Como Se Tornar Completamente Irresponsável escrita por isafelix


Capítulo 6
A Missão




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Sexta-feira:

     A festa aconteceu a alguns quarteirões da escola, mas isso não me preocupou. Toda a cidade é relativamente pequena e a maior instituição, além da igreja da praça principal, é a escola. O Diretor tem contatos em toda e qualquer família daqui e se ele estivesse preocupado conosco e quisesse nos impedir provavelmente o faria.

        Então lá fomos nós, dez horas da noite, Daniel, Marra, Guilherme e eu, juntos. Os outros saíram antes ou depois. Trajávamos nossas roupas caras de playboys assumidos, camisas estilo Lacoste e Abercrombie, tendo uma mudança significativa apenas na cor e na marca. Descemos as ruas desertas, iluminadas por aquelas luzes amarelas, que dão um sempre olhar sinistro e bucólico. O lugar foi fácil de identificar, porque a casa emanava fumaça a uns cinco metros de distância, luzes piscavam vindo de dentro, carros estavam estacionados à porta e várias pessoas conversavam e bebiam no jardim da frente.

        Nós entramos ao mesmo tempo na sala, que consistia em um lugar apertado como uma caixa. Pessoas dançavam em meio a luzes brilhantes, verdes e roxas, - na verdade, toda parte era roxa, graças à luz negra – música repetitiva, que parecia no mesmo ritmo do meu coração, e fumaça. A mesa das bebidas situava-se logo na sala ao lado, onde mais pessoas dançavam, bebiam, fumavam e se pegavam. Se pegavam, mas nem tanto quanto acontecia na varanda ao lado. Era um lugar cheio de sofás ocupados por casais, uns degraus e um quintal, cheio de lixo, mato, caixotes e mais pessoas.

         Peguei uma dose e voltei para a sala onde as milhares de pessoas dançavam. Festas são chatas até você ficar bêbado. O que mais há pra fazer? Cumprimentei todas as pessoas ali, elas vinham a mim, não sei como me localizavam. Eu via seus rostos em meio as luzes coloridas, mal me lembrava de seus nomes e não conseguia ouvi-las. Por uma meia hora variei de rodinha de dança para rodinha de dança, enquanto pegava mais doses.   

        Logo tudo aquilo perdeu o sentido social; as cores e movimentos passaram a ser mais importantes. Fiquei pulando na pista em meio àquelas pessoas desconhecidas, sem pensar em nada, só no sangue fluindo mais rápido e nos riscos coloridos das luzes.

         Até que alguém puxa minha mão e me conduz para um canto mais vazio. Era Talita e seu coque cheio de miçangas (eu sei disso pois elas brilhavam graças a uma tinta fosforescente e reluziam, eu não conseguia parar de olhar...). Ela continuou dançando à minha frente, em meio às luzes brilhantes, e eu, tonto, conseguia encarar seus olhos puxados, blusa amarela, peitos, boca sorridente cheia de brilho, peitos, olhos. Eu dançava também. E não sei como, mas por pouco tempo continuamos separados; no minuto seguinte nos agarrávamos.

        Normal, nós fizemos isso o ano passado todo. Nas poucas vezes em que nossas bocas se soltavam para podermos encher nossos pulmões daquele ar viciado, ela grudava sua cintura à minha, enquanto eu segurava seus quadris e dançávamos no ritmo do forró. Ela, mais baixa, só alcançava o meu pescoço com a boca e, sempre que possível, beijava-o violentamente, enquanto eu passava a mão em sua bunda.

        E, de novo, nós nos separamos definitivamente não sei por qual motivo. A próxima cena de que eu me lembro sou eu pulando na pista de dança, em meio a várias cabeças que passavam por meus olhos uma a uma, bocas sorridentes, garotos com gravatas ao redor da testa. Estava quente.    

