A Biblioteca escrita por Amber Brownie


Capítulo 3
Sala da Lareira


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!
Músicas que inspiraram o capítulo:
—Special Death - Mirah (Tema da 1ª temporada de American Horror Story)
—The Little Things Give You Away (Linkin Park, Álbum "Minutes do Midnight")



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A lareira crepitava a frente do rapaz enquanto o mesmo estava sentado no sofá lendo mais um livro. Ele se sentia estranho a cada momento que passava, preso dentro da biblioteca. Era impossível saber há quantos dias estava ali, já que não havia nenhum cômodo que tivesse uma janela ou qualquer brecha para que pudesse ao menos ver a luz do sol ou o lado de fora. Apenas as tochas de fogo tentavam minimizar as trevas da biblioteca, mas de certo modo já havia até se acostumado com aquela constante penumbra. A solidão era um amargo mar de silêncio eterno.

Fechou o livro, suspirando. Talvez sua mente estivesse cansada, afinal passava a maior parte do tempo lendo e já havia duas pilhas de livros à sua frente. Sair dali não era uma boa idéia. Aquele, de fato, era um bom lugar, a lareira iluminava e esquentava mais do que as fracas tochas que haviam nos corredores ou no saguão e isso espantava o frio que fazia. Não deveria fazer frio em um lugar fechado, questionava-se, se não haviam brechas, seria lógicamente impossivel que o ar frio entrasse de forma constante e mesmo que fosse por aquela porta, a qual teve a infelicidade de encontrar no seu caminho, dava a impressão que dentro era mais frio do que do lado de fora.

Entretanto, existiam mais coisas curiosas que o atormentavam quanto mais tempo passava naquele lugar. Uma delas era a forma como sobreviviva ali, um lugar sem comida, pouca luz, sem um marco fixo do tempo que o fazia se sentir cada vez mais perdido, era quase como se o tempo tivesse parado literalmente.

Depois de passar pela porta, encontrou a confortável sala da lareira rodeada por estandes de livros onde se abrigou desde então. Suas necessidades humanas continuaram intáctas, foi então quando se perguntou se era disto que as regras se referiam. Ali só haviam livros, tochas, poucos móveis e objetos caros que para aquela situação não valiam nada, não parecia que precisava se proteger de algo. Ele pegou o papel relendo-as mentalmente.

"1. Use os livros, se quiser sobreviver."

O rapaz arqueou uma das sobrancelhas imaginando o que aquilo queria dizer e voltou a guardar o pedaço de papel no bolso da calça preta fitando distraído os livros ao seu redor. Poderia dizer que já estava há bastante tempo aqui e sentiu fome algumas vezes, mas a vontade logo passou quando ele começou a ler um livro qualquer. Ele deu alguns passos ficando por trás do pequeno sofá de dois lugares onde estava sentado ainda há pouco. Suspirou novamente. Não tinha muito o que fazer, e por mais que sua curiosidade de explorar os recantos da biblioteca o deixasse inquieto ele sempre se via travando uma batalha mental para continuar no seu refúgio, protegido do que quer que houvesse além dali.

Havia acordado há pouco, e o sonho surreal que tivera se instalara em sua mente de forma que não conseguia esquecer, mesmo que não lembrasse detalhadamente os borrões distintos que vinham em lapsos. De alguma forma seu corpo estava alerta, como se o sonho fosse um preságio que logo se cumpriria.

Isso o angústiava.

Um som alto veio da lareira chamando sua atenção e o rapaz se virou preguiçosamente para fitá-la cruzando os braços com o cenho pensativo. Havia um problema maior no momento no qual devia pensar, afinal já estava de certa forma "protegido". O problema maior era sair daquele lugar, mas no papel que havia as tais regras não havia nenhuma pista da parte do "como". Presumiu que algum livro poderia ajudar, mas estava redondamente enganado. Eram só livros normais como em uma biblioteca normal.

Não havia nada.

Essa constatação o frustava mais do que ter que se ver matando o tempo lendo sobre coisas inúteis apenas para passar o tempo. Talvez fosse uma boa idéia desvendar os cômodos da biblioteca afim de não se perder. Poderia criar um mapa. O semblante pensativo e frustrado sumiu com essa idéia e iluminou-se. O rapaz andou até a mesa antiga de madeira procurando ansioso por algo que pudesse usar para escrever suas anotações. Abriu as gavetas e seus longos dedos colidiram com algo duro, mas era apenas uma caixa empoirada, no entanto ao empurra-la para o lado sentiu algo gosmento impregnar na ponta dos dedos.

