Alice escrita por Jó Francisco


Capítulo 3
Capítulo 3




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3. Cerimonial

   Todos batem palmas.

   Nós estávamos no salão principal agora, iria começar o cerimonial, claro, depois que Jessica caísse da escada primeiro.

   - Peço uma salva de palmas para nossa aniversariante, Jessica! – diz a mulher loira que estava em pé ao lado da mesa do bolo narrando o cerimonial.

   As luzes se apagam e um holofote foca no alto da escada.

   Jessica aparece e todos batem palmas quando seu vestido branco reluz.

   - Tomara que caia? – disseram Luana e Thaisa em uníssono.

   - Bem duplo sentido isso ai – perguntou Kin e nós rimos.

   - Como assim? Não entendi – disse Joyce e eu a mandei ficar calada.

   Tive de deixar ela próxima de mim, foram ordens superiores.

   Olho para Jessica que estava se aproximando com passos contados e coreografados do corrimão da escada com um sorriso deliberadamente nervoso na cara. Ao som da musica superlenta ela pisa em um degrau, e assim tenta manter o ritmo.

   Volto minha atenção para Joyce e ela estava com os olhos fechados e os dedos cruzados. Kin estava com a boca aberta olhando todo o brilho de Jessica soltava.

   - Acabou? – perguntou Joyce.

   - Não – disse pela centésima vez.

   - Se ela não cair não vai ter graça alguma – disse Kin.

   - Kin, se manca.

   - Gente, ela não vai cair. – disse convicta – A ultima vez que ela tentou fazer isso foi a décima quinta.

   - E...? – perguntou Thaisa.

   - Na décima sexta tentativa ela sempre consegue – disse balançando a cabeça enquanto todos nós voltávamos nossa atenção para Jessica que pisava no ultimo degrau suspirando aliviada.

   Aparece um homem ao seu lado e eu franzo a testa perguntando quem era ele.

   - Querida, se você não sabe... – disse Luana.

   A luz do holofote amplia e agora o homem de terno que dá o braço para Jessica está visível.

   Era pai.

   Digo, meu paidrasto.

   Jessica sorri satisfeita pela reação do publico e começa a caminhar com meu pai, olho para ele, analiso seu cabelo com quilos de gel para que fique totalmente para trás. Olho em seus olhos e seria impossível de alguém não reparar o brilho que havia neles.

   - Jo. – disse Thaisa para Joyce – se você não abrir os olhos, vai perder tudo.

   Começo a aplaudir e todos do salão me seguem.

   Foco no tapete vermelho emocionada e imaginando se ano que vem minha festa vai ser igual a essa, com pessoas me aplaudindo, me amando, tirando f...

   - Oque é aquilo ali? – pergunto a meus amigos apontando para o tapete vermelho.

   - É um tapete, – diz Luana – prazer.

   - Não gente, aquilo ali.

   - Oque? A dobradura? – pergunta Thaisa.

   Olho para todos os lados procurando alguma solução para o problema e tentar evitar o desastre, mas não tem outra saída fora rir de Jessica caindo. 

   - Alguém vai se estabacar no chão – avisa Kin.

   Levanto-me e quando dou o primeiro passo em direção ao tapete Joyce diz:

   - Você vai aonde?

   - Vou salvar minha irmã – digo e viro as costas para ela.

   - Você sabe muito bem oque sua mãe disse para você – continua ela cruzando os braços.

   - As meninas vão ficar com você – digo.

   - Mas o Kin não é menina – diz ela – ou é?

   - Joyce, se manca! – diz Kin.

   Ignoro-a e me viro, mas era tarde demais, mas também era cedo demais para rir, deveria esperar que toda aquela câmera lenta em minha mente acabasse para que pudesse ao menos rir na hora certa, mas eu não iria rir, mesmo querendo muito.

   Quando Jessica encontra totalmente o chão a passos da mesa do bolo todos começam a rir, meu pai pega-a pelo braço e tenta a recompor, vejo uma lagrima brotar em seus olhos.

