Chaotic escrita por TheBeast
Notas iniciais do capítulo
"O mundo termina não com um estrondo; mas sim, com um sussurro"
1.
Nora se espremia entre os alunos brutamontes que se pisoteavam nos corredores de Coldwater High sempre desviando seus pés apressados dos golpes ameaçadores dos velozes estudantes. O sinal que soava dos auto-falates indicava que estava atrasada. “Vee onde é que você se meteu?!” Pensou canalizando sua raiva. Vee tinha de ter ido pegá-la na casa da fazenda com seu Neon roxo como faziam todas as manhãs, e então iriam comer donuts – os quais Vee jurava que iria parar de comer - no Enzo's Bistro como eram feitas todas as manhãs para em seguida dirigirem até Coldwate High estacionar na mesma vaga de tintura desgastada e enfrentarem a tediosa aula de biologia, a qual Vee cochichava resmungos para o treinador como todas as benditas manhãs.
Sua mãe havia saído com o carro para uma reunião no centro e provavelmente viajaria esta noite, portanto, ter de correr quase dois quilômetros até a estação de ônibus mais próxima e ter de pegar um ônibus mal cuidado até à escola não havia sido a melhor experiência de sua vida.
Quase tropeçou ao atravessar o batente da sala de biologia e encarar a muvuca de alunos que se contorciam movendo-se aos lugares de forma caótica. O som agudo da borracha das solas dos tênis arrastando contra o piso, mochilas batendo umas contra as outras e cadeiras arranhando o chão com um chiado mais do que irritante.
Seus olhos acobreados procuraram na multidão a loira que estaria provavelmente criticando o treinador, mas antes mesmo que tivesse tempo para pensar, ele surgiu na sua frente. Os típicos cabelos loiros grisalhos que caíam, as rugas da testa, o corpo rechonchudo castigado pela idade, sapatos de corrida desgastados e casaco do time de Coldwater High – as quimeras – e os costumeiros olhos acinzentados que diziam “A vida sem ciência é uma espécie de morte”.
– Srta. Grey. - ele disse não exatamente em um tom amigável. Era isso que ela ganhava por ser amiga de Vee. Entregou-a um papel amarelado reciclável que tinha a cópia de um desenho mal feito da sala.
– O que é isso? - perguntou analisando a folha de papel e vendo os nomes riscados por cima de cada carteira.
– Mapeamento de classes. A mais nova proposta educacional do colégio. - ele deu seu melhor sorriso forçado que dizia claramente “Sente-se e fique quieta”.
– Mapeamento de classes? - “Com certeza Vee não sabe disso” disse mentalmente “Senão o tiroteio já teria começado”. Quebrar a tradição de sentar com ela todo santo dia não era algo que ela deixaria passar. Olhou novamente o papel e leu o nome de sua nova dupla. Patch Cipriano; o transferido.
– Isso mesmo Srta. Grey. Agora se me dá licença tenho uma aula para dar. - ele indicou para que Nora se sentasse. Seu olhar caiu sob a mesa de madeira caramelada. O suposto Patch estava sentado de forma relaxada, as pernas longas do jeans escuro curvadas debaixo da mesa. Seus braços musculosos estavam sobre o peitoral e os olhos mais negros que penumbra a encaravam sugando toda a sanidade e a absorvendo.
Antes que suas pernas fraquejassem ainda mais desviou o olhar e ouviu as ankle boots de couro azul-marinho de Vee batendo contra o chão. Apareceu com os cachos artificiais loiros caindo sobre os ombros e o cheiro de seu chiclete de banana invadindo o ar.
– Nora você não vai acreditar! - disse esmagando o pulso de Nora.
– Em qual parte? A que você me deixou plantada hoje de manhã ou a do mapeamento de sala? - Nora estendeu o mapa de sala para ela e suas sombrancelhas se arquearam. O treinador chegou por trás e deu um empurrãozinho em seus ombros para que se movessem à suas carteiras.
– Mas que porcaria é essa? - disse perfurando o papel com suas unhas avermelhadas-sangue.
– Essa porcaria, Srta. Sky é a sua chance de entrar em alguma faculdade. Tive que fazer isto para a Srta. parar de matraquear com Nora. - Ele deu tapinhas no ombro de Vee – que xingava mentalmente enquanto seu rosto mergulhava em insatisfação – e soprou seu apito fazendo um som cruel e agudo soar nos ouvidos de todos.
