Eu olhava silenciosamente o céu negro enquanto caminhava pelo asfalto molhado por causa da fina chuva que caía até alguns minutos atrás. Não havia estrelas, não havia a lua, era tudo escuro. Um mórbido e delicioso escuro. Eu soltei uma risada ao longo da enorme rua vazia, ela voltou para mim num eco. Era uma situação divertida, por mais incrível e terrivelmente insano que isso pudesse parecer a qualquer ser humano consciente. Eu respirava aquele ar leve do outono com uma completa tranqüilidade me acometendo mais e mais, alcançando uma paz que me parecia distante antes. O silêncio e a escuridão enlouquecedora me absorviam, como se todo o meu corpo afundasse numa areia movediça maravilhosamente gélida, meus pensamentos pararam completamente, sendo ocupados por uma ansiedade doentia. Essa ansiedade que me fazia rir. Na verdade, era o motivo de tal sensação.

Eu ansiava pelo meu fim. Pela minha morte.

Talvez as pessoas não me achassem tão louco assim. Talvez isso fosse algo normal, e por mais ridículo que isso possa soar, talvez a morte faça mesmo parte da vida, como costumam dizer por aí.

No dia seguinte a única coisa que eu deixaria para trás seria uma pequena nota no jornal, anunciando que um jovem idiota decidira se jogar da ponte. Comum e prático. Uma morte clássica, para não dizer, cretina. E por mais que seja difícil de imaginar, era isso que eu havia planejado durante meses a fio: caminhar até o fim da comprida e vazia Rua Sweet Misery – nome irônico não? – até chegar à enorme ponte enferrujada e me atirar lá do alto.

Você deve estar pensando: ”que cara mais burro, poderia ter planejado meios melhores”. Sim, eu poderia. Mas a ponte da Rua Sweet Misery corta um rio negro e gelado que passa por toda a cidade. É o Bell’s River.

Quando criança eu costumava correr até o parapeito da ponte e jogar pedrinhas lá embaixo, para vê-las caindo os 600 metros e caírem lá embaixo batendo suave contra a água, quase imperceptíveis, como se não estivessem ali. A superioridade e a força da água me encantavam ao mesmo tempo em que me machucavam, pois ao ver as pedrinhas batendo sem nenhuma reação à água, como se nada tivesse acontecido, eu via o que todos nós somos diante da imensidão das coisas, da natureza, do mundo: pequenas e fracas pedrinhas sendo jogadas numa intocável e poderosa correnteza.

Desde muito jovem eu me pegava sorrindo e pensando que aquele seria uma ótima maneira de morrer. Por esse simples motivo eu estava fascinado com a idéia de mergulhar naquele rio tão melancólico, de ir perdendo pouco a pouco os sentidos nele, poder fazer parte uma única vez de sua nobre imensidão. Afundar vagarosamente. Não haveria rastros. Seria doce e frio.

Eu apenas oficializaria um fato que em vida era forçado a me deparar a cada olhada rápida na minha imagem refletida e depressiva: eu já havia morrido.