O Albino escrita por AaronRR


Capítulo 4
Capítulo 3: Amizade e Vassalagem


Notas iniciais do capítulo

A partir de agora, 2 capítulos por semana: um no sábado, outro no domingo, até alcançarmos os lançamentos. Ontem saiu o capítulo 17, então vai demorar um pouquinho, mas continuem firmes! ^^



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Elscud aproximou-se da luz das velas.

O rei Kristán ergueu-se de um pulo de sua cadeira almofadada, fazendo um som indistinto de perplexidade e arregalando os olhos ao mesmo tempo. Afastou-se da luz das velas, e seu corpo pareceu fundir-se com a escuridão das extremidades do pavilhão. O veludo negro contrastava com a pele clara, fazendo-o parecer-se com um fantasma. 

- Elscud. - falou em tom controlado, claramente tentando se acalmar. - O que faz aqui? O garoto está com você?

O cavaleiro olhou seu rei com um sentimento misto de espanto, alegria e raiva. Kristán havia engordado bastante, e já não fazia mais a figura austera e dominadora de outrora. Era branco e com cabelos loiros e lisos que cresciam até metade de suas costas. Parecia muito assustado.

Surpreso, apenas ficou em silêncio.

- Fale alguma coisa! Onde está o menino? ONDE ESTÁ O MENINO? - Kristán berrou com sua voz de barítono potente, e um chocalhar de armaduras se mexendo veio do lado de fora do pavilhão. Um dos sentinelas espiou através da entrada atrás de Elscud, mas antes que pudesse falar Kristán despachou-o com um gesto displicente, sem desviar os olhos de seu amigo e subordinado.

- Você se preocupa com o menino. - disse Elscud. Não fora uma pergunta.

- Claro que sim. Ele é meu filho.

- Mentira. Livrou-se dele como se fosse um cachorro, deixando-o em minhas mãos. Traiu sua esposa e não soube se responsabilizar pelos seus atos irracionais. Quem era? Uma prostituta da capital?

Kristán enrubesceu-se.

- Não é da sua conta. Eu dou as ordens aqui. Eu sou o rei. Entendeu? Você queria que eu fizesse o que? Caysena iriá matar o garoto assim que soubesse de sua existência. O fantasma de Denn ainda me perturba durante a noite....

Sentando-se ao lado do rei, Elscud tomou uma maçã de uma bandeja próxima e comeu-a vorazmente. Cuspiu as sementes no chão e falhou com a voz embrulhada:

- Denn é o passado. Neal é o futuro. Cuide dele como seu filho. Caysena o aceitará na família se você pedir com jeito.

- Neal?

Elscud esquecera-se que Kristán não sabia o nome do garoto. De onde viera aquele nome mesmo?

- É o nome dele. Você não dignou-se a dá-lo um. 

- Como você sugere tal coisa? Caysena matou Denn. Não com as próprias mãos, claro. Se ela souber que tive outro caso...

- É o único jeito. Não podemos continuar com isso Kristán, perambulando sem rumo por Vermécia, escondendo sua vergonha de sua esposa.

O rei tamborilou os dedos sobre a mesa, pensando. Mudou de assunto:

- Onde está Neal?

- Perto. Seguro. Mas não em um estado agradável. E aí entra o motivo pelo qual vim encontrá-lo. - disse Elscud, mirando Kristán nos olhos com atenção. Ele precisava saber. No que seu amigo havia se tornado?

- Fale. - disse o rei.

- Estávamos em uma estalagem próximo à praia Carry na última semana - começou Elscud, percebendo que Kristán arregalara os olhos ao ouvir tal coisa. - Eu voltava de uma caçada quando avistei meus Cavaleiros Vermelhos dizimando todas as pessoas que estavam na estalagem. Todas. Sem nenhum aviso. Dizem que Canaban declarou guerra à Serdin. Isso é verdade? 

O rei suspirou, claramente desconfortável. Aprumou o corpo, enrijeceu-se todo e falou com um tom estranho de.... vergonha talvez. E luto também.

- Diana está morta.

Elscud pasmou-se com a notícia. A filha mais velha de Kristán, destinada ao trono após seus pais, era cortejada por todos os nobres de ambos os reinos e conhecida pela personalidade meiga e afável que cultivara desde pequena. 

- Foi Altair? - era a única explicação plausível para Elscud. Se o rei de Serdin por algum motivo desconhecido tivesse assassinado Diana, a resposta devia ser à altura. Mas tal afirmação era descabível e inimaginável aos olhos do cavaleiro.

- Sim. Que as harpias me comam vivo se não foi ele. Euron investigou tudo, Elscud. Uma viagem a passeio para visitar Lorenna, a princesa de Carry. Nunca voltou. Não encontramos o corpo, mas o assassino confessou depois de um extenso interrogatório e confirmou a participação da família real de Serdin. Disse que Diana foi lançada ao mar. Por que fariam isso com minha filha, Elscud. Por que?

O cavaleiro travou por um momento. Nunca acreditaria em tal absurdo se não o visse. Mas era Lorde Euron quem o dizia, e tal homem era digno de confiança. Mas guerra.... 

