O Albino escrita por AaronRR


Capítulo 1
Prólogo




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Caminhando lentamente pelo imenso corredor, vinham duas sombras. A mais alta prosseguia com passos sincopados e apurados, quase galantes. A mais baixa e ligeiramente estufada, era a expressão do desleixo. Por vezes arrastava os pés, produzindo um som estridente contra o assoalho de madeira, e tinha os pés tortos e cambaleantes.

Apesar de tamanha diferença, partilhavam algo em comum. Ambas tinham um quê de impaciência. Não... algo mais intenso. Estavam temerosas. Sim, essa é a palavra. Temerosas. Caminhavam normalmente, mas exageravam na normalidade. Como se quisessem esconder do outro, através de passadas plenamente normais, sua inquietação e seus segredos. E, na verdade, era exatamente isso que ambos estavam tentando fazer.

O corredor estava em plena escuridão, as tochas que serviriam para iluminá-lo em dias mais felizes estavam silenciosas e agourentas. Não havia luz, mas a experiência de centenas de caminhadas pelo mesmo lugar conduzia os pés das duas sombras até o lugar desejado. A mais alta delas falou em voz masculina:

– Não entendo, caro amigo. Você me conhece. Sabe o que terei de abdicar para cuidar desse seu.... assunto. Quer que eu me afaste de meus queridos...

– E você também me conhece, Sieg. Sabe que não pediria isso a não ser que fosse sério - disse a segunda sombra, produzindo um som agudo ao arrastar o que parecia ser uma espora contra o chão do corredor. O amigo chamado Sieg não gostou.

– Cuidado. Temos ouvidos em todos os lugares aqui no castelo. Seria muito mais fácil se me contasse qual o objetivo final de tudo isso, não? Dê-me um motivo para acreditar em suas palavras! Algo que me console quando eu estiver longe de tudo o que amo!

Ele deu.

O corredor terminou num lance de escadas que brotou do chão abruptamente. Sieg e seu amigo desceram com rapidez, apoiando-se no corrimão ornamentado enquanto espiralavam em direção ao vazio.

Chegaram a um vasto jardim de azaléias dentro de uma estufa. Brotavam de todos os lugares, em companhia de algumas rosas e violetas aqui e acolá. O luar que atravessava o teto da estufa revelou dois cavaleiros em armadura completa de batalha, com cota de malha, gorjais, grevas e escudos pendurados às costas. Elmos escuros cobriam suas cabeças, e suas mãos portavam espadas longas de duas mãos. O mais alto, Sieg, carregava-a como se fosse de uma mão só. Ambas as armaduras eram inteiramente negras, e capas escuras balançavam ao sabor do vento às suas costas. Do outro lado do jardim, escondida atrás de uma macieira, uma jovem mulher surgiu, com um embrulho no colo. Seus braços tremiam.

– Fique calma, Lia - sussurou Sieg para ela. A mulher assentiu e se aproximou. O embrulho se mexeu, reclamando.

– Ele está muito grande para ser carregado no colo. - falou ela com uma voz frouxa e quebradiça. Removeu os panos que envolviam a criança, revelando um menino que já devia ter seus 3 ou 4 anos de idade. O garoto pareceu iluminar o ambiente, como se estivesse refletindo a luz lunar. Era muito branco, isso se notava mesmo no escuro. O cabelo também era alvo como a neve, e estava por cortar. Mirou Sieg com olhos inteligentes, apontando.

– Titio.

– Ele é uma graça, não é? - soluçou Lia deprimida. - Não deviam fazer isso com ele. Podemos cuidar do garoto aqui.

– Garoto? - inquiriu Sieg. - Não deram um nome para ele?

– Má sorte, meu senhor. A criança pode morrer se dermos um nome muito cedo.

– Bah, é isso que você consegue para nós, caro "amigo"? Uma plebeia supersticiosa para cuidar de um albino? Se ele é importante como diz, por que tirá-lo de perto de você? - Sieg dirigia-se ao seu colega. Este se moveu impaciente. Esporas de ouro brilhavam em seus calcanhares.

– Consegui que fosse criado discretamente. Você irá levá-lo, Sieg. Discretamente. Não pode viver aqui. Sua... situação, se assim podemos dizer, seria melhor tratada no castelo, mas ele corre perigo dentro desse teto. Sabe por que, não sabe?

Sieg remoía-se por dentro, apesar do grande elmo ocultando sua face. Olhou para a criança e tomou-a nos braços.

– Titio - repetiu ela, balançando os bracinhos branquelos em direção ao rosto do cavaleiro, tentando atravessar a fenda para os olhos. E então riu.

– Você me pagará um dia. - disse Sieg, dirigindo-se ao colega. - Você sabe o preço de tudo isso para mim. Eu o encontrarei, e acertaremos nossas contas. Agora vá, antes que eu mude de ideia. Suma daqui com sua babá, volte para seus joguinhos de amor.

A rudez de Sieg assustou seu amigo. Sem falar uma palavra, ele fez um sinal a Lia e ambos encaminharam-se para as escadas em espiral de onde os dois cavaleiros vieram.

Sieg ficou em silêncio, olhando para o garoto.

– Titio?

– Não sou seu tio, criança. Sou Elscud Sieghart - disse o cavaleiro, removendo o elmo e revelando um longo cabelo ruivo. - E você, quem é?

– Neal - disse a criança, mais balbuciando que falando.

– Não me contaram que você tinha um nome, Neal. Preciso que faça uma coisa por mim. Pode ser?

Neal concordou com a cabeça. Seus olhos claros brilhavam contra a luz do luar.

– Preciso que pense em sua mãe, Neal. Feche os olhos e pense nela, que tudo vai dar certo. Teremos uma longa viagem pela frente agora. Pode fazer isso?

O albino mudou seu olhar alegre para algo confuso. Virou a cabeça para os lados, como se procurasse sua mãe entre as azaléias.

– Mãe? - exclamou ele em plena confusão.

– Não sabe quem é sua mãe? - perguntou Elscud, desconfiado. Neal demorou para responder. Ao final, apenas balançou a cabeça, tristemente.

Elscud virou os olhos para a escada, estupefato.


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