Se não fosse a mim, eu diria que a cena foi grandiosa. A espada por si só já fazia uma grande parte, mas o olhar assustado de Mayumi, o sangue voando, a precisão do corte e, principalmente, o comportamento das maldições foi o grande ápice.

 Quando atravessei a espada no meu abdômen, as palavras que antes se espalhavam sobre mim, agora corriam todas caoticamente até o lugar do corte, subindo sobre o risco vertical da espada e se alojando novamente sobre sua guarda. Ao mesmo tempo, o gato amaldiçoado que antes rosnava para algumas palavras que chegavam perto dele, ao perceber um corte que julgasse perigoso para minha vida, fez aquilo.

Aquilo, respondo a você, é uma das atitudes mais irritantes que a maldição faz. A maioria das maldições tem por objetivo matar, torturar ou incapacitar o amaldiçoado, como essa que acabei de ganhar, que estava tentando me matar. Mas a Maldição dos Zodíacos se comporta de forma diferente, principalmente a do Gato. Elas não querem o mal físico de seu portador, pelo contrário, protegem-no de forma irritante. Pequenas feridas são cuidadas por regenerações mais rápidas do que o normal e isso já é uma diferença enorme que nos salva de muitas situações onde pessoas comuns ficariam semanas internadas. Já em feridas internas e mais graves, a maldição toma medidas “drásticas”... Ela recobre todo o corpo por um escudo, algo parecido com um manto luminoso que concentra toda a energia do portador no lugar do ferimento, assim imobilizando e regenerando-o numa velocidade incrível, até que não tenha mais risco à vida, depois se desfaz.

 Bem, não é tão legal quanto parece. Além da desvantagem de imobilizar, também suga tanta energia que eu acabo desmaiando depois de um tempo. Essas são as desvantagens para mim, mas as desvantagens para um desavisado são muito piores, eu diria.

 Aquele escudo aniquila qualquer coisa que o tocasse, como a pobre espada, tão bela e tão quebrada...

 Espero que os Viginti sejam prudentes o suficiente para seguir o que avisei.

 Tisha foi. Ela continuava com a mesma expressão usual, observando o que se passava. Já Mayumi não. Na fração de segundo em que o escudo começou a tomar meu corpo, ela correu até onde eu estava, provavelmente preocupada com o ferimento que eu mesmo havia feito.

 - Não rele em mim! – Disse, com o maior esforço que conseguia fazer. E foi eficiente, ela ficou paralisada no exato local.

 A luminescência começou no lugar onde o Gato estava. Do peito sentia aquela dormência quente se espalhando e roubando meus sentidos, minhas forças e meus movimentos.

 Com o canto do olho conseguia ver Kanro saindo da barraca, ainda aos tropeços, mas com a mesma expressão de desespero de Mayumi ao ver-me. Confesso que para leigos seria um tanto quando estranho. Imagine-se no seu lugar, acordando sem saber o que se passou e a primeira coisa que vê ao conseguir andar é um de seus “companheiros” brilhando estranhamente com um enorme corte na barriga e uma poça de sangue aos seus pés logo depois deste lhe falar algumas coisas estranhas. Bem, seria difícil para qualquer um digerir, mas Kanro, mesmo sem entender o que acontecia, tomou a decisão certa ao seguir a risca o que disse a ele.

 Parecia ignorar o efeito anestésico quando percebeu a situação e se moveu instantaneamente até onde estavam os dois inimigos e, suando frio, abriu uma porta e os empurrou para lá dentro, provavelmente achando que eles eram a causa do meu ferimento. Depois disso deu um longo passo para o lado de Mayumi e puxou-a para longe de onde eu estava. Tisha por si só andou até lá e isso foi a última coisa da qual eu me recordo.