Apenas algumas horas haviam se passado desde o incidente. Algumas horas desde que encardira suas mãos com o sangue sujo de seu pai, aquele homem que jamais poderia sequer ser considerado um ser humano aos olhos de qualquer um. Por mais que se livrasse das provas do homicídio e tingisse as águas com o líquido rubro ao lavar as mãos, podia ainda sentir a essência impura daquele homem em sua pele. Lavava as mãos repetidas vezes em desespero, em uma tentativa inútil de livrar aquela sensação odiosa de si, até que, subitamente, o pequeno garoto fica totalmente imóvel e em profundo silêncio. Percebeu que não havia como livrar-se daquela mácula, pois a podridão já residia em seu próprio ser. Filho daquele homem sem caráter algum, o sangue dele corria por dentro das veias da criança, que sem o menor aviso começou a rir diante desta constatação, somente para momentos depois escorrerem-lhe lágrimas em abundância pela face morena, sem que pudesse controlar.

━ Isso nunca irá mudar... Não é mesmo?

Murmurava para si mesmo, caindo prostrado de joelhos e encarando o horizonte. De onde estava, podia ver uma boa parte da favela e, bem ao longe, afastado de qualquer interação popular, estava o palácio da família real de Balbadd, que provavelmente naquele momento desfrutava dos maiores prazeres que a vida poderia oferecer. Seria justo uns possuírem tão pouco e outros tanto assim? Não deveria ele, um mero garoto da favela, poder ter condições de ser tão bem tratado quanto eles? Por que será que o destino o reservara uma vida tão cruel, onde tinha até mesmo que matar o próprio pai para poder defender a honra de sua amada irmã mais nova?

Por mais que questionasse aos ventos, jamais recebia resposta. Ou, talvez, fosse esta justamente a resposta que devia receber. As pessoas eram diferentes, afinal. Se ele queria ver sua justiça sendo feita, deveria agir pelas próprias mãos; não há família ou amigos em que possa depender para isso.

Quando enfim, resoluto, acalmou-se, retornou para consolar Mariam. O que não esperava era o fato de que a menina havia sido acolhida por Anise, uma das prostitutas da região, e que por sinal era mãe de Alibaba, seu grande rival na hora das brincadeiras.

Era uma bela mulher, e seu interior tão belo quanto o exterior, acolhendo a ele e a irmã como uma verdadeira mãe que nunca se lembrava de ter possuído.

━ Ei, Kassim! Somos amigos, não somos?
          O garoto loiro costumava dizer com um grande sorriso ao mais novo membro da família conforme passavam-se os dias, daquela maneira tão pura e inocente como ele sempre tivera. Era quase palpável a atmosfera de luz e amor que emanavam da mulher e de seu filho. Isso mesmo, Alibaba possuía o sangue puro de sua mãe, ele era diferente. Jamais iria ter que sofrer do asco por si mesmo como ele sofria.

━ Onii-chan, venha brincar com a gente!

Mariam. Mesmo manchada com aquele sangue maldito, não permitiria jamais que ela sucumbisse a tal ponto como ele. Naquele momento, a menina faz um pequeno beiço, puxando insistentemente nas roupas do irmão mais velho.

━ Vamos logo, a tia Anise vai contar uma história pra gente! Vou pedir para ser a princesa. Onii-chan, pode ser o meu príncipe se vier agora!
Com isto, a pequena correu aos risos pela casa. Definitivamente, não era digno dessa alegria, mas, como todo o ser humano, iria aproveitar de sua primeira oportunidade de felicidade, agarrando-se a ela com todas as forças. Quem sabe quanto tempo poderia durar? Talvez Ele estivesse com pena de sua pequena existência, por mais que não acreditasse em piedade.

Mas se tinha algo em que acreditava com toda certeza, era uma única coisa apenas.

A plena felicidade jamais perdura para aqueles que amaldiçoam o destino.