Noite Escarlate. escrita por LadySilence


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Essa estória originalmente foi escrita para um concurso noutro site, mas resolvi postá-la aqui também!

Escrevi escutando My immortal - Evanescence, seria legal ler a fic escutando ela, porém, não há necessidade! Espero que gostem! =)
Link: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cu7QvOQKcKk

Boa leitura!



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Às vezes o amor traz consigo o medo.

O medo pode nos levar à distância.

À distância nos impõe a solidão.

A solidão por sua vez, aplica-nos a dor.

E através dessa dor, nos tornamos fortes...

Fortes o suficiente, para voltarmos a amar!

No entanto, nunca fortes o suficiente para suportarmos uma perda!

***



A frase “eu te amo” pode possuir vários significados!

Qual é o sentido deste teu “eu te amo”?





Apesar de viva, naquele momento sentia-se morta, embora esse não fosse o melhor caminho. A dor da saudade era insuportável para seu debilitado coração. Um adeus nem sempre é facilmente superado. Ela sabia que, por hora, o melhor a se fazer seria não pensar, ao menos não naquilo.

Faltava-lhe a coragem necessária para abrir a carta que, ainda selada, tinha em mãos. Deslizava delicadamente os dedos sobre o papel do envelope simples como se pudesse, através do mesmo, sentir a maciez da pele daquele a quem pertencia àquela caligrafia, enquanto vinha-lhe à mente os momentos que partilharam.

Antes dele, a vida solitária rendia-lhe notas altíssimas, no colégio impecável, pois, nada mais tinha para fazer durante os seus longos dias, a não ser estudar. Filha única, órfã de pai, a mãe sempre ocupada com o trabalho, não tinha amigos. Porém, nesse tempo acreditava que para alcançar os seus objetivos, o isolamento durante a vida estudantil fosse o certo, afinal, assim jamais perderia seu precioso tempo de estudo com coisas banais. No entanto, quando aquela pessoa surgiu em sua vida, o novo morador da casa ao lado, e invadiu o seu quarto, seu melhor amigo; mecanicamente seu psicológico, de início, obviamente não aceitou, entretanto, relutante, logo cedeu.

Seus dias, até mesmo os mais chuvosos, na presença dele, pareciam ensolarados, porém, agora não mais tinha aquela luz que a iluminava. O brilho de aquele ambíguo olhar, ora malicioso, outrora amigável, que às vezes afogava-a em dúvidas; não mais refletiria em seu rosto à noite, sobre a sua cama, que naquele instante encontrava-se fria no lado do qual ele se apossava.

Como pôde tudo terminar assim? Nem ao menos havia lhe dado a resposta que ele tanto almejava. Entretanto, remoer as palavras que, perdidas estavam naquele passado tão recente, não o traria de volta.

Talvez devesse apenas se erguer e seguir em frente, mas, enterrar junto dele, todos os sentimentos que se abrigavam em seu coração, era algo irrisório, aliás, nem mesmo em seus sonhos mais sórdidos, ela cogitaria tal loucura, afinal, não poderia simplesmente esquecê-lo depois de tê-lo tornado parte de si.

Os teus passos não mais poderiam trilhar o caminho ao qual, há pouco, descobrira ser o certo para alcançar o que havia se tornado o seu maior sonho, pois agora, faltava-lhe o mais importante para isso: a pessoa que antes, ocupava o espaço ao seu lado.

Mais do que todas as palavras não ditas que, aprisionadas, permaneciam em sua garganta, a resposta devida, finalmente tinha na ponta da língua. Sim, se lembrava de quando a pergunta surgira, mas agora, de nada lhe adiantava saber o que dizer. Os mortos não escutam!

(...)



Era madrugada, a janela escancarada, fria, a brisa dançava com as cortinas, acordando a jovem que ali dormia. Os dedos, gélidos, tocaram suavemente o rosto quente do rapaz adormecido, bastando, para despertá-lo.

Os olhos, castanhos escuros, abriram-se franzidos, intimidados pela luz da lua. Sonolento, sentou-se em meio ao emaranhado de lençóis, cobertores e travesseiros que o rodeavam sobre a cama. Encarando a jovem que o acordara, coçou os olhos e indagou:

— Você adora perturbar o sono alheio, não é?