        E, no próximo frame, achei Greg em meio à multidão. Eu reparei em sua camisa, pois não era chique ou social, apenas uma regata em um marrom um pouco mais escuro que a pele dele. Minha mente tonta deve ter ficado um longo tempo analisando esse fato, pois ele precisou estalar os dedos a frente de meus olhos duas vezes. Riu de mim, do meu estado de torpor, mas eu só podia reparar no branco dos seus olhos e seu sorriso enorme, dentes brilhando a luz negra. Ele riu novamente e me bateu na testa. Eu fechei a cara e o agarrei numa chave de pescoço amigável. Ele se soltou de debaixo do meu braço e dos cascudos que eu desferia em seus cabelos crespos, tentou revidar, mas eu corri. Pelo menos tentei correr, embora saíra um cambaleado de bêbado que me levou a varanda.    

       E quem eu acho lá? Meu casal favorito, Talita e Daniel. Ele parecia mais bêbado do que eu. Os dois só estavam sentados em cima de uns caixotes de madeira, perto do muro. Daniel deitava a cabeça em cima do ombro dela, embora ficasse escorregando-a para seu peito. Ela não tinha reação, só sorria daquela forma safada, enquanto olhava para a noite escura. Eu segui até eles sem pensar. Ela segurava uma garrafa de José Cuervo. Olhou-me, sem mudar a expressão e olhar oblíquo, nem um pouco preocupada com Daniel estar ali e eu também.  Eu me sentei ao seu lado e passei a observar a lua, grato pelo som estar mais baixo ali. Ela bebeu um gole da garrafa e me estendeu. Daniel terminou de cair, deitando-se por definitivo em seu colo.       Muito surpreendentemente, àquela hora já eram três da manhã. Horário de recolher, há, há, há. Dessa vez, só precisávamos chegar antes da escola começar a funcionar, às cinco e meia da manhã, e torcer para ninguém nos ver (a menos que possamos corromper esse alguém).

         Chamei Daniel para irmos e ela nos acompanhou. Ele andou se apoiando em mim, eu meio o segurava com um braço enquanto o outro braço envolvia a cintura de Talita. Subimos as ruas devagar, aproveitando o silêncio e o friozinho. Felizmente algumas cidades pequenas do Brasil não são tão perigosas e pudemos ir em paz.

         Despedimo-nos de Talita na praça principal e ela foi para casa, bem ali ao lado. Um pensamento passou por minha mente: será que os pais dela não ligam dela sair com uma mini-saia para uma festa desconhecida e voltar àquele horário? Ai eu lembrei que os meus nem sabiam que eu saíra.

       Daniel e eu continuamos cambaleando e entramos pelo portão de cargas, o mais vazio e excluído, ao lado do Mato e da última e mais longínqua quadra. É fácil passar nele, pois tem uma falha e conseguimos adentrar por entre as frestas.

        Esgueiramo-nos para os alojamentos. Eu morria de medo de ser pego por algum guarda, mas tudo deu certo.

       5:00

     Eu acordei antes do sinal matinal, porque meu estômago quase me matava. Eu já tive ressacas fortes antes, mas a falta de horas de sono para me reconstituir fazia aquela parecer como se o inferno estivesse dentro de minhas tripas. A janela ao lado da minha cama dormira aberta, mas eu não sentia frio. Cinco da manhã, a escuridão e o silêncio ainda imperavam. Gosto do silêncio da manhã, as últimas respirações pesadas, o modo de se virar na cama, despertando.   

     Mas, só sentia vontade de morrer, fugir, chamar minha mãe pra me tirar daqui. Remexi-me na cama, virando para lado. Max dormia, enrolando no cobertor como um feto. Olhando para aquele lado, pude ver a luz do corredor já ligada, passando pela fresta da porta. Oh, não.

     5:30

      Como eu queria estar na Alemanha com Sky. Dormindo em sua cama, só abraçando sua barriga pequena. O sexo nem seria necessário. Só ficar lá, sentindo seu corpo e sua respiração. Ao invés disso, ganho o som horrível do sinal. Max se sobressalta na cama. Ele me olha, seus olhos meio arregalados, respiração quase ofegante. Passado o momento inicial de agitação, ele se deitou de novo.

