POV. Laila

Fazia muito tempo que eu não ia a cidade, mas as ruas estreitas e feitas de pedras eram as mesmas, as construções ainda eram velhas e clássicas e o comércio também não mudara muito, continuava sendo controlado pela mais alta burguesia: os magos. Sempre eles. Os elfos viviam da agricultura assim como as fadas, os guerreiros de pequenos trabalhos, sereias fabricavam objetos feitos com conchas e pérolas, a minha raça, os lobisomens, vendia alguns animais que caçavam e os vampiros tinham riqueza para toda a eternidade. Os magos sobreviviam das fraquezas dos outros, veja bem, toda raça tem um ponto fraco e esses comerciantes vendiam produtos capazes de "concertar" isso.

Andei um pouco pelas ruas até parar em frente a um sobrado velho e com a pintura desgastada, sobre a porta estava um letreiro que um dia já fora dourado, mas que agora estava sujo e desgastado, no letreiro estava escrito: "Artigos Mágicos Eclipse". Respirei fundo e entrei na loja.

Ela estava caindo aos pedaços, as paredes tinham mofo e precisavam de uma nova pintura, tinha teias de aranha e poeira por toda a parte, vários livros e outros objetos estavam jogados em um canto desarrumados e a única luz que tinha era a do sol entrando pela janela. Andei mais um pouco até chegar em um balcão de madeira, não tinha ninguém lá, só um sino sobre a mesa.

Peguei o instrumento e o balancei provocando um som estridente, nada aconteceu, fiz mais vezes e com mais força e um gato preto saltou pra cima do balcão soltando um miado irritado.

Aquilo realmente me assustou, mas não mais do que uma mão que apareceu do nada na mesa, aos poucos cabelos loiros e bagunçados também foram surgindo, no final uma menina que aparentava ter a minha idade apareceu. Ele tinha olhos dourados e os cabelos loiros estavam na altura dos ombros.

– Nyx! Não assuste os clientes desse jeito! - a menina disse repreendendo a gata e logo em seguida se dirigiu a mim - Meu nome é Luna, em que posso te ajudar?

– Ahn, meu nome é Laila, você teria por acaso um buscador?

– Tenho sim - ela estalou os dedos, de uma das várias prateleiras saiu uma esfera flutuante que parou na palma de sua mão - Aqui está, são vinte moedas de ouro.

– Vinte?! Está brincando?! - disse irritada, aquele buscador não valia nem dez moedas, estava velho e sujo.

– Estou falando muito serio! Um objeto como esse é muito raro! São vinte moedas e ponto final!

Eu ia bater na Luna, mas me contive. Ela me encarava com raiva e eu fazia o mesmo, a única na loja que estava tranquila era aquela gata irritante.

– Olhe Luna, você parece ser uma pessoa bem legal. Aposto que está assim por causa de alguém, não é verdade? - disse tentando enrolar a vendedora.

– Talvez... - ela disse me lançando um olhar desafiador.

– Aposto que é uma pessoa muito egoísta e irritante.

– Egoísta e irritante é pouco! - eu tinha conseguido, a menina mudou o tom de voz e o olhar - Ele simplesmente me tira do sério! Acha que o meu sonho era ter essa loja suja?! Bom, talvez... Só que eu queria uma loja mais arrumadinha e que tivesse clientes... Mas eu consegui?! Não! E o que o idiota do meu irmão herdou?! A fortuna da família!

– Entendo... E você queria o dinheiro? - perguntei fingindo interesse.

– Bom, na verdade não... Mas isso não muda o fato dele ser um egocêntrico idiota!!

– Aposto que o seu irmão venderia o buscador por vinte moedas, ele me parece ser uma pessoa que faria esse tipo de coisa. Mas você não, né?

– Não... - isso! Eu tinha conseguido, como era fácil enganar as pessoas! - Meu irmão te venderia por cem moedas.

Merda! Ela era realmente difícil, meus planos tinham acabado, só me restava bater boca.

– Escuta aqui, Luna! Eu preciso urgentemente desse objeto!