— Eu é que digo! Intruso, essa cama é minha! — retrucou, entediada. — Além de invadir o meu quarto durante a noite ainda esquece a janela aberta!

Relutante, preguiçosamente ela se levantou e fechou as vidraças, em seguida entrelaçando as cortinas. Atualmente, acostumada estava com aquela amizade estranha aos olhos alheios.

— Ah! O que posso eu fazer se aqui é tão mais aconchegante? — inquiriu, deitando-se outra vez, arrumando o cobertor.

Ela se aproximou da cama desabando sobre a mesma, enfiou-se rapidamente sob a coberta, “afofando” seu travesseiro:

— Que seja! Preciso dormir, pois daqui a pouco tenho de ir à escola!

— Ah, claro! Você precisa estudar por nós dois! — acrescentou, divertido, agarrando-a e aninhando-se em seus braços.

— Durma bem!

— Idem!



As invasões ocorridas à noite, talvez fossem conseqüências da solidão que o cercava. A saúde frágil o permitia raramente frequentar o colégio, portanto, ela era o seu apoio. Antes de mudar-se para aquele bairro e conhecê-la, ele estudava em casa, professores particulares, uma sala de aula vazia.

Quando passou a habitar sua nova casa, avistou aquela garota pela primeira vez, era de manhãzinha, outono, dentro do carro, olhar consternado, ele voltava de uma consulta médica; ela, séria, uniformizada, ia para a escola.

Aluna aplicada, presença impecável; pessoa introvertida, solitária, no entanto, gentil, ela era tudo o que ele buscava na amizade tão sonhada. Sim! Ele se infiltrou na organizada vida que ela levava, bagunçando o seu perfeccionismo. Passou a frequentar o colégio, eram da mesma série, assim transferiu-se para a mesma sala que ela. Apoiado na jovem era o seu ano letivo.

Ela assistia a sua conduta exemplar aos poucos se decair, visto que, na primavera, fotografias e borboletas eram muito mais interessantes do que cadernos e geometria; assim como, filmes, cobertores e chocolate quente durante o inverno, eram mais aconchegantes que cadeiras, carteiras e luvas inúteis. Gradativamente ele a desviava do caminho que, antes, inabalável, ela seguia. No entanto, o pior é que ela estava ciente do que acontecia consigo mesma, porém, como um corpo ao mar, arrastado pelas ondas, ela sentia-se de mãos atadas, era tão suscetível às vontades dele. Como negar a aqueles olhos pidões?

O sol nascente, vagarosamente, elevava-se, em vários tons alaranjados no longínquo horizonte, dando início a um novo dia.

Corpos entrelaçados, pijamas amarrotados, cabelos desgrenhados, rostos inchados; o relógio despertou às seis da manhã em ponto. Desajeitada, levantou-se ainda de olhos fechados, péssimo hálito, desgovernada, “atropelando” o cara ao lado, pôs-se a caminhar rumo à janela para abrir as cortinas, deixando a claridade entrar. Esse era o método, efetivo, que usava todos os dias para de seu quarto espantar o bicho noturno, que ali clandestinamente repousava, afinal, arrumar-se para ir ao colégio, não o faria na frente dele.

— Ai... Que sono... — bocejou escandalosamente. — Você já vai?

— Fazer o que! — respondeu entediada.

— Ora, ora, senhorita! Quem te viu quem te vê! De perfeccionista à desleixada?! — zombou.

— Ah, claro! E de quem será a culpa?

— Vai saber... — deu-se por desentendido.

— Levante-se daí, preciso me preparar para ir estudar! — ordenou, enquanto ajeitava alguns cadernos dentro da mochila sobre a escrivaninha.

— Ah não! Fica mais um pouquinho! Vem, deite-se novamente... — pediu manhoso, batendo levemente a palma da mão sobre o travesseiro ao seu lado, indicando o lugar para que ela repousasse.

— Não posso, tenho aula! — recusou.

— Falta...

— Nem pensar! Não posso ser uma turista estudantil feito você!

— Hum... Entendo! — seu olhar tornou-se vazio.

A quietude, incômoda, estabeleceu-se entre os dois. Não era como se ele fosse assim por livre e espontânea vontade, ela sabia que, devido às circunstâncias, obrigado, ele levava a vida daquela forma. O remorso pesava sobre os seus ombros, no entanto, ela não sabia como desfazer aquela situação. Desejou do fundo de seu coração que as palavras evaporassem.

