Gabriel

- Antes de eu vir pra cá, eu tinha uma vida perfeita. Meus pais eram casados e aparentemente felizes. – ela começou e eu olhei-a abraçar as pernas. – Minhas amigas estavam sempre comigo, e eu tinha um namorado lindo, carinhoso e dedicado. – ela suspirou antes de continuar. – Até que eu fiz uma festa de aniversário de quinze anos. Estava tudo perfeito. Na semana seguinte um baile aconteceria e eu era a mais cotada para ser a rainha. – ela forçou um sorriso. – Até aqui parece uma história Disney Chanel não é? – ela me encarou e sorriu, depois voltou a ficar séria. Ela se encolheu como se sentisse um arrepio. – Durante a festa de aniversário, tudo estava indo bem. A valsa tinha acontecido e agora rolava a balada. Dançávamos sob luzes estroboscópicas e eu comecei a me sentir tonta. Resolvi ir tomar um ar, então andei até a cozinha e ouvi uns barulhos vindos do quarto da empregada. – ela sacudiu a cabeça. – Quando abri, encontrei meu pai se atracando com a melhor amiga da minha mãe. – ela disse com uma expressão de nojo e dor. – Ele e ela tentaram se explicar, eu ouvi tudo. Ouvi coisas que não faziam sentindo nenhum. Deixei que a festa terminasse. Quando acabou eu contei tudo a minha mãe que chorou feito uma condenada e expulsou os dois de casa. Nunca havia visto minha mãe chorar daquele jeito. – ela disse como se sentisse dor. – Depois disso, eles se separaram e eu fiquei com minha mãe. Então tudo mudou. Eu fiquei irritada e com nojo do que tinha visto. Comecei a fazer coisas erradas para atingi-lo. Bebi muito e quase fui parar no hospital com coma alcoólico. – ela disse se encolhendo. – Dormi fora de casa várias noites, só pra preocupar meus pais. Briguei com Sale, que não concordava com nada disso que eu fazia. Até que eu... Tive a minha primeira vez com meu namorado. – ela se encolheu ainda mais abraçando as próprias pernas. – Eu me sentia segura com ele. – ela suspirou como se tentasse se explicar. – O dia do baile chegou e eu me arrumei. Quando fui coroada rainha do baile, subi no palco para receber as flores e ver o vídeo que haviam feito pra me parabenizar. – ela respirou fundo. – Quase desmaiei ao ver fotos minhas aparecerem no telão. – ela disse. – Tinha vídeos de quando eu estava bêbada, falando um bando de asneiras sobre meu pai, e tinha um vídeo em que eu aparecia com roupas sensuais em momentos íntimos com meu namorado. – ela disse entredentes e eu vi uma lágrima escorrer do canto do seu olho. Senti minha boca se abrir. – O pior de tudo não foi isso. Não foi ver as garotas que eu pensava que eram minhas amigas rindo de mim. Não foi ver que meu namorado estava junto com elas fazendo aquelas coisas comigo. O pior, foi ter que aturar meu pai. – ela fungou e continuou. – Ele disse que nunca mais queria me ver e disse que eu tinha me transformado em uma vadia.

- Mel. – eu arfei sem saber o que dizer. Ela sacudiu a cabeça.

- Ele trabalha com publicidade e faz palestras. Nesse tempo ele estava fazendo palestras sobre pudor na adolescência. - ela forçou um riso. - O vídeo já tinha se espalhado e ninguém queria um cara que tinha uma filha seminua na internet dando palestra para adolescentes. – ela respirou fundo. – Eu fui até o escritório dele me desculpar e quando cheguei ele estava saindo de uma reunião com empresários. Os homens perguntaram se eu era sua filha e... Ele disse que não. Que nunca tinha me visto. – ela disse e lágrimas começaram a jorrar dos seus olhos. – Eu tive que conviver com as pessoas rindo de mim na escola e na rua. As pessoas me apontavam e eu apenas fingia que não era eu. Não podia mudar de colégio, porque não ia adiantar. Não podíamos nos mudar de cidade porque minha mãe não podia sair do emprego. Então, minha mãe gastou tudo. O que tinha e o que não tinha para remover o vídeo da internet, mas as pessoas continuaram falando. E então viemos pra cá. A família do Samuel veio e nós viemos depois. Minha mãe arranjou um emprego que recebia menos trabalhando mais e eu quase não a via. Virei uma rebelde sem causa. – ela forçou um sorriso. – Foi quando você me chamou pra sair. Por isso te tratei daquele jeito. – ela disse e balançou a cabeça.

- Eu... Não sei o que dizer. – eu arfei. Ela tinha passado por tudo aquilo e eu...

- Já passou. Eu estou bem. – ela disse com um sorriso fraco.

- E seu pai?

- Tem quase dois anos que não o vejo. E nem quero. – ela disse em um suspiro.

- Sinto muito por tudo isso. – eu disse e passei um braço em volta dela. Ela suspirou.

- Tudo bem. Eu estou bem agora. – ela sorriu. Eu a abracei, involuntariamente. Como se eu pudesse consolá-la para sempre. Como se ela não precisasse chorar nunca mais. Aquela história. Toda aquela história era ruim demais para uma garota. Definitivamente ela era diferente do que eu pensava.