- Você sabia que haviam outros modos de resolver tal assunto. Por que não a diplomacia?

A voz que respondeu tal questionamento veio de trás de Elscud:

- Pois Vermécia é um único continente que tem dois reis. Não faz sentido algum.

Virando-se assustado, Elscud deparou-se com Lorde Euron entrando elegantemente no pavilhão. Cabelos e olhos castanhos, baixinho e de voz esganiçada, parecia um homem normal. Mas na verdade era o braço direito do rei, sua voz, sua presença e suas ordens. 

- Elscud. - disse Euron em tom de cumprimento. - O que faz aqui?

- Estou nesse lugar pois não tenho outras opções. Eu e Neal ficamos presos no campo de batalha, comprimidos entre as tropas de Serdin e Canaban. Perdemos nossos mantimentos, nossas provisões e a maior parte do nosso dinheiro. Estamos famintos e imundos. Essa missão não pode continuar.

Euron ergueu a sobrancelha ao ouvir a declaração do cavaleiro, olhando para seu rei logo em seguida. Sentou-se do lado direito de Kristán, cruzou as pernas e apanhou uma maçã. 

- Suas ordens não foram diferentes, Elscud? Por que você descumpriu o mandado de seu rei?

- Pois não há mais sentido nisso. Estou há um ano longe de minha família para proteger um bastardo do rei de um perigo que até agora não chegou. Caysena não fará nada, se não o fez até agora. 

O conselheiro do rei mordeu sua maçã, o sumo escorrendo pelo seu queixo. Sua expressão tornou-se enojada até que largou a maçã na mesa, juntou as pontas dos dedos e falou:

- Eu entendo sua vontade de se juntar à sua esposa e sua querida filha. Elesis, não é esse o nome dela? Você é um grande amigo do rei, Elscud. Mas nunca deve se esquecer que, ao mesmo tempo, também é seu vassalo. Fará como ele ordenar.... - e então Euron olhou para Kristán, dando a deixa para que ele falasse.

- Você continuará com sua missão. Obviamente que teremos que tirá-lo da zona de batalha e levar você e Neal para um lugar seguro...

- Kristán, por nossa amizade, deixe-me ver minha filha! - o cavaleiro implorou, sentindo seus olhos encherem-se de lágrimas. - Essa missão é totalmente desnecessária! Caysena não fará mal à criança, mas você está fazendo mal à minha família! Qual o seu objetivo com tudo isso?

- Proteger Neal de minha esposa. - disse o rei de forma sistemática. - Irá fazê-lo, Elscud. 

- NÃO MINTA PARA MIM!!!! - Elscud levantou-se em fúria, arremessando o javali assado para o chão e socando o tampo da mesa ornamentada. - Quem é Neal? O que vocês querem com ele? Por que essa história de "um continente, um só rei" ? Respondam-me!

Lorde Euron levantou-se também, enrubescido e raivoso.

- Veja bem como fala com seu rei! Posso prendê-lo agora mesmo, como ousa...

Kristán fez um sinal quase imperceptível com a mão e seu conselheiro silenciou-se imediatamente. Estalou a língua e reposicionou seus pés sobre o tampo da mesa. As malditas esporas continuavam brilhando. 

- Serdin é nossa por direito. Vermécia é nossa por direito. Quando começamos a governar aquelas pragas ainda trabalhavam como fazendeiros e aravam a terra com as próprias mãos. Agora eles atacaram nossa filha, sem motivo algum. Irei fazê-los pagar por isso. Não me questione, Elscud. Não tem esse direito.

O cavaleiro olhou para Euron em desespero, mas seu rosto era impassível. Talvez ele estivesse tão exasperado quanto Elscud em relação àquela guerra, mas estava de mãos atadas. Era o conselheiro real, mas seguiria qualquer ordem de Kristán à risca se ele o conhecia bem.

- Certo. Tudo bem. E Neal? Não me faça acreditar nessa historinha fútil sobre Caysena e seu espírito vingativo. Se ela quisesse e matasse o garoto, não faria a mínima diferença para você. Tem outros filhos. Quem é Neal? Ele é realmente seu filho? Eu preciso saber, você não entende? Tenho de saber por que fui afastado de tudo que amo pelo amigo que eu considerava como o mais sincero que eu tinha. 

Kristán ouviu em silêncio. Quando pensava que ele não falaria nada, foi Euron quem pronunciou-se.

- Acho que podemos contar para ele, Vossa Graça. Elscud é de confiança.

O rei olhou surpreso para seu conselheiro. Por fim, retirou novamente os pés de cima da mesa e olhou firmemente para seu amigo e, ao mesmo tempo, vassalo.

- Neal é meu filho. Tenha certeza disso. 

- Quem ele é?

Kristán deu um pequeno risinho que se transformou em uma gargalhada. Vendo a perplexidade de Elscud, falou com rapidez:

- Você não fez a pergunta certa. 

Silêncio. O cavaleiro arriscou:

- O que ele é?

O rei sorriu e agarrou outra maçã por entre a bagunça que se tornara sua mesa. Deu uma bela mordida, mastigou-a lentamente e só então falou:

- Uma arma.


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