      - Que horas são? – Perguntou, com a voz meio grogue. Eu peguei meu celular e olhei, embora já soubesse. A luz me cegou por um instante.

       - Cinco e meia. – Eu disse, com certa dificuldade, porque senti o vômito subir à minha garganta. Desci da cama, me controlando. Acendi a luz e segui para o banheiro. Nosso quarto é uma suíte, afinal, meu pai paga uma grana preta pra esse lugar, eu merecia no mínimo um banheiro próprio. Ele gemeu por causa da claridade, mas continuou deitado.       

    

    5:35

    Cenoura bate na porta, gritando. Acho que ele voltou à escola somente hoje. Ele é um oficial louco. Tem 17 anos, 1,80m de altura, usa o cabelo alaranjado raspado, que o assemelha a alguém que caiu de cabeça num balde de tinta. Eu estava tentando voltar a dormir, desmaiado de bruços, sem camisa, na minha cama. Ele abriu a porta e entrou, pulando como um macaco, literalmente. Não sei aonde consegue tanta energia.

      - Lilililili, lólólóló! – cantou, imitando uma mistura de macaco com um vídeo de internet. Max o olhava arregalado, encolhido na cama, meio puxando o cobertor pro peito.     

    - Por que vocês não estão de pé ainda, cadetes?! – esbravejou, sarcasticamente – Desçam agora, ou farão flexões!

      Eu o encarei com tédio. Ele soltou outra risada de zombaria e rumou a saída do quarto, pulando de novo.

       - Brincadeira, Lili, por que essa braveza? – falou, antes de sair, se dirigindo a mim – Mas, sério, desçam logo!

      Bateu a porta. Olhei Max, que ainda estava aterrorizado.  Eu me levantei, vagarosamente, e fui até o guarda-roupa. Enfiei o uniforme do treinamento, uma camisa branca, com o símbolo da escola, shorts pretos e tênis. Encarei Max de novo, que não se mexeu.

       - Você vem ou não?

       - Onde você estava... à noite? - perguntou, inocentemente. Pelo menos acho que foi, agora. Mas, na hora, não estava com cabeça.

       - Por que? Você vai me dedurar? - falei, mal-humorado. Eu não havia arrumado minha mochila. Não sabia para onde iríamos, o que faríamos, se dormiríamos lá. Logo ficaria atrasado e Thiago gritaria comigo. Peguei minha mochila de pano, verde, enfiei duas camisetas, uma calça jeans, cuecas, um isqueiro, meu canivete, garrafa d'água e umas notas emboladas. Estava ótimo. Saí do quarto sem olhar para trás.

        Ao descer o último degrau, meu estômago não agüentou mais. Por sorte, consegui não vomitar lá, mas joguei a mochila no chão e corri ao banheiro do lado de baixo. Ele é tão nojento que vomitei facilmente. Quando saí, encontrei Chefe de braços cruzados e bochechas vermelhas.

        - Eu dei aquela festa para você fazer contatos, não para ser um vagabundo bêbado. Ficou pegando aquela sua putinha a noite toda! - gritou, brandindo o punho. Eu mandei o dedo para ele e continuei reto.

Ele me seguiu, gritando.

         Aproximei-me de uma poltrona onde Drew se sentava. Daniel e Guilherme apareceram, um debruçado no outro, ambos cambaleantes.

           - Tá com soninho? – Drew zombou-os, abrindo um sorriso divertido. Daniel semiabriu os olhos e o atacou, mais rápido que seria possível alguém naquela condição de sonolência. Deu um soco na barriga dele, mas só teve risadas como reação. Eu abracei Daniel com um braço. Envolvi seu ombro.