   - Gente, gente – diz a mulher no microfone e todos olham para ela cessando as risadas de vagar – essas coisas acontecem, vamos aplaudi-la, vamos aplaudi-la.

   Eles retomam a caminhada, mas dessa vez um pouco mais rápido para acabar logo com aquilo, passaram por minha mesa sem notar minhas mãos que acenavam.

   Jessica senta na cadeira ao meio, minha mãe em uma mais atrás ao seu lado esquerdo e meu pai do lado direito.

   - Estamos aqui nesse dia belo e ensolarado... – diz a mulher loira começando a cerimonia.

   - Ensolarado? – sussurro.

   - Só no mundo dela – diz Kin.

   - Comemorando o aniversário de 18 anos de Jessica – continua a mulher e todos batem palmas.

   - Odeio essas homenagens – diz Luana apoiando- se na mesa – sempre é a mesma coisa e eu nunca sou homenageada – ela dá de ombros.

   Olho por um segundo para Joyce que não tira sua atenção de Jessica e meus pais nem para poder respirar.

   - Jessica que ontem mesmo era uma mocinha, agora se torna uma mulher.

   - Cara, essa mulher sabe mesmo oque ela está falando? – pergunta Thaisa.

   - Thaisa falando “cara”? – diz Kin estreitando os olhos enquanto olhava para Thaisa.

   - Gente, foco – digo e olho para frente.

   Mantenho meu foco bem a minha frente que era a direção da mesa do bolo onde estava Jessica agora.

   E também onde era a direção dos cabelos negros e ondulados de Tyler.

   Fico lembrando que pouco antes da festa começar eu estava a enterrar meus dedos naqueles mesmos cabelos só por causa de uma mera mesa bem posicionada e reservada para mim e para meus amigos.

   Todos voltam a bater palmas, e quando Tyler faz o mesmo eu o acompanho, ele para e eu faço o mesmo, ele pega seu copo de refrigerante e dá uma grande golada, fico a observar os movimentos que seus lábios fazem e imaginando como seria tocar os meus nos dele novamente.

   - Puxa, – digo não tirando os olhos de Tyler – acho que nunca vão criar homenagem melhor que essa.

   - Alice, ela está falando da morte do seu pai – diz Thaisa.

   Minhas vistas embaçam e parece que tudo gira, gira e para bem no ultimo momento em que estive com meu pai (não no ultimo sonho da madrugada de ontem) no ultimo momento em que estive junto a ele enquanto estava vivo. Olho para Marcelo e penso como seria legal se fosse ele, mas não é, pois o futuro talvez não quisesse assim. Tudo gira novamente e me lembro de quando minha mãe me deu a noticia, de como foi perder meu chão e não encontrar outro como aquele para pisar nunca mais, de como...

   - Lice, Lice... – diz Joyce sacudindo meu braço, me viro totalmente para ela e a encaro enquanto ela se contorce – quero ir ao banheiro.

   - É ali – digo instantaneamente apontando para a porta do banheiro feminino ao lado da escada e tentando retomar meus pensamentos.

   - Lice... – ela me sacode novamente e eu suspiro para não puxar o cabelo dela – e se o homem aparecer de novo, oque eu digo?

   Respiro fundo e me levanto pegando-a pela mão.

   - Lice, – diz alguém atrás de mim – eu levo ela.

   - Não, pode deixar comigo, – digo para Thaisa contra minha vontade – é minha obrigação tomar conta dela.

   - É sério, - continua ela – e eu também estou apertada – ela se levanta e pega a outra mão de Joyce – Vamos Jo. – encaro Thaisa abrindo um sorriso de: “NEM PRESCISAVA, AMIGA”.

   - Olha lá, Lice – diz Kin enquanto me viro para sentar em minha cadeira.

   - Como fizeram esse telão aparecer assim? – perguntou Luana boquiaberta enquanto olhávamos para a parede que girava e aparecia um telão em seu lugar bem acima da mesa do bolo.

   Aparece a filmagem do parto de Jessica, que aconteceu obviamente há 18 anos, tinha uma voz narrando alguma coisa que era inaudível, parecia ser a voz da mulher loira.