– Eu não me importo! Preciso urgentemente do dinheiro!

– Acontece que ele não vale tudo isso!

– Certo! Vamos deixar Nyx decidir!

Ela fez um sinal pra gata que se colocou no meio de nós duas, achei que a loirinha tinha pirado de vez! Nyx alternava seu olhar entre mim e Luna, até que pulou no meu colo e por um incrível golpe de sorte consegui segurá-la.

– O que é isso?! Você é maluca?! - perguntei assustada enquanto a gata se aconchegava nos meus braços.

– Droga! Você ganhou! - ela bufou e me entregou o buscador. Deixei a gata na bancada e lhe dei dez moedas, saí da loja ouvindo Luna reclamar da falta de lealdade do animal.

POV. Luna

Quando a cliente saiu da loja eu percebi que, já que sou super atrapalhada, tinha esquecido de entregá-la a chave que destravava o buscador, então saí pelas ruas gritando "Laila! Laila!", até achá-la sozinha, sentada num canto de um beco sujo, comendo um pedaço de carne em seu estado mais primitivo de lobisomem.

– Laila? - perguntei com um tom de voz bem mais baixo.

Quando ela me viu ela se assustou e voltou para sua forma humana, de uma moça com pele morena, cabelos negros, curtos e repicados, olhos cinzentos e roupas modernas, ao invés de uma mistura entre mulher e lobo de pelos escuros.

– Que foi? - questionou-me, ainda meio sem graça.

– Esqueci de te entregar a chave do buscador.

– Ata, obrigada.

– Você mora aqui?

– Mais ou menos isso.

– Sinto muito ter tentado te cobrar 20 moedas de ouro, se eu soubesse... Se você quiser posso te devolver parte do dinheiro!

– Não, obrigada, não preciso de esmola!

– Então você quer vir morar comigo? O lugar não é muito luxuoso, ou grande, mas é melhor que aqui!

– Eu não me sentiria bem...

– Vamos!

– Tá, valeu.

– Pegue suas coisas e venha comigo!

Eu do nada decidi trazer uma pessoa totalmente desconhecida que eu tinha discutido a poucos minutos atrás para a minha casa e não sei porquê fiz isso. Talvez por culpa de tentar tirar mais dinheiro do que deveria de uma sem teto, talvez por pena do estado deplorável no qual a encontrei, ou quem sabe não teve nenhum motivo específico. Só sei que eu trouxe uma estranha para dividir a parte de cima da minha loja (que não acho que possa chamar de casa) comigo.

Na verdade o fato de Nyx ter gostado tanto da menina foi o que mais me intrigou, ela não costumava se apegar tanto, isso era um sinal de que a Laila teria alguma participação importante na minha vida e a minha gata não costumava errar, a loba com certeza era especial. Mas de qualquer modo, assim que chegamos fui matar minha curiosidade em relação à Laila.

– Por que você estava vivendo naquele beco? - perguntei.

– Porque era o mais próximo da loja.

– Mas você não tem nenhum dinheiro?

– Eu até tenho um pouco, mas eu já me acostumei com as ruas e iria passar pouco tempo aqui.

– Algum motivo em especial?

– Sim, meu pai está muito doente e eu precisava de uma planta que ouvi falar para curá-lo, mas minha alcateia não me apoiou, disseram que é só lenda, mas eu preciso da planta, então vim sem ninguém mesmo - enquanto falava ela parecia meio tensa e suava, mas devia ser difícil falar sobre o pai doente.

– Coitada! Você quer ajuda? Eu posso te ajudar! Tenho alguns amigos que também serviriam muito bem pra isso!

– Não precisa! Eu sei me virar sozinha!

– Eu insisto! Você vai precisar de ajuda pra uma coisa dessas!

– Não sei...

– Por favor!

– Tá, obrigada, mas não precisava.

Assim que a menina se acomodou, enviei uma mensagem de chamada aos meus amigos e fui pra cozinha fazer alguma coisa pra Laila, ela deveria estar com fome. Deixei-a sozinha acariciando Nyx, ainda intrigada com a história que a garota havia me contado.