Olhei pela fresta da cortina de veludo e vi várias pessoas, muitas, estavam simplesmente conversando, outras, olhando fixamente para a enorme cortina vermelha.

-Samantha. Está na hora.

-Tudo bem. Onde está minha máscara, Judy?

Judy é a minha mais fiel e querida amiga. Seus cabelos pretos brilhantes atraem a atenção de qualquer garoto. Judy tem olhos castanho-escuros. Hoje, por ser um evento especial; ela usava um vestido longo azul marinho, com os cabelos presos em uma trança lateral. Ela me acompanha e me ajuda em todas as minhas supostas apresentações.

-A vi dentro de seu camarim, esta bem ao lado daquela sua pequena foto preferida no porta-retratos marrom, aquela da bailarina.

-Avise o produtor para esperar apenas alguns minutos, vou buscá-la. Mas tenho certeza de que não demoro. Por favor, Judy...

-Tudo bem, mas vá rápido. Esta quase na hora de você entrar.

Abracei Judy com toda minha força. E então, fui até o camarim. Olhei direto para o porta-retratos de Cecília, minha bailarina preferida. Me inspiro nela desde que a vi na televisão pela primeira vez dançando o Lago dos Cisnes, eu tinha apenas cinco anos. Depois disso, me dediquei á dança até hoje. Mesmo passando por grandes obstáculos e pequenos buracos que quase me fizeram cair. Consegui atravessá-los com grande dificuldade.

Sozinha.

Revirei todos os cantos daquele imenso camarim, mas a máscara não estava lá. Onde estava então? Minhas mãos começaram a tremer, minhas pernas, meus dedos, quando percebi, já era tarde... Meu corpo todo estava tremendo.

Naquele momento, eu estava sozinha. Perdida.

Sentei-me de frente para o espelho, afaguei meu rosto em minhas mãos e derramei lágrimas, muitas lágrimas. Minha maquiagem se fora junto com a minha felicidade.

-Samantha! Vamos. Está na hora. Todos estão esperando por você.

Olhei pelo espelho e vi o seu reflexo. Não me virei e o encarei pelo mesmo.

-O que foi? – sua voz doce, me acalmava. Sua voz tinha cheiro de felicidade e soava como o canto afinado de um pássaro.

Levantei-me. Cheguei mais perto e o abracei. Estava fraca demais. Mas o abracei com o resto de minhas forças. Apoiei-me em seu peito em meio ao abraço e afoguei nas lágrimas que me sufocavam.

Ele usava uma calça social preta, um All Star tradicional e uma camisa branca, acompanhada de uma gravata borboleta preta, seus cabelos loiros escuros estavam caídos sobre um de seus olhos verdes.

-Não posso mais dançar, minha máscara não esta aqui. Acabou.

-Samantha... – segurando meu rosto, percebo que suas mãos estão como geleiras, frias. –Não ligue para o que vão pensar ou dizer, você ama o que faz, e isso te torna única. A única Samantha que me fez apaixonar novamente.

Chorei ainda mais, desesperadamente. Apenas ele e Judy aceitavam-me como sou. Apenas eles me apoiavam. Apenas eles sabiam.

-Ei! Não chore, Samantha.

Ele levantou minha cabeça pelo queixo, senti o toque de seus dedos levemente em minha pele. Sorriu. Eu sentia meus olhos vermelhos e ardentes. Foi chegando mais perto de mim, eu podia sentir a sua testa na minha. Seus lábios vermelhos selaram-se junto aos meus.

Tinha cheiro de amor e gosto de segurança. O leve toque de suas mãos em meu rosto, minhas mãos em seus cabelos loiros, tudo isso me acalmava.

Quando ele me beijou mais profundo, eu senti que o ouvia por dentro.

-Samantha...

Seu sorriso me deixava mais segura do que estava. Seus olhos penetravam fundo em mim. Estremeci. Meus olhos ainda lacrimejavam. Minha vida, ainda preta e branca, tinha ganhado um pouco de cor. Apenas sorri e o abracei novamente.

-Por favor, Samantha. Vá para aquele palco, deixe assim como está. Estão todos ai, e você vai conseguir. Juro que vai conseguir.

-Todos? Até meus pais?

-Sim, Samantha. Mas não se preocupe. Acabe já com essas suas mentiras.

-Agora, eu não posso nem pensar em o que poderá acontecer comigo. Meu pai vai me bater se souber que não segui a carreira que ele desejou para mim.

-Samantha. Se isso acontecer, eu juro que vou estar lá para te proteger. Até mesmo se for de seus pais. Agora, entre naquele palco e dance como nunca dançou. Juro que você vai conseguir. Juro que depois você vai ser feliz.

-Você está jurando muito, não?

-Juramentos são para serem cumpridos. E eu vou cumpri-los. Pode acreditar que vou.

Eu o abracei.

-Samantha! Ande logo, faz cinco minutos que estão te esperando. Algumas pessoas já estão indo embora! – Judy estava mesmo nervosa. Mas no meio desse nervosismo, existia um pouco de felicidade.

Soltei-me do abraço e fui até o espelho.

Ele e Judy estavam atrás de mim, fazendo com que eu os via pelo reflexo do espelho.

-Você vai conseguir, com certeza vai. – murmurei para mim mesma, junto de um sorriso. Meus amigos também sorriram e logo depois, passei um pouco de base para sumir com os borrões do rímel por causa das lágrimas.

Respirei fundo e me virei, seguindo até a porta do camarim.

-Ah! Graças a Deus, garota! Onde você estava? As pessoas estão indo embora! Anda, anda, anda! – a voz do produtor estava fina. Sua careca brilhava por causa dos produtos que ele passava.

-Vivian, avise o apresentador que ela já está indo. Rápido! – ele disse pelo fone que passava por sua careca toda até chegar a sua boca, quando eu não respondi nada.

Depois de ele ter balançado a cabeça afirmando várias vezes, ele deu dois tapinhas em meu ombro, indicando-me que era a minha vez.

Andei vagarosamente até o meio da enorme cortina, olhei para meus amigos que estavam abraçados e rindo. Judy me mandou uma piscadela, que me fez abrir um pequeno sorriso e ele me mandou um beijo, fazendo com que eu mostrasse todos os meus dentes desta vez.

Escutei o produtor gritando e virei-me para frente. Segundos depois a cortina vermelha se abriu e luzes fortes invadiram os meus olhos, acompanhada de conversas e aplausos.

O que eu não esperava, era que aquela noite que começara ruim, poderia – ou não – acabar do mesmo jeito.