          - Como você está, cara? - perguntei, rindo. Ele virou seu rosto na minha direção.

          - Terrível. Pior do que merda. Não dormi nada.

          - É claro que não, vocês são quase uns drogados! - Chefe continuou gritando. Felizmente foi interrompido, porque Átila apareceu, correndo, escadas abaixo, sendo seguido por Thiago, que o chicoteava com uma toalha molhada e enrolada, bravo. Átila não se abalou graças a Thiago, subiu no sofá e bradou:

     - OK, pirralhos, eu sou o líder e vocês devem me obedecer!!

       - Diretas já! Diretas já! – Eric gritou, vindo do corredor de escritórios.

       - Calem a boca e andem logo – Thiago, mal-humorado, como sempre, mandou e abriu a porta da sala.

      Após o café, nós fomos ao pátio onde Murilo nos esperava. Ele é o adulto responsável por nos vigiar nessas viagens. É alto, careca e muito gordo. Certeza que ele já fez ou faz parte da máfia, porque sempre parece pronto a assassinar alguém. Era do exército, dizem que nasceu dentro de um quartel. 

       Cada Companhia vai para um lugar diferente e a maioria já marchava para seus respectivos miniônibus. Murilo nos repreendeu por estarmos dois minutos atrasados e nós seguimos para nossa própria lata velha. É uma espécie de van piorada, só um pouco maior. Caindo aos pedaços, pintura verde descascando e enferrujada. 

     Viajamos pelas estradas esburacadas por um tempinho. Toda vez que estava prestes ao dormir, após apenas me concentrar nos enormes campos verdes que envolvem a estrada, alguém me batia e eu voltava a acordar. Mal tinha forças para permanecer sentado, quanto mais para revidar. Não sei se chorava ou agradecia por a viagem ter sido curta. Os garotos não pararam de cantar e de se bater nem um minuto durante nossa estada no ônibus, mas chegar significava trabalhar.

      Estacionamos à porta de uma fazenda. Era limpa, gramada e bonita. Via-se pouco mato na entrada. A casa principal, enorme. À frente da porteira branca, um homem nos esperava. Ele se apresentou, com toda demagogia possível, falando com uma voz usada para bebês entenderem. Ao seu lado, três mulheres, uma mais feia do que a outra, assentiam e sorriam.

        - Queridos, gostaria muito de agradecer a presença de vocês aqui. Sei que não é fácil achar motivação para acordar tão cedo assim no sábado, mas o trabalho de vocês será recompensado. Trabalhar muda os rumos de uma vida. Ensina responsabilidade, coisa que, se vocês adquirirem, será um beneficio para o resto da eternidade... - falava, com a palma estendida acima dos olhos, para impedir o sol, já maçante, de cegá-lo. Continuou o discurso por algum tempo. Nós ouvíamos em silêncio, senão Murilo nos mataria. Só foi chegar ao ponto principal depois de várias delongas: - Hoje, vocês me ajudarão a reflorestar. Isso é muito importante para a natureza. Vocês aprenderão os valores de se amar outras vidas, a vida das plantinhas! Então, nós lhes forneceremos almoço e aulas sobre a produção de soja! Vocês não tem idéia de como estão me ajudando. Minhas assistentes responderão qualquer dúvida que os senhores tiverem.

     Terminou, sorriu e se virou, indo embora. Nós fomos conduzidos pelas feiosas fazenda a dentro. Passamos pela casa principal, seguimos à uma plantação de eucalipto, bem mais abaixo. Ao lado das últimas plantas, havia um espaço aberto, composto de terra negra e saquinhos com mudinhas. As assistentes nos direcionaram, enquanto explicavam como ajudar a natureza é importante!

       Eu estava tão cansado e passando mal em um nível que mal pude pensar em protestar. Thiago nos organizou, distribuiu as tarefas, enquanto Haroldo, o novato de cabelos castanhos lisos, olhos mel e queixo grande, protestava: "nós não somos escravos de Diretor!". Enquanto reclamava, cavava o chão, preparando para plantar, bem mal-humorado.

