– Só mais algumas pra quebrar nosso recorde Seth! - coloquei mais algumas latas sobre as outras tantas que meu irmão já havia empilhado. Faziamos uma pirâmide com as latas vazias de suprimentos enquanto o jantar não ficava pronto. Já passara uma semana desde que eu havia sido aceita no grupo. Eu tentava ajudar o máximo que conseguia cuidando dos garotos e dos afazeres domésticos. Me sentia bem por ali. Sentia que Seth se sentia bem ali, acima de tudo.

– Isso! Conseguimos! - Ele gritou animado, colocando os braços acima da cabeça e depois batemos as nossas mãos soltando um grito vitorioso. A pirâmide era da altura dele, o que fazia ele observar seu topo animado. - Preciso chamar Carl pra ver isso Jessie!

– Isso, vá chamá-lo! - Sentei-me no chão apoiando meus pulsos sobre os joelhos enquanto observava meu irmão correndo acampamento adentro. Meus olhos correram até próximo a grande fogueira apagada alguns metros a frente. Daryl estava ali, ajustando as pontas de algumas de suas flechas. Ultimamente percebi o quanto eu observava Daryl. Talvez fosse porque ele me intrigava muito. Ele se isolava dos demais, quase não fazia as refeições junto conosco. Sua forma rústica instigava minha imaginação. Em momentos como este eu gostava de imaginar as coisas que passavam em sua cabeça, tentando decifrá-lo.

Meu olhar se cruzou com o dele de repente, Daryl simplesmente parou de observar suas flechas e levantou seu olhar diretamente para o meu. Nenhum de nós dois desviamos o olhar. Eu sustentei o meu tempo o suficiente até que Carl e Seth entrassem no meu campo de visão dizendo o quanto a torre de latas havia ficado grande. Quando olhei para próximo a fogueira novamente Daryl não estava mais lá.

Assim que o jantar ficou pronto, ofereci minha ajuda a Lori para serví-los para todos. Com excessão de nós e as crianças, todos estavam ocupados com alguma coisa. A maioria ajudava com os afazeres da fazenda. Herschel havia sido bem claro, se quiséssemos continuar por ali teríamos que ajudar o máximo possível.

Dale travava uma conversa dura próxima ao trailer com Glenn quando me aproximei trazendo o jantar dos dois. Cada um tinha uma espingarda na mão, as quais eu esperei que deixassem de lado para entregar os pratos de metal com a sopa que Lori havia cozinhado.

– Algum problema? - Perguntei a eles assim que me agradeceram pelo jantar.

– Rick teve uma reunião com Herschel. - Glenn disse simplesmente, mesmo com o olhar hesitante de Dale sendo lançado em sua direção.

– Ele disse que podemos ficar, não era? - Me sentei ao lado dele em um banquinho dentre os outros por ali.

– Sim, mas... - Ele continuou encarando seu próprio prato por um tempo.

– Nós ficaremos logo sem comida. - Dale foi direto, batendo com a colher na borda do prato. - Essa é a maior preocupação de Herschel, e uma das nossas também.

– Precisamos pensar em algo, e logo. - Glenn concordou com a cabeça remexendo na aba do boné que ele nunca tirava. - Talvez devemos voltar a vasculhar a cidade por suprimentos.

– Se precisarem de algo... - Concordei com a cabeça me levantando. Só de pensar em voltar para o mundo lá fora eu ficava com náuseas. Ali na fazenda não era nenhum hotel cinco estrelas, mas foi o melhor lugar o qual já passei, eu poderia muito bem viver o resto de meus dias por ali. Parecia apenas um acampamento de férias, mas eu tinha sido jogada da forma mais fria, de volta a realidade. A fazenda não era nenhuma colônia de férias, ao contrário, nos escondíamos do resto do mundo por sobrevivência. Não poderiamos simplesmente voltar pra casa no fim do verão, tinhamos que sair da redoma e buscar o que precisávamos no mundo real, e isso me preocupava. Eu já havia tido experiências o suficientes para saber que não era boa no uso de violencia, mas se fosse necessário, eu faria aquilo de novo. Além do mais, algo me dizia que não era só aquilo que os dois discutiam. Glenn parecia esconder algo, com o olhar distante evitando os meus.

Caminhei vagarosa com mais um prato em mãos. O choque de realidade que eu havia recebido da conversa com Glenn e Dale ainda martelava minha mente quando me aproximei do pequeno acampamento de Daryl. Parei em súbito, escondendo-me atrás de uma das árvores, quando notei que ele não estava só. Ele e Carol conversavam próximos, eu podia notar a tensão no ar entre os dois.

Daryl entregou uma flor a Carol antes de ela partir. Eu me encolhi mais na intenção de que nenhum deles me visse ali. Eu estava sendo estúpida por me esconder? Talvez estivesse. Estúpida. Na verdade foi exatamente isso que senti quando ouvi aquela voz.

– Seus pais não lhe deram educação? Não se deve bisbilhotar os outros. - A voz de Daryl soou áspera nos meus ouvidos. Me assustei tanto que deixei cair das minhas mãos o almoço que trazia comigo. O prato metálico fez um barulho alto quando se chocou ao chão, e eu só consegui sair de trás da árvore encarando toda aquela comida espalhada..

– Na verdade sim, me desculpe.

– Não é a primeira vez que noto você me observando... - A voz dele soou divertida depois de um pequeno riso que ele soltou.

Forcei-me observá-lo seus olhos claros que a essa hora estavam mais próximos do que eu imaginava. Minha respiração falhou assim que Daryl apoiou seus braços no tronco da árvore, deixando-me entre eles. Todos aqueles pensamentos ruins haviam-se esvaído tão rápidos quanto chegaram.

– Talvez... - ele se aproximou mais um pouco. Eu podia sentir sua respiração chocando-se contra meus lábios, e isso me deixava louca. De repente toda aquela curiosidade que eu sentia quando se tratava de Daryl Dixon havia se transformado em necessidade. - Talvez eu mesmo tenha que te ensinar boas maneiras garota. - Ele completou com a voz saindo mais rouca do que o seu normal, era possivel que ele sentisse a mesma necessidade do que eu agora?

Fechei os olhos assim que senti sua barba por fazer roçando-me no rosto. Enrosquei meus dedos nos cabelos de sua nuca e colidi nossos lábios sem paciência para esperar que ele o fizesse. Talvez ele pensasse que eu fosse uma qualquer, mas naquele momento, eu realmente não ligava. Os lábios de Daryl eram rústicos, e ele não me beijava com delicadeza alguma. Não que fosse isso que eu esperava, na verdade fazia tanto tempo que eu não beijava um homem que delicadeza era a última coisa que eu queria. Pensando bem, eu nunca havia beijado um homem como Daryl.

Suas mãos deixaram a árvore para circundarem minha cintura com a maior naturalidade. Foi nesse momento - entre sentir os dedos ásperos dele apertando minha pele e sua língua tocando a minha sem pudor - que eu notei o quão opostos éramos. Eu era pequena e frágil enquanto ele era másculo e experiente. Se fosse daquela forma que Daryl fosse me ensinar boas maneiras, eu não ligaria nem um pouco em aprende-las.

Separamos um pouco nossos lábios, apenas o suficiente para buscarmos o ar que faltava em nossos pulmões. Foi nesse momento que paramos subitamente ao ouvir gritos nas vozes de Shane e Rick vindos do acampamento principal. Nos entreolhamos tentados ao ignorar aquilo, mas eles não cessaram.

– Vamos. - Foi o que ele disse, antes de apanhar a besta próximo a sua própria fogueira e caminhar em passos largos em direção aos gritos.