O MELHOR LUGAR PARA VOCÊS DEIXAREM SEUS HORMÔNIOS A FLOR DA PELE. – Cabeça Velha resmungou alto.

Serio se tacou pra trás e bateu a cabeça na estátua, Azul fez o mesmo, só que caiu de mau jeito no chão. Os dois finalmente notaram a cabeça de Cabeça Velha em cima de uma das estátuas, ela saltou e caiu no chão, resmungando tudo o que tinha direito. Parecia até um velho rabugento.

– Haha, deixa eles em paz... Eles podem! – Mestre Grinto apareceu de trás de outra estátua.

Serio e Azul ficaram absurdamente corados.

– Q-quem mais está aqui? – Serio perguntou.

– Só nós! Não se preocupe! – Grinto caminhou até eles rindo.

– Desde quando vocês estão aqui?!? – Azul perguntou desesperada.

– NÃO INTERESSA! – Cabeça Velha gritou.

– Há pouco tempo, eu estava tocando lá em cima do prédio. – Grinto deu um leve tapinha na cabeça dele – Pilar e Paco ainda não chegaram, devem estar dormindo ou devem estar chegando. Enquanto isso, eu quero que vocês se aqueçam.

– ACHO QUE ELES ESTÃO BEM QUENTES JÁ!! – Cabeça Velha gritou e Grinto tapou a boca dele.

Os dois levantaram do chão e começaram a se aquecer, um pouco tímidos e envergonhados por causa do susto, mas enfim satisfeitos.

Quando o mestre Grinto foi ao armário junto com Cabeça Velha...

– Hey Serio – Azul disse ao bloquear um golpe de Serio

– Diga.

– O que será de nós agora? – Ela tenta chutar, mas ele desvia.

Serio desviou de outro golpe, conseguiu dar uma rasteira nela, mas antes dela cair ele a segurou.

– O que você acha? – Serio a beijou carinhosamente.

Azul riu e retribuiu o beijo – Para sempre?

– Para todo o sempre meu amor...


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Notas finais do capítulo

Matei a saudade de um desenho que marcou minha infância...
Quem sabe eu possa fazer uma Fanfic baseada nessa One-Shot...