Curioso e inquieto, o rapaz de cabelos castanhos fitou os dedos sujos com a gosma preta de forma crítica e abriu um sorriso de satisfação. Era tinta. Limpou descuidado a mão que havia sujado com a tinta na calça azul escura não se importando em manchá-la de preto e abriu mais a gaveta velha buscando o recipiente que guardava a tinta. Ainda existiam mais três potes médios dentro da caixa, isso deveria ser o suficiente.

Depois de pegar o recipiente de tinta ele o colocou em cima da mesa após fechar a gaveta e andou apressado até a estante que havia detrás do sofá de dois lugares. Sabia que ali havia um livro grande e as suas folhas poderiam servir para traçar o mapa. Na maioria dos livros as páginas finais estavam em branco e esse livro não era diferente. O rapaz o achou nas fileiras do meio onde havia colocado há algum tempo, o livro era grande e tinha a capa verde escura, por isso era bastante pesado também, mas podía abrí-lo na antiga mesa. Ele fitou a mesa velha com o livro nas mãos hesitante, só estava temeroso que a mesa não aguentasse o seu peso. Talvez fosse melhor colocá-lo no chão.

E assim o fez.

Colocou o livro no chão agachando-se frente a lareira que continuava a crepitar e o abriu nas últimas páginas com a mão direita sobre a boca para evitar que a poeira excessiva entrasse nos pulmões. Não podia adoecer, não quando não tinha a mínima noção de como conseguia sobreviver até aquele instante. Feito isso ele se pôs de pé e andou a mesa novamente para alcançar o recipiente de tinta. Até que algo veio a mente, como ele iria anotar os caminhos? Claro, seria simples se ele usasse o dedo indicador. Simples demais. O rapaz balançou a cabeça descartando a idéia. Não havia muita tinta e ele deveria preservar o máximo possivel, afinal não tinha ideia alguma do quão estenso era o lugar. Sem falar nas páginas do livro também. Não havia sentido usar vários livros para um mapa, uma vez que ele poderia precisar carrega-lo consigo e só aquele livro era pesado o suficiente para uma pessoa. Ou poderia tirar as páginas do livro, mesmo assim...

Tinha que encontrar um método mais fácil.

Era impensável utilizar o fio do cabelo, seria muito fino, ou um punhado. Apesar de curto aquecia o cránio, sim, parece absurdo pensar dessa forma, mas o lugar já era excessivamente frio para desprezar o pouco de calor que seu corpo podia reter. E teria que andar pelos corredores, mesmo iluminados fracamente pelas tochas era mais frio que na sala da lareira. Outra ideia descartada. Pela primeira vez desejou ter cabelos grandes, mas não esperaria que crescesse. Pelo menos não agora. Tinha que ter outra maneira.

Após colocar o recipiente no chão foi até o sofá onde descansava a bolsa que carregava procurando algo. Agradeceu metalmente por estar viajando no momento que entrou ali, pois haviam muitas coisas úteis dentro. Mas, nada que pudesse ajudá-lo a fazer os rabiscos. Cogitou rasgar o pedaço de uma roupa mais fina e usa-la, seria complicado escrever, mas não podia perder tempo. Puxou ruidosamente a blusa e fechou a bolsa preta quando algo deslizou para fora caindo lentamente ao seu lado. O pequeno objeto captou sua atenção e ele soltou a blusa colocando a mesma em cima da bolsa. Aquela pena branca era mais aceitável. Voltou a guardar a blusa na bolsa e pegou a pena, sentando frente ao livro e a lareira tendo suas costas apoiadas pelo estofamento do sofá.

Perguntou-se por qual lugar havia passado para ter carregado a pena até aqui, mas abandonou esse pensamento concentrando-se no mapa. Precisava medir o tempo de alguma forma para ter noção de como estava progredindo. Piscou. Dormira quatro vezes desde que entrara, então poderia dizer que haviam se passado quatro dias. Fitou a sala da lareira e afundou gentilmente a ponta da pena na tinta preta como carvão.

A sala da lareira era relativamente redonda como uma meia lua e havia um pequena escada que levava a um escritório onde havia uma cama velha e empoeirada rodeada por teias invisíveis de aranhas. O rapaz poderia dormir lá se tivesse pelo menos uma tocha para iluminar e esquentar o cômodo, como não havia poderia dormir no sofá ou no tapete felpudo cheio de poeira. Sempre preferia dormia no sofá, por mais terrivel que fosse a dor nas costas quando acordava. Talvez ele pudesse pegar uma ou duas tochas para dormir confortável no escritório. Aquela biblioteca era cada vez mais estranha, geralmente não haviam camas em escritórios de bibliotecas. Pelo menos, nunca tinha visto.