Ele retornou a si, seus olhos foram de encontro às costas da garota, que mexia em uma das gavetas da cômoda e com uma pergunta a surpreendeu:

— Sabia que a frase “eu te amo” pode possuir vários significados?

— Ah, sério? — indagou confusa, virando-se para ele.

— Sim! O significado depende do que expressa o olhar da pessoa que o diz!

— Legal! Onde você leu isso? — inquiriu, voltando-se para a gaveta.

— Eu te amo! — proferiu firmemente, ignorando.

— O que... — ela puxou a gaveta com força, segurando-a para não cair e em seguida a fechando. Permaneceu de costas.

— Você não vai olhar em meus olhos para saber o significado? — perguntou convidativo.

— Hum... Tudo bem! — aceitou.

— Sente-se aqui! — indicou para que ela se sentasse na cama frente a ele.

— Certo! — obedeceu, fazendo o que ele dissera.

— Eu te amo!

— Eh...

Ela analisou por alguns instantes, os olhos do rapaz, que indecifráveis, deixavam-na confusa. Sua ambiguidade oscilava entre a inocência e a perversão.

— E então?

— Não sei, é difícil ler você! — concluiu.

— Você me ama?

— Lógico! — respondeu de imediato. Porque não o amaria? Ele era um amigo precioso, aliás, o único que possuía.

— Eu te amo! — insistiu na tentativa de extrair, dessa vez, alguma resposta.

— Eu realmente não sei, diga de uma vez o sentido...

Em um rápido movimento, ela fora calada pelos lábios que se selaram aos seus, os olhos arregalaram-se, mas o reflexo, ineficaz, deixou-a na mão. Saciado, lentamente, ele se afastou deixando-a pasma.

— É esse o sentido! — ele confessou.

O beijo, o susto, o silêncio, e a dúvida, nesta seqüência exata, os sentidos fizeram acelerar o coração dela. Nunca antes havia tido tal experiência, no entanto, mal ela sabia que, para ele, aquele também havia sido o primeiro.

Ainda olhando profundamente um nos olhos do outro, ela não piscava, ele então perguntou:

— Qual é o sentido deste teu “eu te amo”?

Calada, espantada, encabulada, não conseguiu responder àquela pergunta. Tímido, ele pediu para que ela pensasse e algum dia lhe desse a resposta. Após isso, mesmo com dois longos anos de convivência, tornaram-se estranhos. A noite dela, a cama agora era imensa, o vazio, o frio, tinha se esquecido de como era a solidão; ele em seu quarto sentia-se um intruso, travesseiro, cheiro estranho, não estava acostumado com o seu verdadeiro lugar.

Pouco tempo depois, a partida. Debilitado, ele teve de ser internado. Doente, hospitalizado, os pais vez ou outra o visitava.

Um dia, outono, ele sentiu-se consumido pela dor e o peso de sua vida, que naquele momento era mais do que podia suportar, rendeu-se, derrotado em seu último pedido. Queria ainda lúcido, vê-la para confessar-lhe todos os sentimentos antes não ditos, e cobrar-lhe a resposta que tanto aguardava, porém, para prevenir-se de falhas, deixou escrito tudo em uma carta, aquilo que a ela, queria falar em vida.

Ocupada com os estudos, ela não sabia o que realmente acontecia, o que a família dele havia contado a fazia pensar que era como costumava ser: apenas mais alguma passageira complicação. Para não atrapalhá-la o pai dele esperou, até que o horário de aula terminasse. Pelo telefone celular o senhor apático, deixava-a a par da real situação de seu filho. O coração apertado, as lágrimas, à distância, a falta de ar e o longo caminho até o hospital eram obstáculos que, na urgência do momento, necessitava superar. Como se não bastasse, a ventania carregando as folhas secas, veio lhe atrapalhar.

Em frente ao prédio, o suor escorria em seu rosto, mesmo naquele dia frio. Ofegante, as pernas exaustas. Forçava-se a prosseguir rapidamente por entre aquele lugar silencioso. Os ruídos dos passos ligeiros ecoavam pelos corredores por onde passava.

