Amélia assistia constantemente ao filme Alice no País das Maravilhas. Era como se aquela confusa historinha para crianças a intrigasse, a arrebatasse. A realidade ficava tão questionável para ela quando estava em frente à tevê que quase podia se ver dentro da história onde tudo era mágico e fascinante. Ao engravidar, fez seu marido se calar e aceitar que sua menininha se chamaria Alice, em homenagem a aquele mundo que Amélia tanto adorava.

Quando Alice nasceu foi cercada por mais afeto que qualquer outro bebê na maternidade e assim que voltou para casa os mimos foram ainda maiores. Teve então uma infância saudável e livre de problemas. Até completar dez anos e sua mãe falecer de um repentino câncer nos pulmões. Foi nesse dia que seu pai a abraçou forte e prometeu que não deixaria que nada de mal a acontecesse, a protegeria da crueldade do ser humano e das atrocidades da natureza. Talvez isso a fez fugir naquela noite, talvez fosse por isso que Alice desprendeu-se daquela casa onde tudo representava as lembranças de sua mãe, talvez Alice quisesse se jogar em um lugar livre de problemas, livre da postura ditatorial do seu pai e de toda aquela solitária e vazia vida que levava.

Talvez, somente talvez, ela queria completar o imenso buraco negro que havia em seu coração.