Talvez fosse um castelo ou algo parecido?

Ignorou, voltando a rabiscar no papel. Os únicos lugares que conhecia até agora eram o saguão, a sala da lareira, e os corredores que o levaram até lá. Teria que andar além daquele "mundo" se quisesse encontrar algo útil ou alguma pista. O rapaz limpou a tinta que começava a impregnar na pena branca e suspirou fundo colocando-a no centro do livro. Levantou-o consigo e se preparou para sair da sala, mas hesitou ao sair sentindo o ar frio no corredor.

E saiu.


[...]




Acordou assustado ouvindo gritos e se sentou no sofá tentando acalmar a respiração ofegante. Parecia ter sido apenas um pesadelo, real demais. A lareira apenas crepitou alto como sempre e o rapaz respirou fundo coçando distraídamente os cabelos bagunçados. Fitou o livro verde que estava aberto no chão de relance, pela sua lógica já haviam se passado quase dois meses ali dentro, mas o mapa que estava fazendo parecia apenas um quarto de toda a biblioteca, mas já descobrira lugares úteis e seguros. Havia um banheiro enorme no que ele chamara de ala leste onde haviam sanitários e pias, que mais parecia ter saído de um livro de terror, vidros quebrados que estavam por todo o cômodo faziam pensar como se não estivesse apenas uma pessoa dentro.




Sabendo que não iria conseguir voltar a dormir ele ficou de pé e pegou o livro saindo novamente da sala. Essa tinha sido sua rotina desde então, acordava, saía para achar novos cômodos, anotava suas descobertas, voltava lia alguns livros e dormia novamente. Era entediante, retirando a parte os cômodos curiosos que descobria a cada dia, como a sala do piano e um salão cheio de estátuas reluzentes de ouro puro. Tudo era incrível, mas ao mesmo tempo aterrorizante.


O rapaz parou, estático ao chegar no saguão e fitar o lugar onde deveria estar a porta, ele não havia percebido já que havia passado por ali muito tempo atrás. Não tinha nenhuma porta. Nada. Sua respiração começou a acelerar novamente, aquela era o único lugar onde sabia que poderia sair. O que faria agora? Teria que procurar, se possível iria vascular todo aquele lugar, para achar aquela maldita porta novamente, mesmo não tendo idéia de como sair dali.

Um barulho alto o assustou e sem perceber o rapaz prendeu a respiração. Engoliu em seco. Virou apenas um vulto escuro correr com pressa indo para o corredor que ele sabia que iria direto para o banheiro que havia descoberto há uma semana. Temeroso, o rapaz se viu travando mais uma batalha mental e decidiu ir até lá. A única arma que teria para se proteger era um caco de vidro quebrado e no máximo poderia se defender com a capa grossa do livro. Andou tentando ser o mais silencioso possível e entrou no banheiro.

Esse cômodo era o único que ele não gostava.

Agora, respirando de modo calmo e tranquilo ele se sentiu um pouco confiante. Fitou os lados e não viu nada. A única coisa que viu foi seu própriro reflexo nos espelhos quebrados, seus olhos passando por vários seus como se fosse um espectro distorcido, dando aquela sensação incômoda de que não estava sozinho.

Mas, dessa vez ele sabia que não estava.

Ouviu um barulho baixo e estrangulado e continuou a fitar ao seu redor com os espelhos confundindo sua mente levando a direção errada do som, as imagens se quebrando em vários pedaços de seu corpo e se fundindo sem simetria logo se deformando como um reflexo na água clara e límpida. Teve que fitar os próprios pés para se livrar da sensação que parecia girá-lo e confundi-lo até finalmente se render as afiadas pontas cristalinas dos espelhos. Mas, ao fazer isso automaticamente prendeu a respiração.

Havia várias e pequenas manchas perfeitamente redondas e escuras no piso claro como marfim.

Gotas de sangue.


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Notas finais do capítulo

Demorou, mas saiu. Agradeço imensamente o único comentário no último capítulo e sinto muito pela demora a atualizar. Mas, daqui em diante vou ter que narrar em 3ª pessoa porque os personagens vão começar a aparecer e eu quero manter o mistério rs. Então, o que acharam do capítulo? Críticas? Sugestões? Comentem!