Nora deslizou cuidadosamente em seu assento, não ousando desgrudar os olhos da frente e se sentindo observada a cada miserável segundo. Quando percebeu por sua visão periférica que Patch voltou a encarar o quadro-negro virou o corpo considerávelmente.
– Oi. Sou a...
– Nora Grey. - os cantos atraentes de seus misteriosos lábios se curvaram em um sorriso matreiro, como se seu nome fosse algum tipo de piada interior. Suas órbitas negras ainda encaravam a frente.
– Certo. - sentia as maçãs de seu rosto queimarem. Voltou a atenção para o Treinador rezando para que ninguém percebesse que estava estalando os dedos para desviar seu nervosismo. Por que estava nervosa mesmo?
– Então time, o assunto de hoje é... - o Treinador sublinhou as palavras LINGUAGEM CORPORAL escritas no quadro negro com o giz esverdeado. Mesmo estando à três carteiras de distância Nora conseguiu ouvir Vee bufando. - Perceber os sinais que as pessoas enviam com sua linguagem corporal é uma habilidade social muito útil. Alguns de nós conseguem ler naturalmente; alguns são completamente alheios ao sinais. - ele deu um passo a frente – Por exemplo, como detectar se alguém está mentindo? Como perceber o nervosimo somente pela linguagem corporal? - as órbitas acinzentadas caminharam um pouco pela sala e se intensificaram ao pararem em sua mesa. - Patch?
Patch cruzou as botas de couro pretas de motoqueiro uma sob a outra e relaxou os braços por trás do pescoço como se aquilo fosse lhe proporcionar entretenimento e diversão. Isso só fez Nora estremecer. Seus cabelos negros caíam de uma forma bagunçada e sexy e os traços morenos eram fortes e exóticos, quase italianos.
– É muito simples Treinador. A pessoa cerra os punhos e estala os dedos para tentar desviar sua tensão? Evita o olhar e pisca constantemente? Morde o lábio inferior e desvia a cabeça exatamente como a Nora está fazendo? - ouviu-se risadinhas vindas da sala e Nora subitamente arregalou os olhos castanhos-cobre para ele. Seu sorriso se alargou. - Está nervosa na certa.
– Muito bom Patch. Muito bom mesmo. - murmurou o Treinador impressionado enquanto anotava no quadro:
a) Cerrar punhos/Estalar dedos
b) Evitar o olhar/Piscar constantemente
c)Desviar a cabeça
– O que você pensa que está fazendo? - sussurrou Nora torcendo para que Vee não tivesse ouvido aquela direta, senão ela seria relembrada deste acontecimento até a faculdade.
– Ah. Também tem quando essa pessoa fica corada. - Patch aumentou o tom de voz para todos ouvirem e olhou de relance para ela com um sorriso divertido desenhado em seus lábios - Não é Nora? - relutante, ela agarrou o lápis e escreveu as anotações do quadro se xingando mentalmente por estar tremendo tanto e por ter a profunda sensação de querer vomitar borboletas.
d) Corar
– Ótimo pessoal! Outra interessante percepção corporal é o espelhamento. Se alguém espelha ou imita sua aparência, este é um sinal muito real de que a pessoa está interessada em você e tenta construir um relacionamento com você.
Nora conseguiu ver de relance Patch soltar uma risada melodiosa.
– Qual é a graça? - ela perguntou novamente abaixando o tom de voz e se virando inteiramente para ele.
– A graça Nora? - ele perguntou se fazendo de ingênuo e também se virando para ela. Ele se apoiou em uma das mãos contemplando-a e isso a irritou – e a causou uma leve corrente elétrica por dentro - .
– Eu gosto de sorrir. Agora me conte qual é a graça.
– Também adoro quando você sorri. - seu coração pulou uma batida e no momento em que os lábios dele se alargaram ainda mais ela teve certeza de que estava corando. “Droga Nora Grey, pare de ser estúpida!” murmurou para si mesma.
– Você nem me conhece. - rebateu tentando parecer mais confiante do que realmente estava. Orou para que sua voz não saísse trêmula.
