O Curioso Mundo Das Maravilhas escrita por Tamar Rangel


Capítulo 4
Conhecendo o Mundo das Maravilhas




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— E quem é você?! – questionou uma indignada Alice após longos dez segundos calada.

— Eu sou o Mestre Moulin.

— E como sabe o meu nome?! Por acaso foi você que pediu a senha?

Mestre Moulin soltou uma grande gargalhada com aqueles dentes grandes e assustadores.

— Não, sou o Mestre Moulin e não o Maçaneta.

— Maçaneta?

— Maçaneta quem? – Moulin parecia confuso.

— Eu não sei, você que falou sobre o Maçaneta.

— Eu falei?

— Falou sim!

— O que você quer "Alice de lugar nenhum"? – perguntou o dono dos felinos olhos com a boca ainda escancarada.

— Eu não sei, eu vim atrás de um vizinho e acabei parando nesse lugar.

— Que lugar?

— Esse! – gritou impaciente.

Foi quando Alice notou que o andar de Mestre Moulin era leve, levinho tanto quanto uma pena, o estranho homem parecia flutuar por algumas vezes. Já havia visto alguns amigos em tal estado, alias, já havia sentido na própria pele a delícia do LSD. Ele parecia agitado ao mesmo tempo confuso, o pensamento acelerado, jurava que quase ouvia seu coração palpitar mesmo estando a mais de três palmos de distância. Sentiu então uma louca e explosiva vontade de lhe perguntar onde naquela mansão encontraria bons "viajadores", como ela gostava de chamar suas drogas favoritas, seus inimigos de longa data. Há horas não usava nada e já sentia os seus dedos lentamente tremerem pela falta daquilo que era sua vida durante anos.

— Então não conhece o Mundo das Maravilhas? – repentinamente Moulin falou sentindo o cheiro da música ambiente.

Um fato importantíssimo do LSD é como em minutos ele pode modificar um ser, modificar seus sentidos. Modifica sua percepção de forma que sinta o cheiro das músicas ou saboreie as cores.

— Mundo das Maravilhas?

— Alguns chamam de Casa dos Prazeres, mas acho um nome um tanto quanto comum para meu estabelecimento.

— Não acha que Mundo das Maravilhas é um nome muito exagerado para somente uma casa? – debochou Alice soltando alguns risos entre dentes.

— Talvez, mas gosto dos exageros. – respondeu o homem-gato ouvindo os olhos da moça.

— E para onde devo ir? O que tem nesse Mundo das Maravilhas? Alias, procuro por um gorducho que dizia estar atrasado.

— Eu não sei. Talvez devesse procurar por Helena Cartola, mas já te aviso: ela não é normal.

— Helena Cartola? – juntou as sobrancelhas.

— Ela provavelmente estará ao lado de Antônio Lebre.

— E ele é normal? – perguntou a moça subindo o primeiro degrau das escadas.

— Ninguém aqui é normal. Eu não sou normal. – afirmou aos risos – Antes que vá quero que saiba, no entanto, que ao entrar no Mundo das Maravilhas não será fácil sair.

— Não é tão difícil descer as escadas.

— Que escadas? – Mestre Moulin voltou para sua solitária escuridão no intuito de terminar de usar suas drogas sem que ninguém o atrapalhasse.

Mais um fato sobre o LSD: se o usuário tiver propensão à loucura, a droga a faz ser liberada.

***

Ao colocar os pés no segundo andar, Alice sentiu um estranho frio percorrer por todo seu corpo. De um andar a outro a escuridão continuava presente, entretanto de forma menos assustadora já que estava em um longo corredor com diversas portas e, em algumas delas, podia-se ver luz por baixo – algumas com luzes mais fracas, outras mais fortes. Ela contou dez portas, cinco em cada lado. Foi até a primeira da esquerda, pressionou a maçaneta e frustrou-se ao ver que tal porta estava trancada. Foi melhor assim, pensou, afinal está tudo escuro por lá. Virou-se e tentou abrir a primeira da direita que também estava trancada, mesmo saindo muita luz lá de dentro. Tentou abrir a segunda porta da mesma parede que se abriu sem mais problemas.

