Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes
Notas iniciais do capítulo
Primeiro: O verso que se repete no texto é uma vinheta do cd do Zeca Baleiro, de nome "O Coração do Homem Bomba". Segundo: Não quero espalhar ódio, só amor. Gente, é uma coisa que acontece, e, pra deixar claro, sou contrária a esse tipo de comportamento, ok? Agora, podem ir.
Acordou, e, ao lado da cama pronunciou palavras num tom inaudível e numa língua que não era a minha. Com as mãos na altura da orelha, deixou para trás todos os elementos mundanos, colocando-as, em seguida, sobre o abdômen, submetendo-se a Deus. Iniciou suas orações lendo o Alcorão, com a ideia xiita reverberando na mente. Sua religião perdia força, era necessário ganhar a guerra em nome de seu profeta.
O coração do homem bomba faz tum-tum, até o dia em que ele fizer bum
Dirigiu-se ao trabalho, a torre mais alta do lugar onde vivia. Fora-lhe custosa a caminhada para chegar nesse ponto, precisava de cuidado agora que estava prestes a por tudo em jogo. Lembrava-se da infância, do lugar árido onde lhe tinham ensinado que a vida era um desperdício, que ele era um ser inferior, e que devia se submeter. Sabia que era um nada. Mas em breve se tornaria tudo.
O coração do homem bomba faz tum-tum, até o dia em que ele fizer bum
A recepcionista reparara que o homem parecia mais gordo, mas não pareceu um comentário oportuno, então guardou para si. Ele percebeu que ela o notara, mantendo os olhos no chão, e pensando em como ela devia achá-lo estúpido. Era um homem burro. Alá o salvaria, lembrou sorrindo, enquanto subia as escadas. Não podia arriscar o elevador, cada segundo devia ser planejado, o esforço deveria ser o maior de todos. Além disso, era palestrante hoje, só precisava subir dois andares.
O coração do homem bomba faz tum-tum, até o dia em que ele fizer bum
A plateia já o esperava. Ele falaria sobre como se tornar um homem de sucesso. Tinha, em 26 anos de vida, saído de um mundo miserável e se tornado bem sucedido, com um dos melhores cargos na empresa petrolífera em que trabalhava. O início do discurso saiu trêmulo, baixo, tinha dito que não precisaria de microfone, mas agora todos já começavam a duvidar. Ofereceram, por três vezes, o aparelho, somente para serem recusados. O dito era dito, não se podia voltar atrás. E então, ele visualizou, no relógio ao fundo da sala, os ponteiros estrategicamente posicionados no meio dia. Ele sorriu.
O coração do homem bomba faz tum-tum, até o dia em que ele fizer bum
Na televisão, a jornalista mostrava fumaça saindo pelas janelas do prédio de janelas destruídas, e os muitos corpos estendidos pelo chão, cobertos de preto. Paramédicos realizavam os procedimentos na calçada, enquanto frenéticas ambulâncias iam e vinham ao som das sirenes, carregando os feridos. A mãe, sentada na sala escura, não tinha nenhuma lágrima lhe toldando a visão. Sem demonstrar nenhum tipo de expressão, pronunciou a palavra shahid, referindo-se ao filho como mártir. E então, agora já esboçando um sorriso, deixou escapar “Graças a Alá, meu filho está morto”. O paraíso o aguardava.
O coração do homem bomba faz tum-tum, até o dia em que ele fizer bum
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Agora, por favor, sejam honestos me dizendo o que acham, que tal?