       Todo meu corpo doía em enormes proporções. Eu mal conseguia parar sentado, cavando. Também tenho um enorme ódio dessas tarefas. Olhe meu estado. Doente, horripilante, mas mesmo assim, forçado a fazer algo inútil, que eu odeio, só porque alguém de quem eu nem tenho afinidade mandou. Diretor ganha dinheiro e poder nos obrigando a trabalhar. Todos os fazendeiros nos "contratavam" por sermos muitos e baratos. Por cima disso é só colocar uma lição de moral. Ah, plantem, porque senão o governo me multará, onde destruímos o cerrado natural para lucrarmos com soja.

        Foi uma longa, longa manhã. Murilo provavelmente anotou uns trinta deméritos para mim. Thiago e ele gritavam comigo o tempo todo, por não conseguir colaborar direito. Eu nem me importava. Minha concentração focava-se em não vomitar. Fora isso,  o sol quase me matou. Ele piorava tudo. Sentia cada parte de meu corpo queimar, enquanto cavava um buraquinho e enfiava o saco com a muda lá dentro. Mil vezes isso. Via a terra desfocar-se, aproximar-se e afastar-se. Antes, podia ver cada grão de terra, naquele momento, era tudo um risco preto, maciço, como se tivesse sido pintado de tinta.

      Deitei-me. Só planejava em ficar por um segundo, mas não consegui mais levantar, não tinha mais forças. Gris foi o primeiro a ver. Ajoelhou-se ao meu lado. Sua cabeça ocupava quase todo meu campo de visão, junto ao lindo céu azul. Ele, todo suado, pingava. Deu-me tapinhas na bochecha de leve, enquanto perguntava se eu me sentia bem. Eu assenti, mas ele não parecia ver isso. Talvez só tenha assentido em minha mente.

       Depois aglomerou-se Greg, o novato Matheus, Felipe, Cenoura e Murilo ao meu redor. Fizeram-me sentar e chamaram a assistente.

       Não sei como consegui cambalear até a casa principal da fazenda. Sei que ela parecia a casa de minha avó, que mora em Minas. Piso de madeira, paredes brancas, cheiro de comida de fazenda, móveis grandes e antigos, mas conservados, salas espaçosas. Deitaram-me em um cama, me deram água e eu dormi.

       Dormir é fantástico. Acordei às quatro da tarde, bem melhor e mais feliz. Feliz, embora por pouco tempo. Localizei logo onde meu colegas estavam, pois em uma sala próxima havia grande barulho.

A sala era incrível. Dois sofás enormes de couro, piso de madeira, uma mesa de sinuca no meio, um armário cheio de livros e ventiladores por toda parte. Mas mesmo com tantas distrações, quando eles me avistaram, praticamente todos se viraram para mim ao mesmo tempo, gritando.

        Daniel e Drew me receberam com uma chave de pescoço e cascudos, enquanto eu tentava fugir. Desvencilhei-me deles só para cair nas garras de Rafael e Treco, que me jogaram sentado no sofá, ao mesmo tempo em que insinuavam socos e chutes. Eu ria e protestava. Mas parei de achar engraçado quando Murilo veio me dar bronca.

      - Saiba que o senhor ganhou dez deméritos! - o que é relativamente muito. Méritos servem para você ganhar privilégios e deméritos, para perdê-los. - E Trevor receberá um relatório completo de seu comportamento!

       - Eu passei mal, Murilo, o que você queria que eu fizesse? - reclamei, fechando a cara e abrindo os braços. Ele estava em minha frente, de olhos arregalados graças à irritação.

       - Passando mal de ressaca! Essa é a melhor parte! Darei ênfase nisso!

       - De onde você tirou isso?! - me defendi, fingindo não saber de nada.