   - Que nojo! – disse Kin.

   - Kin, se manca – disse Luana revirando os olhos – isso é tão, tão, emocionante esse momento.

   - Falasério. – digo – isso é impossível de ser emocionante.

   - Povo sem coração – diz Luana balançando a cabeça.

   Volto minha atenção para o telão que agora apareciam fotos em que minha tia Patricia, a mulher que mais pensa em dinheiro que já vi nesse mundo, estava visitando minha mãe e Jessica na maternidade com um grande buque de flores junto a ela. Logo aparece minha tia e Jessica em um shopping onde a cara de Jessica tinha sorvete por toda a parte, depois elas em uma loja de roupas experimentando o mesmo conjunto e a ultima onde minha tia estava com Jessica em um carro aprova de mísseis com óculos escuros.

   - Quero chamar você, tia Patricia, para me dar um abraço – diz a mulher loira no lugar de Jessica.

   Todos batem palmas enquanto minha tia levanta abaixando seu vestido curto cor de ouro que combinava com seus cordões e pulseiras de ouro, seus cabelos negros estavam presos em uma espécie de coque e suas sandálias eram altas até demais.

   Um holofote foca nela e ela coloca sua bolsa de contas acima dos olhos enquanto os estreitava para evitar a luz forte, ela chega até Jessica e lhe dá um grande abraço apertado e sussurra alguma coisa no ouvido dela que não consigo pescar nenhuma palavra se quer.

   - Você está mesmo chorando? - pergunto tentando ver o rosto de Luana que está escondido atrás do escuro do salão e de seus dedos.

   - Eu? Chorando? - ela dá uma gargalhada - Claro que não.

   - Tá, você não convenceu ninguém - digo olhando-a.

   - É mesmo Luh. - diz Kin balançando a cabeça.

   - Ai gente, seria impossível alguém não chorar com um momento desses - ela limpa uma lagrima com o guardanapo.

   - Um lindo e digno abraço de uma tia que realmente se preocupa com sua sobrinha, que a ama...

   - Alice, se manca - me interrompe Luana e suas lagrimas secam em questão de segundos - Claro que não, acorda filha. Emocionante é o momento de ter uma tia podre de rica e que te leva para tudo quanto é lugar do mundo! E mais emocionante que isso, - ela limpa a garganta - é você receber dois mil reais no seu aniversário de 18 anos.

   - O-que? - me engasgo com o guaraná e ele sai pelo meu nariz.

   - Que nojo Alice - diz Kin - hm... Olha isso!

   - Não, olha isso! - diz Luana apontando para Jessica que estava amostrando a mala que estava com o dinheiro que minha tia havia lhe dado.

   Aplaudimos e eu vejo quando o segurança de minha tia voltar para sua posição na mesa enquanto ela dava outro abraço em Jessica, uma mulher se aproxima o máximo que pode para não fosse notada por ninguém para pegar o presente de Jessica para guardar junto aos outros. Jessica franze o cenho para a mulher e aperta a mala contra o peito.

   - Pode deixar esse comigo - diz ela.

   A mulher diz algo que não consigo ouvir.

   - Claro que pode ficar comigo - insiste Jessica enquanto minha tia se afasta dela acenando para todos ao caminhar.

   A mulher entra no circulo que o holofote foca em Jessica para tomar a mala dela.

   - Que, que é isso? - grita Jessica - solta!

   A mulher sorri sem jeito para o publico enquanto segura a alça da mala e faz força para que Jessica solte a mala.

   - Jessica, ela não vai roubar a mala - diz minha mãe o mais baixo que pode, mas não foi o suficiente para ninguém escutar, ao perceber que todos olhavam para ela, ela encolhe os ombros e põe o cabelo atrás da orelha.

   - Claro que vai! - continua Jessica a gritar.

   - Jessica... - sussurra minha mãe mordendo os lábios inferiores nervosamente sem tirar a mão dos cabelos.

