Convidei ele para sentar na sala. Sentamos um do lado do outro, pois já éramos praticamente "íntimos". 

- bem que seus olhos me pareciam familiar... - disse Liam.

- o quê? - indaguei.

- não, é que quando a gente se esbarrou - ele deu uma pausa - pela primeira vez - ele justificou e abriu um sorrisinho (QUE SORRISO!!) - sabia que já tinha visto esses olhos azuis acizentados...

- sério? O que eu achei familiar em você foi seu sorriso... - falei.

E ele abriu outro sorriso. Ah. Nem comento.

- não precisavam de mais ajuda? - perguntou Liam, olhando, pelo que me parecia, por cima do meu ombro.

- não... Tem, definitivamente, mulher suficiente lá na cozinha... - disse minha irmã, com uma cara frustrada.

Eu sabia que estava tendo uma explosão dentro de Kattie. O ídolo dela bem na frente dela, e ainda, ele brincou com ela quando ela era ainda bem pequena. Não só ela estava tendo conflitos internos. E não, não me refiro a ir no banheiro... Mas estávamos agindo bem, normalmente.

- então gostou da faculdade? - perguntou Liam.

- hã? Ah, sim! - que fofo, ele lembrou - fisicamente ela é muito legal e muito bonita, mas não quero ficar olhando pro chão enquanto ando pelos corredores e fazer tudo o que o professor mandar... 

- e os professores são todos feios e com pereba no rosto... - completou a minha irmã.

Liam riu. Minha mãe se aproximou, pousou a mão no ombro de Kattie e disse:

- a janta está pronta! 

Nós três levantamos e nos sentamos nos lugares vazios, pois todos já haviam se acomodado. A família de Liam ficou de um lado da mesa, e a minha do outro. Teve lasanha para comer. A única coisa que eu não queria que tivesse naquela hora para comer. Por que? Porque eu me lambuzo demais comendo aquilo, e não queria parecer um zumbi comendo um cérebro com sangue escorrendo da boca na frente de Liam. Eca. Exagerei. Me desculpem, mas era verdade.

- então Jessica, já está na faculdade? - perguntou Felice, avó de Liam.

- ainda não, estou à procura de uma... - respondi. O bom é que ela falava inglês também - fomos até ver uma hoje de manhã.

- verdade? Qual vocês foram? - Oliver, marido de Felice, perguntou.

Minha mãe que respondeu essa pergunta, porque eu não sabia pronunciar aquele nome.

- e gostou? - Felice, perguntou.

- sinceramente... - olhei para os meus pais - não. Não que ela não seja legal e bonita, mas os professores me pareceram, sei lá, assustadores.

- ainda mais com aquelas verrugas no rosto - Kattie, acrescentou, fazendo uma cara de nojo.

Todos riram.

- é verdade! - confirmou Felice-  Tenho uma amiga que é professora lá... - olhei para Kattie discretamente (ops!) - ela é legal... Fora da escola! E realmente, aquela verruga abaixo do olho dela, é bem nojenta. Eu uma vez achei que era uma aranha envolta em teias - todos riram.

Depois disso, é sempre o mesmo papo. Os velhos querendo saber dos trabalhos de um dos outros e o que andavam fazendo. Eu tentava comer controladamente o meu pedaço de lasanha, e sem querer dei uma olhada para Liam. Ele olhava para mim. Olhei bem nos olhos dele, e ele abriu um sorriso... Ai, Pai! Aquele sorriso...

O papo continuava e de vez em quando Kattie fazia os outros rirem com seu jeito engraçado e sorrateiramente atrevido. Comemos a sobremesa e depois cada um foi conversar em um lugar. Os homens foram para a sala e ligaram a TV, as mulheres compartilhavam receitas e falavam da vida alheia enquanto lavavam a louça, Kattie ficou com elas, e de novo, eu e Liam ficamos sozinhos. Fomos sentar no banco de madeira que ficava na varada da entrada da casa. Ficamos relembrando nossas brincadeiras quando menores. E, como de costume, esqueci de colocar um casaco, e estava muito frio lá fora. Tentei não tremer muito mas estava difícil. E não queria ir para o quatro pegar um casaco e deixar Liam sozinho, porque certamente ele se juntaria com os homens depois, e eu não queria isso, estava tão bom conversar com ele.

- você quer...? - perguntou ele, apontando para sua jaqueta de cor azul-marinho escuro.

- erm... Não. Estou bem.

- não, você não está! - ele tirou a jaqueta, e colocou em volta do meu ombro. Suas bochechas estavam bem quentes, talvez ele estivesse com calor.

- obrigada - sorri.

Seu casaco estava tão quente, era grande e me aconchegava. Disfarçadamente cheirei a jaqueta e tinha um cheiro terrivelmente maravilhoso.

Ficamos um tempo em silêncio olhando para a rua. A luz dos postes... De repente uma imagem me veio na cabeça, algo... Algo não. Alguém! Alguém estava chorando, só consegui distinguir que estava chorando durante aquela escuridão por causa da luz do poste. Aquela imagem passou tão rápido, mas parecia tão real, parecia que estava lá agora.

- hum - Liam fez um som com a garganta como se fosse uma risada - lembra que brincávamos de 'família'?

Abri um sorriso, recordando.

- eu era o pai, você era a mãe - ele deu uma pausa - e Kattie era nossa filhinha... Eu sempre chegava atrasado do trabalho e você ficava brava comigo, aí bastava um beijo na bochecha e tudo parecia se consertar...

Ele se inclinou para frente e apoiou os cotovelos na perna e continuava observando a rua, como se estivesse vendo as crianças, nós, brincando no jardim. Seu olhar era distante, suas bochechas continuavam vermelhas, em seus pescoço se via uma pequena pinta (mas parecia mais uma marca de nascimento), ele usava uma camiseta cor terra-cota e as mangas curtas mostravam os braços suavemente musculosos de Liam, suas mãos, com dedos entrelaçados, tinham algumas veias um pouco saltadas.

Ouvi a porta abrir atrás de mim e minha mãe e Felice apareceram ainda conversando. 

- ah, aí estão vocês - disse minha mãe.

Me virei e abri um sorriso. Logo atrás delas estava meu pai e Oliver.

- Liam? Vamos, querido? - perguntou Felice.

Nos despedimos e eles entraram no carro. Entrei em casa e dei boa noite a todos. Quando quarto no meu quarto, vi que a janela estava aberta. Quando fui fechar, uma brisa fria entrou, e lembrei que ainda estava com a jaqueta de Liam pendurada no ombro. Coloquei ela em cima da minha cama e fui me aprontar para dormir. Enquanto escovava os dentes, Kattie entrou no quarto para ir dormir também. Quando ela fechou a porta ela perguntou:

- de quem é essa jaqueta?

Sai do banheiro, com a escova de dente na boca ainda, e peguei a jaqueta e fiz ela cheirar.

- meu Deus! Que delicia! Não vai me dizer que é do... - fiquei olhando para ela - eu te odeio!

Eu ri, e coloquei a mão abaixo do meu queixo, caso escorra um pouco de, você sabe, baba com pasta de dente.

Antes de me deitar, dei outra 'fungada' na jaqueta. Era realmente muito bom aquele cheiro. Pendurei ela cuidadosamente no encosto de uma cadeira que tinha no quarto e fui dormir.