      - Todos sabem, Leonardo. Thiago, seu capitão, me confessou. Todos comentaram. - esbravejou - Não minta, piorará tudo.

      Eu encarei sua cara feia, cheia de convicção, sentindo o ódio subir à garganta. Fez-se silêncio na sala. Tentei espairecer respirando fundo, mas aconteceu o efeito contrario. Completamente irritado, me levantei e fui em direção a porta, enquanto ele gritava para eu voltar. Quase mandei o dedo para ele, mas me controlei, apenas gritando, ridiculamente: "grandes amigos vocês são!".

    Voltei ao quarto e sentei na cama, bravo. Mal tive tempo para pensar no que faria depois, Daniel, Guilherme, Greg, Treco e Átila apareceram, não falaram nada, apenas me puxaram pelo braço. Eu os xinguei, mas não funcionou. Rindo, me levaram até a sala legal, me colocaram sentado e Átila disse:

      - Minhas desculpas sinceras,  caro Lili. Tome comida e nos perdoe - falou e Greg me entregou um saco de batatinhas e uma coca em lata. - E para você ver como somos legais, te damos a vez na sinuca.

       - Não sei para quê isso, ele mereceu a bronca - Thiago disse, revirando os olhos. Átila pegou uma almofada, que estava ao meu lado, e atirou nele. Eu quis matá-lo, mas Greg falou:

       - É só o trabalho dele. E trabalho é mais importante que amizade... - disse, cheio de raiva, me apoiando, mas Daniel interrompeu:

       - Eu não ganhei batatinha mesmo estando com o mesmo nível de ressaca! Só porque eu não sou um fracote?

       - Silêncio,  mortais. Então, Ly, perdoados? - pediu. Eu também revirei os olhos. Minha raiva passara.

       - Tudo bem, tudo bem. - eu disse, me levantando para pegar minha vez na sinuca. Felizmente Murilo não estava mais lá.

        Eu voltei a estar feliz. Terminei o jogo, comi, relaxando no sofá. Logo nós partimos de volta à escola, chegando a tempo do jantar. O único último contratempo foi, antes de sairmos do ônibus, Murilo ter falado:

     - As notas sairão segunda. Os nomes daqueles que serão nomeados com cargos e daqueles que serão punidos... - fuzilou-me com o olhar ao falar a última palavra, abrindo um sorrisinho sádico.

       Eu achava que dormiria direto quando chegasse ao quarto, mas, de repente, todo sono sumiu. Uma onda de euforia apareceu e eu não mais queria ficar sozinho ali. Desci para sala comunal à procura de meus amigos, mas um novato magrelo e antisocial, chamado Stu, lia na poltrona, em paz, na sala vazia. Ele me disse que foram para a quadra, então segui para lá.

           

      A noite era quente e úmida. Nessa época do ano chove muito e os pátios sempre estão meio molhados. Desci o barranco pela calçadinha e percebi a mudança no ambiente. Dali, já dava para ouvir os barulhos de gritos e risadas; e no campo do lado das quadras, várias meninas e meninos caminhavam, corriam e brincavam de algo, vigiados pelos muitos guardinhas.        A quadra fechada é a maior, parece um ginásio. O piso é daqueles profissionais para esportes, todo laranja, há uma arquibancada e, ao mesmo tempo, gols, cestas de basquete e uma rede para vôlei, enrolada em um canto. Mas não foi para lá que eu segui. Avistei ao longe meus amigos em outra quadra, uma aberta, circundada apenas por uma grade de três metros para impedir a perda das bolas. Aquela quadra é menor, o piso é de cimento, machuca ao cair, tem apenas gols e cestas para basquete. Por isso, é menos frequentada e só Daniel e Guilherme jogavam futebol.

