Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 24
Deus é o sorriso de um pretinho.


Notas iniciais do capítulo

Para você que chegou até aqui, e se assustou com o título, acalme-se. Você perceberá que esse conto é meio diferente de todos os outros, mas ele é único, e os que o seguirão voltarão ao meu normal. Eu prometo. Então, dê uma chance a ele. Eu pensei muito antes de publicá-lo. Ele foi salvo do lixo muitas vezes. E talvez por sobreviver mereça vir para cá. Bem, você poderá me dizer, se discordar. Conversamos melhor lá embaixo, depois que tiver lido, ok?



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Sentia fome, mas não pararia no boteco logo à frente. Sentia fome, mas não comeria, para não engordar. Sentia a fome dos homens que comiam-na com os olhos.

Sentia frio, mas a blusa ficara esquecida. Sentia frio, mas estava longe demais para voltar, e logo estaria em casa. Sentia frio, mas não abraçaria o próprio corpo em busca de calor para não fazer saltar os seios.

Sentia medo, porque estava sozinha, e logo escureceria. Sentia medo, porque precisava chegar em casa. Sentia medo, porque era mulher, e estava subentendido em sua condição sentir medo.

Tinha pressa, então tomou um táxi. Meio insegura, brincou com os próprios cabelos enquanto aguardava no banco traseiro. Tinha fome, frio e medo, mas tinha também dinheiro suficiente para pagar pela corrida.

Tão logo chegou, lembrou-se de agradecer a Deus, que a permitira chegar bem. Tantas jamais chegavam... Não se permitiu pensar nisso. O bebê a esperava no berço. Dependia dela, porque não tinha pai.

As mulheres que não chegavam pouco importavam. Sentir fome, frio, medo... Pouco importava. Para Maria a felicidade era o sorriso daquele pretinho que ela acalentava com canções de cabaré. E a felicidade também era Deus, que a protegia. E Deus era aquele sorriso de bebê.

Maria aquece a comida, e pega uma blusa. Dá de mamar ao neném. Conta os trocados no bolso, e vê que darão para o mês. Tranca a porta, e deixa de sentir medo. Deixa o corpo cair no sofá. Espera o filho dormir. Dorme também, porque merece.

Maria entende. Maria é da vida. Maria é a vida. Maria, que sente fome, frio, medo. Que tem um filho pra criar. E que é feliz, de vez em quando. Maria, que nunca será mais do que é. Que é mãe do preto que é todo o Brasil. Que sabe o que é ser mulher.


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Notas finais do capítulo

Viram? Quase indolor. Agora me digam o que acharam. Para mim, ainda falta alguma coisa. Mas eu simplesmente não consigo enxergar o que é. Estou a semanas tentando. Então, deixei de tentar. Ele é isso. Só isso. Pelo menos até agora...
Enfim, obrigada pelo voto de confiança. Até os reviews.



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