   Jessica fuzila a mulher com o olhar e solta a mala, a mulher cai junto a mala no chão e todos começam a rir enquanto Jessica volta para a cadeira.

   O vídeo da play e todos são obrigados a ficarem calados para poder ouvir oque a narradora dizia, mesmo isso sendo impossível. Agora aparecem meus avós, Kassiano e Catia, a primeira foto foi tirada em Iguaba quando Jessica tinha apenas 8 anos, eles estavam na praia, minha avó Catia estava ajoelhada ao lado da cabeça de Jessica, que estava deitada na areia coberta por um castelo feito pelo meu avô todo de areia, quanto a ele, estava pondo a bandeira em uma das torres.

   - Venham cá meus coro... - a mulher loira estreita os olhos para poder ler melhor o papel - queridos av... - Jessica chama sua atenção com um estalo e sussurra alguma coisa atrás de sua mão - venham cá meus coroas.

   Um holofote foca na mesa que fica ao lado da escada enquanto aplaudimos a eles.

   - Oque aconteceu? - pergunta minha avó olhando em volta e abrindo um sorriso, ajeita seus óculos fundo de garrafa e acena para todos.

   - Acho que ganhamos na mega-sena! - diz meu avô fazendo o mesmo que ela.

   - Que tenso seus avós, Lice - diz Kin.

   - Ah, dá um credito, eles têm 70 anos!

   - Não, senhores, - diz a mulher loira no microfone - vocês, infelizmente, não ganharam na mega-sena, não dessa vez.

   Todos começam a rir, alguém se aproxima deles e sussurra alguma coisa.

   - Ah, desculpe meu jovem rapaz - meu avô diz ao homem se levantando lentamente com a maior calma do mundo como se aquele evento fosse durar a noite toda – vamos, querida. 

   Como todo mundo sabe e já está acostumado.

   Digo, como toda a minha família sabe e está se habituando, meus avós eram duas tartarugas humanas, e demorariam horas para chegar até Jessica.

   - Meeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeu Pai – diz Kin deitando-se sobre a mesa.

   - Essa é uma boa hora para tirar uma soneca – digo para meus amigos.

   - Eles estão a duas mesas de Jessica, não deve demorar muito dessa vez – digo. 

   Volto minha atenção para meus avós e vejo que estava redondamente enganada, bom talvez quando Jessica completar seus dezenove anos eles cheguem até ela.

   - Estamos chegando, meu bem – diz minha avó enquanto dava seus passos trêmulos e inseguros.

   Olho para Tyler e ele estava conversando com seu colega de mesa, um menino que não conhecia mas que gostaria de conhecer, e muito bem.

   - Sei que pode ser loucura minha – diz Luana olhando para Tyler também – mas já passou pela cabeça de vocês que o Tyler poderia ser...

   - Gay? – interrompe Kin – já, muitas vezes.

   - Gay? Tyler? Desculpe gatos, mas acho que não – digo ajeitando o vestido sobre a perna.

   - O motivo de você assediar ele não vai torna-lo mais homem – diz Luana.

   - Posso garantir a vocês que ele não é – olho novamente para ele o dou uma gargalhada com a hipótese idiota e sem qualquer nexo, olho para os dois lugares vazios ao meu lado, pego no pulso de Kin e vejo as horas olho para ele enquanto digo: - Kin dá uma passada lá no banheiro e vê se tá tudo bem?

   - Só uma passada.

   Balanço a cabeça afirmativamente e o vejo virar as costas para mim, quando volto minha atenção para Jessica era o momento na qual meus avós estavam a entregar o presente dela, ela abre o grande embrulho e depois abre a caixa enfiando metade do braço dentro da caixa, quando o tira de dentro dela estava segurando uma boneca, a boneca que a oito anos atrás ela chorava todos os dias em seu quarto querendo-a com todas as forças que tinha.

   Ela sorri sem jeito e voltam a abraçar os dois, eles se viram e ela entrega os presentes para a mulher que os recolhia. 

   O telão acende novamente e aparece...

   - Voltei, oque eu perdi? – pergunta Kin enquanto se sentava.

   - Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! – reclama um homem ao lado.

   - Ih, oque que é hein? – retruca Kin, eu o belisco e faço sinal de silêncio ele me olha furioso enquanto me viro para o telão e vejo as fotos de meus pais, que eram muitas, momentos de quando estavam no shopping, no parque, em casa, na casa de amigos, no banho, dormindo e andando de bicicleta juntos.

   - Preciso dizer mais alguma coisa? – pergunta a mulher loira com lagrimas nos olhos, talvez porque ela escutou oque ela mesma dizia no vídeo e eu não.

   Começo a aplaudir enquanto com os olhos cheios de lagrimas, os três se abraçam, tentando evitar as lagrimas que brotavam em meus olhos olho para Kin e pergunto:

   - E ai?

   - E ai oque? – perguntou ele levantando uma das sobrancelhas.

   - As meninas estão bem?

   - Você pediu parar eu passar no banheiro, não para ver se as meninas estão bem – ele dá de ombros e eu balanço a cabeça dando uma tapa na própria testa.

   - Gente, eu vou lá no banheiro dá uma olhadinha nas meninas – digo me levantando.

   - Não Lice, eu vou! – diz Luana escondendo e se pondo de pé em um segundo, estreito os olhos enquanto a olho e digo:

   - Tá bom, então...

   Volto minha atenção para o cerimonial e vejo a mulher loira limpar uma lagrima nos olhos enquanto meus pais se sentam.

   - E o presente? – perguntou Kin.

   - Eles entregaram já, você não viu?

   - Não, qual é?

   - Se você não viu, agora já era – digo me virando de costas para ele.

   - Claro que não ia me esquecer de você – diz a mulher loira em seguida olhando para cima para também ver o telão.

   Aparece Victor na tela e as meninas gritão.

   - Ele nem é grande coisa assim – diz alguém ao nosso lado.

   Aparecem fotos deles no shopping, em casa, na escola, na rua, em ônibus, no shopping de novo e em outras fotos que já tinha visto quando ajudava Jessica a selecionar as fotos para o telão.

   Um holofote foca na mesa de Victor e ele apenas sorri, o menino loiro que entrou com ele dá um soco de leve em seu braço e ele logo se levanta, põe a mão acima dos olhos querendo enxergar Jessica e quando a vê acena no alto, corre ao seu encontro e dá um grande abraço nela a rodopiando  no ar, quando ele a põe no chão novamente ela sorri para ele, segura seu rosto e o beija, todo mundo começa a gritar e outros sem educação batem na mesa.

   Ele pega com a mulher um coração de pelúcia enorme e a entrega ela o aperta contra o peito e depois sorri carinhosamente agradecendo, ele volta para o lugar dele e se senta.

   - Pensaram que acabou por ai? – perguntou a mulher loira querendo interagir com o publico.

   - Não – digo baixinho.

   - Mas não acabou – diz ela rindo sozinha – agora as divas.

   Quando ela olha para cima eu a acompanho, era a hora de Jessica e suas amigas nojentas e catarrentas, eu não queria ver isso, me viro para Kin e digo:

   - Eu vou atrás das meninas – estou prestes a me levantar, mas Kin segura meu pulso e me prende junto à mesa.

   - Relaxa a tanga – diz ele – eu vou.

   Estreito os olhos para ele e me ponho a pensar, essa situação estava ficando estranha. Primeiro, Thaisa se oferece a ir ao banheiro com Joyce, oque é normal - para ela – que tanto gosta de Joyce. Segundo, elas demoram um ano para apenas ir ao banheiro. Terceiro, Luana e Kin estão agindo estranho e não me deixa ir atrás das meninas nem por um decreto.

   CLARO!

   Como foi burra ao ponto de não notar que eles só querem faz...

   - Fica aqui! – diz ele fazendo uns movimentos com as mãos.

   Eu abaixo a cabeça e tento não ouvir as risadinhas irritantes que viam do telão atrás de mim. Levanto a cabeça novamente para não fazer má visão da família e vasculho em volta a procura de algo interessante para se olhar nessa festa.