Escancarou-a com força e rapidez, passando seus olhos rapidamente pelo local. Havia ali pessoas que, apesar de sua brutalidade ao abrir a porta, não se preocuparam em olhá-la. Era uma vasta sala, com algumas pobres, bêbadas e tristes almas pedindo mais uma dose ao garçom que parecia ser o mais tristonho de todos. Talvez o garçom não só ouvisse as histórias daquelas pessoas, talvez ele conseguisse ver através de suas almas.

Colocou um pé dentro do bar e o outro logo veio junto, achando que finalmente encontrou um lugar onde facilmente se encaixaria. A porta ao fundo mais uma vez se fechou sozinha dessa vez, porém Alice não notou. Nas mesas haviam mais algumas pessoas aparentemente felizes, contando piadas com drinks nas mãos. Nenhuma delas, mesmo as depressivas, pareciam pertencer ao mundo real. Todos estavam com roupas diferentes, tinham características esquisitas ou gestos um tanto quanto exagerados.

Lembrou-se então de procurar por Helena Cartola, seguiu até o garçom que a olhou em desespero, como se há anos não visse novas pessoas por ali.

— Olá senhor. Poderia me dizer se existe alguma Helena Cartola por aqui?

Ele apenas apontou o dedo para o canto onde se encontrava uma mulher com uma enorme cartola na cabeça e um homem dentuço, com grandes orelhas.

— Obrigada.

Passo a passo chegou à mesa do canto. Abriu um imenso sorriso para os dois ao observar a quantidade de bebidas – as famosas drogas lícitas – que eles tinham bem ali. O casal parecia feliz, se divertir bebendo e comemorando algo que Alice ainda não compreendia, mas assim que perceberam sua presença, fizeram expressões pouco carrancudas.

— Não sabia que é falta de educação ficar encarando a conversa alheia? – indagou Helena Cartola com a voz pouco alterada pelo álcool.

— Sua mãe nunca te ensinou menina? – completou Antônio Lebre.

— Me perdoem apenas gostei tanto de vocês aqui!

— É mesmo? – a mulher parecia ter ouvido agora o que asseava. – Sente-se então!

Helena Cartola tinha uma feição simpática, seus cabelos brancos e encaracolados saiam pelos lados, seus negros olhos eram penetrantes. Parecia ter quase quarenta anos, tinha um rosto pálido, os dentes pouco ruídos e usava um terno feminino na cor marrom com uma gravata borboleta azul. Antônio Lebre tinha cabelos loiros, era dono de comuns olhos castanhos e aparentava ter a mesma idade de sua companheira, era pouco acima do peso e também usava um terno na coloração laranja. Sua saúde parecia um tanto quanto afetava e, ainda desse jeito, pouco se importava para a mesma.

— Desculpe atrapalhar a comemoração. É o aniversário de algum de vocês?

Ambos riram entusiasmados com a pergunta.

— Não, não, não queridinha. – respondeu a grisalha.

— Estamos comemorando a vida! – exclamou o homem levantando uma garrafa de uísque de marca barata.

— A vida?

— Sim, a vida! Afinal o que mais no resta a não ser comemorá-la? – Antônio Lebre questionou enchendo o copo para a convidada.

Alice ingeriu o uísque em segundos, logo pedindo mais. Os outros dois riram, enchendo mais uma vez o copo da moça.

— Então o que há mais aqui? – nossa curiosa protagonista falou logo após sua quarta ou quinta dose.

— Aqui no Mundo das Maravilhas há de tudo que quiser minha querida. – respondeu Helena ajeitando seu chapéu.

— Tudo mesmo?

— Tudo mesmo.

— Existe então a probabilidade de eu encontrar um bom pó? – gritou Alice a loucos risos.

— Se você encontrar a porta certa...

— E se ela estiver aberta. – finalizou Antônio Lebre o diálogo, voltando todos a beber e saudar aquela belíssima vida que levavam.


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