      Eu cheguei, Daniel me notou e tentou acertar a bola em minha cabeça, chutando com toda a força possível. Isso é o modo dele de dizer boas vindas. Ele acertou apenas a grade ao lado da porta, fazendo um barulho estrondoso. Eu peguei a bola com a mão e ele veio tomá-la, mas eu corri. Ele me seguiu e Guilherme se juntou, logo os dois corriam atrás de mim. Guilherme, traidor, conseguiu me segurar pelo ombro, enquanto ele tentava arrancar a bola das minhas mãos. Eu, propositalmente, parei de fazer força com as pernas, em um intuito de sentar. Meu plano funcionou, Guilherme não aguentou me segurar sozinho e precisou sentar-se comigo, enquanto Daniel ainda puxava. Eu soltei, caí deitado e Daniel saiu correndo com a bola, comemorando. Eu me levantei, Guilherme também e nos juntamos atrás dele.

        Foi isso que fizemos até Drew e Greg aparecerem. Eles chegaram enquanto nós jogávamos futebol, tentando um tomar a bola do outro. Drew empurrou Daniel, gritando “por que não nos chamaram?”, e ele, por estar com o corpo quase colado ao meu graças à tentativa de tomada da bola, me desequilibrou também e nós chegamos perto de cair. Em vingança, gritando, Daniel segurou Drew em uma chave de braço, enquanto eu o enchia de tapas. Greg nos afastou, por ser o mais pacífico e calmo, nos estendeu uma bola de basquete e resolvemos trocar de jogo.          Em minutos, estávamos suados, sem camisa, e sentados.

       - Ly... – Greg falou primeiro, deitado, olhando para a lua. Eu disputava cabo de guerra com Daniel, usando sua camisa, só para irritá-lo, mas soltei e me deitei também, ao lado dele. Ele continuou, para todos ouvirem:

       - Você acha que essas viagens, esse lance de ser muito competitivo, vai nos separar? – perguntou, com a voz séria.

        - Nada pode nos separar, baby! - respondi do modo mais gay possível. Eles riram.

       - Larga de ser idiota – Drew falou – Óbvio que não, nada a ver.

       - Não, sério... – Greg continuou, sem ligar para Drew. - Segunda-feira sairá a contagem de pontos. O melhor ganhará uma promoção, o pior trabalho extras. Só um pode ser o melhor, sabe? Não quero virar como Thiago. Sozinho e mal-humorado. Dedurando os colegas por obrigação. - disse, se referindo ao episódio da tarde. Eu, de repente, comecei a cogitar o assunto, olhando para as estrelas também.

        - A gente não vai deixar isso acontecer. Não enlouqueceremos por algo tão bobo. Ninguém dedurará ninguém. – eu disse, decidido.

        - Acho que deveríamos fazer um pacto! – Guilherme sugeriu, brincando. Daniel gargalhou.      

        - Que ridículo – falou, colocando os braços atrás da cabeça e se deitando.

       - Por quê? Está com medo de quebrá-lo, irmãozinho?  - Guilherme rebateu, dando-lhe um soco, leve, no braço.

        - Eu acho uma boa ideia! – Greg falou, sentando-se – Como faremos?

        - O quê? Vamos realmente fazer isso? Um pacto de quê? – Drew perguntou, incrédulo. Eu também me sentei.

       - De que não vamos nos tornar adultos idiotas, competitivos, e colocar um cargo ridículo na frente da gente.

        - Vamos ser melhores amiguinhos para sempre! – Daniel debochou e riu. Tinha o braço por cima dos olhos. Nós também rimos.

       - Sério! – Guilherme disse – Eu juro que não quebrarei o pacto pela morte da minha mãe!         

       - Ei! Nossa mãe? – Daniel protestou e nós rimos de novo.

        - É, isso te faz parte do pacto automaticamente. – Greg respondeu – Eu também juro.        Drew me olhou e eu ri.

        - Tá legal. – concordei. Por último, Drew deu de ombros e aceitou.

        Ficamos em silêncio por um segundo, até Daniel se levantar, pegar a bola que descansava a alguns metros e tacar nas costas de Drew. E nossa eterna briga recomeçar...


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