– Isso foi um convite? - ele perguntou e o sorriso de canto misterioso fez sua temperatura subir alguns graus terrivelmente rápido. Depois de perceber a indireta estalou o dedo do meio.
– Como é? - dessa vez gaguejou sem poder contestar o papel de boba que estava fazendo. E ele estava se divertindo...Mas que droga.
– Algum problema Srta. Grey? - perguntou o Treinador parando de escrever e a encarando brevemente, alternando o olhar sobre ela e depois sobre Patch. - Há algo que queira compartilhar conosco?
– Definitivamente não Treinador McConaughy.
– Certo. Então podem começar a página 217 do livro. - o olhar do Treinador caiu sobre Nora e Patch. E depois sobre Vee. - Em silêncio.
Nora abriu seu livro e tentou ao máximo se concetrar na maldita tarefa de biologia. Mas quem ligava para linguagem corporal? Não...não era isso que a incomodava. Era Patch Cipriano. O garoto mais direto – e estranhamente atraente – que havia conhecido. Sorte grande ter o tirado como dupla para o resto do ano. Bufou com o pensamento e depois deu um longo suspiro estalando os dedos doídos de tanto escrever.
– Muito difícil? - sussurrou Patch sem mesmo olhá-la com o tom de voz zombeteiro.
– Eu irei sobreviver. - respondeu com um ruído tentando pigarrear e cortanto a conversa.
Antes que pudesse voltar su campo de visão para o exercício 7 do livro, sentiu algo – leve – se chocando contra seu tênis. Olhou para baixo e reconheceu a bola de papel amassada rosa chiclete e preta arrancada do caderno de Vee. Descaradamente, deixou o lápis cair pela borda da mesa e pegou a bola de papel entre suas mãos.
“Consegui identidades falsas. Precisamos ir à Bolsa do Diabo hoje à noite”
– Sua amiga Vee não consegue mesmo ser sutil, não é? - a voz macia de Patch estava tão perto de seu ouvido que Nora saltou ao sentir seu hálito quente e amentolado contra o próprio pescoço. - Identidades falsas? Não sabia que você era uma menina má Nora. - ela enxergou sua face brincalhona, o sorriso debochado indicando que el se divertia à cada segundo.
– Patch...
– Nora Grey – a voz do Treinador a interrompeu, tão próxima e ameaçadora que Nora pode pressentir um castigo e um sermão sobre ciência chegando. - O que pensa que está fazendo? - ela olhou para a figura de casaco vermelho à sua frente e se amaldiçoou mentalmente.
– Treinador, eu...
– Se gosta tanto de recolher papéizinhos do chão por que não fica aqui depois da aula? - aquilo não era um pedido; era uma ordem. Uma detenção indireta com certeza. - E você também Srta. Sky. Estou tão certo que a Srta. é fixada em rosa, quanto estou certo de que a ciência é a chave para a sobrevivência. - outro sermão indireto. Ouviu Vee rosnar e com certeza ela estava revirando os olhos.
Nora bufou enquanto terminava os exercícios. Agora estava castigada somente por causa dele. Patch. Quando ouviu o sinal tocar permaneceu sentada até que todos os alunos tivessem ido embora. Vee que quase saiu voando da sala foi parada pelo Treinador, que a entregou a ficha amarela da detenção. Nora conseguiu ouvi-la resmungando um “Fala sério!”. Em menos de dois tempos, ele se aproximou de sua mesa e colocou a ficha amarelada sobre ela.
- Eu não queria ter que fazer isso Nora. - ele murmurou antes de evaporar da sala sem nem olhá-la nos olhos.
Quando se levantou percebeu a brisa gelada e o hálito fervoroso atingirem sua nuca.
– O que ainda está fazendo aqui? - perguntou à Patch, que estava encostado descontraídamente na mesa, seus braços cruzados e a expressão selvagem, como se pudesse atacar à qualquer momento. - Não há mais nada para te entreter.
– Não seja pessimista Nora. As coisas sempre podem ficar divertidas. - antes que ela pudesse perceber o fogo que a consumia até a raíz dos cabelos, Vee a interrompeu:
– Eu acho que estou ficando com cólicas, se é que me entendem.
