O Leitor

Aquela árvore dava a perfeita visão da cidade de Palermo. Era ali que Giovanni sentava-se nos dias ensolarados e frescos, com uma brochura melindrosa.

E era para lá que ele se dirigia. Pisava nos destroços da cidade e lia os cartazes pessimistas espalhados pela antes bela província italiana. As ruas estavam desertas e o mundo, de forma completamente irônica, parecia congelado em um momento eternal.

Giovanni caminhava calma e pesadamente, com a respiração falha pelo pouco oxigênio e a grande poluição espalhados pelo ar quase tóxico. Ele chegou à praça martelando sobre o grande assunto da humanidade.

O fim do mundo.

Desde pequenino pensava na obviedade desse fato. Era óbvio que as pessoas morriam e a cada morte acontecia um pequeno fim de mundo. Oras, não era mais romântico ninguém morrer sozinho? E ainda saber que ninguém iria sofrer por sua partida?

Daria um belo livro, pensou com um sorriso de gato, e subiu com passos fortes a árvore pomposa, segurando com a boca o seu pequeno exemplar de ‘’O Pequeno Príncipe’’. O ganhara com cinco anos, nem sabia ler na época, e desde então sempre o levara consigo.

Fazia vinte anos. Naqueles dias não existia fim do mundo, só a alegria da vida temperada com palavras doce-amargas. O poético livro o tinha cativado de tal forma que ele era sua única companhia naquele dia previsto por Giovanni.

Os olhos fracos do rapaz olharam para a página amarela e puída, e formaram um pequeno ricto nos lábios ao ler a primeira frase: “As estrelas são todas iluminadas... Será que elas brilham para que cada um possa encontrar a sua?”. Definitivamente aquele era um livro para passar o fim do mundo.

Naquele dia, de forma inevitável, o mundo acabou. Mas Giovanni era um dos nossos loucos, por isso ele lia ao som do último farfalhar de folhas, e sorria de felicidade nos seus olhos cor de azeviches.

Suas últimas palavras foram ressoantes, retumbantes e eternas. Ele gritou, gritou cobrindo o barulho das explosões meteóricas. Gritou com todas suas forças, porque tinha todas as perguntas e respostas, porque ele tinha lido. E por ler, foi um dos nossos. Um dos que viveram mil vidas.

                                                                                                          ❝ Um leitor vive mil vidas antes de morrer, o homem que nunca lê vive apenas uma. — (George R. R. Martin) ‘’