   Olho direto para a mesa de Tyler, mas vejo que ele e seu amigo não estão mais lá. Olho para a mesa de minha tia Patricia que estava se preocupando demais com seu notebook importado para dar atenção a uma mera festa de 18 anos de sua sobrinha, olho para a mesa de meus avós e só vejo a baba caindo de suas bocas abertas enquanto dormiam, eca!

   Procuro minha tia Lucia, mas não a encontro onde ela deveria estar. Talvez ela tenha passado mal, ou talvez não, talvez seu filho deva ter ligado e dizendo que estava passando mal, ou talvez não. Talvez ela estivesse ainda de amasso com aquele tarado no segundo andar. 

   O mais legal de uma festa, é estar em uma festa com a família. Onde você não pode fazer exatamente nada.

   - Oiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii – tapo o nariz ao ouvir o sussurro daquela voz.

   - Estão ocupadas – digo percebendo o tom engraçado da minha voz ao falar segurando o nariz.

   - Oque estão ocupadas? – pergunta Geilson sentando na cadeira de Joyce, que era ao meu lado.

   - As cadeiras – digo olhando para os abraços falsos que as amigas de Jessica a davam.

   - Por que está segurando o nariz? – pergunta ele diminuindo nossa distancia cada vez mais – aconteceu alguma coisa?

   - Não – digo tentando abrir um sorrisos e largando o nariz, mas não soltando o ar – está tudo bem, sério – pego meu copo e tento respirar dentro dele achando que ali ainda residia algo puro, mas oque encontrei foi um grande cheiro de podre, cuspo meu guaraná no chão ao meu lado tentando fazer o mínimo de barulho possível não querendo chamar a atenção para mim.

   - Tudo bem ai embaixo?

   - Tudo, tu... – tusso bruscamente – eu precisava mesmo é de água – digo balançando a cabeça casualmente.

   - Fica aqui, eu pego – diz ele tentando tocar em meus ombros, mas eu os encolho antes mesmo dele conseguir tal façanha – fica aqui! Não se move até eu voltar.

   Balanço a cabeça afirmativamente e começo a respirar profundamente inúmeras vezes quando ele se afasta e o ar deixa de ser rarefeito e volta a ser o ar que eu conheço.

   Olho para o chão para a lambuzada que fiz.

   - Merda!

   - Vem cabeça – diz a mulher loira no microfone e eu levanto a cabeça instintivamente.

   - Eu! – digo alto até demais, alto para todos saberem do meu apelido ridículo, alto demais para um holofote focar em mim e todos me apontarem sussurrando e rindo ao saberem que quem era a “cabeça” era eu.

   Engulo em seco e me levanto pelo mesmo lado em que cuspi o guaraná sem reparar, tento limpar a sola da minha sandália no pano azul da mesa que encostava no chão, levanto a cabeça sorrindo forçadamente e dou o primeiro passo e o se...

   E todos riem alto.

   Fico vermelha na hora e tento me levantar do chão fazendo movimentos curtos para que minhas roupas intimas não aparecessem nas filmagens, levanto do meu grade e estupido tombo de lezada e tento sorrir quando reparo que meu salto tinha quebrado.

   Logo minha sandália favorita.

   Continuo a caminhar querendo igualar os passos com a falta do outro salto, tento ignorar as rizadas, os dedos me apontando e os sussurros ao meu redor focando apenas em Jessica que caia na gargalhada enquanto me esperava.

   Chego perto dela e a abraço forte.

   - Cala a boca! – digo baixinho e sorrio de novo, me afasto do abraço a segurando pelos ombros para analisa-la melhor – tá linda – minto para tentar sair bem na fita.

   Lembro-me de minha mãe me dizendo: Tudo que vai, volta.

   Ai mãe, você me paga!, penso.

  Viro-me lentamente e sorrio para o publico descendo os degraus e voltando para minha mesa tentando saber oque exatamente aconteceu há dois minutos.

