De Volta Ao País Das Maravilhas escrita por Kremer
Notas iniciais do capítulo
Final alterado para uma possível continuação.
Mary Ann não soube dizer por quanto tempo estava caindo. Caía ora devagar, ora rápido. Quando caía devagar, parava para observar o lugar: estava caindo por um buraco, sem curvas, reto, até o chão. Era iluminado com velas, mobiliado com cadeiras aqui e ali, mesinhas de centro (que não ficavam no centro, no caso), retratos nas paredes de coelhos (os que não mordiam) e retratos de dodôs (esses sim, mordiam).
Quando o buraco chegou ao fim, Mary Ann pousou em algo macio... e familiar.
– ARR, PELAS MINHAS PENAS! - guinchou o ganso. - Você de novo? Ora... sua... sua...
Mary Ann estava de volta à sala dos espelhos. Aquele ganso estava bem irritado.
– D-desculpe... eu... não sabia pra onde estava indo - desculpou-se a menina.
– Você nunca ouviu falar em bússola? - Respondeu a ave, irritada. Ela desapareceu por um espelho, como de costume, e Mary Ann não perdeu tempo: a seguiu.
Atravessar o espelho, dessa vez, foi fácil, pois não havia nenhum reflexo nele. A criança desembocou, aos tropeços, em uma estradinha roxa. O céu estava escuro, haviam algumas estrelas, e as pedrinhas roxas acendiam quando ela pisava nelas.
Não foi preciso caminhar muito para chegar na eterna bagunça da mesa de chá do Chapeleiro. Estavam todos lá: o Dodô, aprumando suas penas, o Cachinguelê, lutando para se manter acordado, a Lebre de Março, que tentava pegar um morcego que zanzava entre os bules de chá, o Morcego, que tentava não ser pego pela Lebre, o Cavaleiro e o Pônei, bebericando seu chá, o Gato de Cheshire, que ronronava no Colo do Chapeleiro, e o próprio Chapeleiro. Só havia um lugar vago, e foi onde Mary Ann se sentou.
Ninguém, a princípio, deu muita bola para a presença da menina. Mas, quando ela decidiu se servir de um pouco de chá, todos a olharam (exceto o Cachinguelê, que pegara no sono).
– Ora, menina! - foi o Chapeleiro quem quebrou o silêncio. - É muito feio sentar sem ter sido convidada.
– É muito feio. - Falou a lebre, de boca cheia (ela havia comido quase o bolo inteiro).
– Mas... o Coelho Branco me disse para encontrá-los - defendeu-se ela, com toda a calma que conseguira reunir.
– É mesmo, ele disse - Disse o gato, limpando suas patas.
– Disse? - Perguntou a Lebre.
– Disse o que? - Perguntou o gato, com o seu sorriso desconcertante.
– Disse que ela tinha que nos achar. - Falou a Lebre.
– Quem disse? - Perguntou o Gato, inocentemente.
– O Coelho Branco. - Respondeu a Lebre, indiferente.
E antes de o Gato perguntar “quê coelho?”, uma figura branca e peluda surgiu, balançando um relógio de bolso na mão, e gritando “É tarde!”
– Senhor Coelho! Por favor, queira dizer a eles... - Começou Mary Ann, mas foi interrompida pelo Chapeleiro, que correu até ela e a tirou de sua cadeira.
– Por favor, senhor Coelho, queira se sentar. - Disse o Chapeleiro, pomposamente.
– Mas eu estava sentada aí! - Protestou Mary Ann.
– Não tem como provar! - Rebateu o Chapeleiro.
– Ora! Mas... vocês viram, não? - Perguntou aos outros.
– As testemunhas são protegidas por lei e não precisam prestar depoimento contra sua vontade. - Resmungou o Cachinguelê. Mary Ann achou melhor não dizer nada.
O coelho ajeitou-se na cadeira (não sem alguma ajuda, pois era muito pequeno para conseguir se sentar sozinho) e tirou um pergaminho da manga. Desenrolou-o, e começou a ler:
– Geleia de morango, manteiga, leite, cenouras, amendoim...
– Isto é a sua lista de compras. - Interrompeu o gato, calmamente.
– Oh, mil perdões - disse o Coelho, embaraçado. Pegou outro pergaminho, leu-o primeiro, e tendo a certeza de que era o certo, leu para os outros:
– Para encontrar o tesouro, a escolhida deve passar por um último desafio, na qual ela terá de provar que é mais inteligente do que (leia discretamente) um Pônei.
– Ei! - protestou o Pônei, indignado.
– Desculpe, não percebi que estava aqui. Então, Alice, deverá passar por um desafio.
– Eu? Bem... vamos lá. - Disse Mary Ann, sem saber ao certo porque ainda a chamavam de Alice. - O que tenho que fazer?
– O Chapeleiro sabe. - Disse o Coelho, e todos encaravam o Chapeleiro. Este levantou da cadeira, e com a voz mais solene que pôde produzir, encarou Mary Ann e disse:
– Essa pergunta é de suma importância, somente os mais inteligentes sabem sua resposta. Portanto, não se iluda muito. - Disse, com arrogância. - A pergunta é... por quê um corvo se parece com uma escrivaninha?
Mary Ann pensou por alguns minutos. Esta era uma pergunta muito difícil – e sem nexo. Estava frustrada, pois queria provar que não era nenhuma ignorante. Para as crianças de sua idade, ela era muito inteligente. Mas, como a criança inteligente que era, devia aceitar a derrota.
– Não faço ideia. - Respondeu, desolada. Todos ficaram chocados, e o Chapeleiro franziu a testa e arregalou os olhos, de surpresa.
– Está... correto! - Disse, estupefato. Todos estavam assim. - E agora, o tesouro.
Ele tirou sua cartola, e em cima de sua cabeça estava um pequeno baú, que ele colocou sobre a mesa. A mesa desapareceu. Todos desapareceram. O baú continuava lá...
E Mary Ann começou a se lembrar. Agora se lembrava de como caíra num diário, que o diário era de sua mãe, e que sua mãe era...
Alice.
O baú estava ficando cada vez mais longe... e de dentro dele, uma voz surgia. Cada vez mais nítida, e dizia “Mary Ann!”
“Mary Ann!”
“Acorde!”
Mary Ann, no entanto, não desejava acordar.
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