- Vee você não pode mentir para se livrar do castigo. - “Você não pode me deixar sozinha aqui! - com ele - ” Nora queria gritar.
– Não estou mentindo. - ela olhou Patch, pegou sua mochila e depois seu olhar voltou para Nora. - É somente uma dor meio que pscicológica. Mas de qualquer jeito, “dói”.
– Vee... - antes que pudesse contestar, a loira havia os deixado sozinhos na sala. Sozinhos.
– É Nora, parece que somos só nós dois. - a voz calorosa dele soou convidativa de um jeito perigoso para ela.
– Eu queria muito poder dizer que estou feliz com isso.
– A esperança é a última que morre. - ela podia sentir o sorriso dele sob ela.
Tentando tirar a tensão do ar, se levantou e começou a apagar o quadro negro. O pó denso caía sobre o ar e injetava seus olhos e pulmões, criando a sensação sufocante e ardente. Mas nem ligou para isso. A presença de Patch a sufocava e a fazia arder mais do que tudo.
Quando sentiu Patch atrás de si, seus corpos separados apenas por uma fina camada de ar, o braço musculoso dele perto de seu pescoço deslizando o apagador sobre as palavras “a cabeça” estremeceu.
– Perto demais Patch. - avisou se esquivando mais para a direita.
– Não seja tão medrosa. - ele riu e Nora se virou, deixando-os cara a cara. - Podia sentir sua respiração e quase ouvir seus batimentos cardíacos. Ele estava mais perto do que ela queria.
– Pare de me provocar Patch. - Nora pronunciou cada sílaba com cuidado, mas a risada de Patch indicou que ela não havia soado tão confiante quanto queria. Os olhos dele pousaram sobre sua boca.
– Dês de quando seus lábios foram tão atraentes? - se seu autocontrole não fosse extendido ela o teria beijado ali mesmo.
– Alguém precisa dar um trato em você. - declarou saindo de debaixo de seus braços e indo em direção da mesa, laçando a alça da mochila em seu ombro.
– Eu adoraria receber um trato seu Nora Grey. - engoliu em seco e respirou fundo dando passos pesados até a porta.
– Até amanhã Patch.
Antes que pudesse chegar ao pátio da frente de Coldwater High, viu Patch andando novamente ao seu lado. As mãos nos bolsos e as órbitas negras mergulhados em devaneios que jamais seriam revelados.
– Pensei que eu tivesse dito adeus.
– E você disse. - ele abriu um sorriso puxado e o coração de Nora ordenou para que ela controlasse seus pensamentos.
– Então por que está aqui?
– Você já irá descobrir.
Em um primeiro momento, ela pensou que fosse somente outra indireta. Dois segundos mais tarde compreendeu exatamente do que se tratava. Vee havia ido embora. Com o Neon. Nora estava sozinha e sem opições, a não ser...
– Acho que você precisa de uma carona. - ele disse sem esconder a diversão em seu tom de voz.
– Eu mal te conheço Patch. - se a maneira como os olhos dele a haviam penetrado tivesse sido mais intensa suas veias teriam pulado.
– Eu disse que as coisas podiam ficar divertidas.
Ele olhou em direção à moto preta e reluzente parada no acostamento onde havia uma vermelha e enorme placa escrito PROIBIDO ESTACIONAR.
– Nem pensar que vou subir nessa coisa.
– Essa coisa é inofensiva. - ele pegou sua mão e uma corrente elétrica a dominou da cabeça aos pés. - E irei te levar para casa...depois de dar uma rápida passada em um lugarzinho.
– Que lugarzinho? - perguntou ela soltando sua mão e parando subitamente.
– Bo's Arcade. - ele pegou sua mão novamente de uma forma delicada. Como uma cobra se enroscando em sua vítima antes de dar o bote. Bo's Arcade...que tipo de lugar era esse? Provavelmente um daqueles galpões cheios de lutadores de box suados e brutamontes ou bêbados e viciados em cigarros - Calma anjo. - uma brisa lhe caiu sobre a espinha.
– Do que você acabou de me chamar?
– Anjo. Qual o problema? - ele a encarou e seus olhos pareciam tentar sugar todo o juízo que ainda restava nela.
– Eu não gosto. - ele riu e a sentou no banco de trás da moto.
– Permanece, anjo.
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