  Quando chego a minha cadeira, sento-me e tiro minhas sandálias e analiso o salto quebrado tentando dar uma de investigadora criminal e decifrar oque aconteceu.

  Oque aconteceu foi simplesmente...

   - Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! – ecoou um grito do fundo do salão, e assim como eu, todos olhamos para as grandes escadas, mas as pessoas ignoraram rapidamente, menos eu, eu conhecia aquele grito chato e atordoante.

   Joyce.

   Largo minhas sandálias no chão e corro em direção ao banheiro feminino.

   - Alice? – olho para trás e vejo Geilson segurando supostamente meu copo de água.

   - Depois – digo enquanto me virava tentando retomar o ritmo da corrida.

   Eu esbarro em alguém e esse alguém envolve seus braços em minha cintura enquanto meus braços se rendem ao fazerem contato com seu grande peitoral e aquele cheiro tranquilizador.

   - Tudo bem, menin... Alice?

   - Meu nome – digo balançando a cabeça tentando voltar para o plano terreno – Ah, oi, desculpa, Bernardo.

   - Oque aconteceu? – diz ele ainda com os braços envolta de mim.

   - Nada, nada – digo voltando a delirar com o calor que vinha de seu corpo ao encontro do meu.

   Olho para cima e o encaro, começando de seu moicano totalmente perfeito, depois para seus olhos negros profundos depois para seu cavanhaque com aquela boca perfeita. Ele estava com uma camisa social branca com as mangas dobradas com outra camisa branca por baixo.

   Afasto-me dele, mesmo não querendo, mas sabe, minha mãe estava ali, e ela poderia ver como eu estava atirada nos braços de meu professor de Zouk e simplesmente me tirar da dança, e isso não era nem de longe oque eu queria.

   - Onde estava indo com tanta pressa?

   - A lugar nenhum – sorrio e ele sorri também – eu estava correndo do mico que paguei, você não viu?

   Diz que não, diz que não, diz que não!

   - Não, eu estava no banheiro – ele dá de ombros e põe a mão no bolso de sua calça escura – e parecia que você também ia ao banheiro.

   - Não, vou não.

   - Está procurando alguém?

   Joyce!

   Como poderia esquecer minha linda e adorável prima que estava a gritar?

   - Obrigado – digo me aproximando dele e ficando na ponta dos pés para poder beija-lo no rosto, demoro antes de me afastar tentando fungar todo o seu perfume.

   - Está tudo bem mesmo, Alice? – ele sorri.

   - Claro – digo acenando antes de entrar no banheiro feminino e encontrar no meio de tantos pisos brancos algo que nunca pensei em ver.  

   Aproximo-me lentamente e o mais casualmente possível do espelho e me apoio na pia de pedra preta, ajeito meu cabeço e olho em volta, para as portas dos sanitários que combinavam com a pedra da pia e depois para o chão.

   - Bonito, não? – digo ainda fitando o chão.

   As pessoas param e me olham uma com os olhos arregalados e a outra encolhendo os ombros.

   - Espera, Alice. Não é nada do que você está pensando – não consigo distinguir as vozes, pois a raiva tomou conta de mim.

   - Ah, claro que não – digo – não é nada do que estou pensando é tudo oque estou vendo!

   Bato com o punho na pia e machuco a mão, viro-me de costas para elas e gemo de dor sacudindo a mão, olho para o espelho e vejo que não adiantou muito ter virado de costas se tinha um espelho fofoqueiro ao meu lado.

   - Oque preferem? – pergunto cruzando os braços e me aproximando delas – que eu mate vocês agora, ou depois que inventarem a mentira de vocês?

   - Alice, calma! – diz Kin abrindo a porta bruscamente e entrando por ela.

   - Não vem não que já estou virada no samurai – digo tentando não rir da própria piada.

   - Deixa agente explicar – diz Thaisa.

   Bufo e me viro novamente para a pia ajeitando dessa vez o decote do meu vestido, viro-me de costas para o espelho e de frende para eles, cruzo os braços e bato o pé impaciente enquanto digo:

   - Então, quem vai começar?


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