Aproximou-se da sala de espera, expressões fúnebres, estampavam aqueles dois conhecidos. Com um “sinto muito” o senhor a entregou um envelope. Naquele momento, vivo o corpo do jovem ainda estava apenas graças aos aparelhos.

Sentiu o mundo desabar sobre sua cabeça, com todas as suas forças correu para o quarto em que ele estava, mas barrada foi, pois, por hora, não era permitido visitas. Desolada, aos prantos abandonou aquele local e seguiu até sua casa.

Sua mãe preocupada, não acostumada a atrasos da filha, percebeu a mesma adentrar a porta da sala. Correndo, subiu a escada, se trancou em seu quarto. Notando as lágrimas no rosto da jovem, a mulher decidiu não perturbá-la.

(...)



A noite solitária, o céu avermelhado, calada, sentada recostada à janela. A cabeça apoiada na vidraça, o envelope em suas mãos. Finalmente tomou coragem e abriu. Puxou para fora a folha de papel, visualizando o capricho, a letra elegante, em seus mínimos detalhes:



***

Para Sarah!



Se você está lendo esta carta, provavelmente eu falhei e já não mais aqui estou!

Nunca fui bom com as palavras escritas, embora eu quisesse me tornar um escritor, portanto, tentarei ser o mais objetivo e menos aleatório possível, para que você compreenda tudo o que eu queria ter-lhe dito pessoalmente, mas que, por ironia do destino, não foi possível.

Desde aquele dia, quando me mudei para perto de você, eu sabia que meu fim estava próximo. Naquele momento eu voltava de uma consulta. Não qualquer uma, mas justo a que me sentenciou a essa triste realidade. No instante em que recebi aquela notícia, não me abalei, de fato, a vida que eu levava nunca me agradara, pouco me importava à morte, porém, tudo isso foi abaixo quando pela primeira vez eu te vi.

Desculpe-me pelas invasões noturnas, pelas vezes que eu lhe desviava de seu correto caminho, as aulas na primavera, sacrificadas pelas fotografias e borboletas, ou então as de inverno trocadas por filmes, cobertores e chocolate quente.

Desculpe-me pelas noites mal dormidas, suportando-me ao seu lado, as broncas que levou dos professores por minha causa, as tarefas inacabadas e os seus atrasos na escola, você realmente não queria se trocar na minha frente e particularmente isso me deixava chateado.

Acima de tudo, peço perdão por não ter dito todas essas palavras pessoalmente a você, por ter sido tão egoísta para com você. Sei que o que fiz não foi o certo, mas quando me descobri apaixonado por você, soube que te amava, incondicionalmente!

Se nesta altura da carta você estiver chorando, me desculpe pelas lágrimas derramadas, não fiz por mal e saiba que também estou chorando.

Obrigado pela paciência, pelo carinho, pela companhia e por tudo o que fez por mim, que tanto, não consigo nem listar.

Saiba que todo esse tempo, o que me manteve vivo, foi você! E mesmo que me doa, e que doa em você também, usando do meu último ato de egoísmo, com todas as letras afirmo que, nunca em sua vida, alguém te amará tanto quanto eu te amei. Aliás, seu eu escrevesse desejando que você encontrasse alguém para amar, eu estaria mentindo; por mais mesquinho que isso soe, me doeria demais, se você confessasse a outro os sentimentos que não confessou a mim. Desculpa!

Nossa! Já ia me esquecendo de uma coisa. Lembra-se daquele pôster daquele cantorzinho, que eu não sei o nome, que você tanto elogiava?

Bem... Eu o queimei! E não sinto um pingo de remorso!

Enfim, nessa carta não consegui expressar nem metade do que sinto, considere-a apenas uma tentativa de mostrar-lhe o quão importante esse tempo ao seu lado, apesar de passageiro, foi para mim!


Com amor, Lucas.
***




Os soluços, as lágrimas, a culpa, o remorso, neste instante havia descoberto palavras capazes de matar. Sim! Como pôde deixá-lo de lado? Deveria tê-lo acompanhado! As aulas? Que se ferrassem! Suas notas? Que caíssem! O mundo? Que acabasse...

A cabeça latejava, os olhos ardiam, tamanha era a dor em seu peito, que até mesmo sentir uma fria lâmina perfurar-lhe a pele, não seria nada.

O desespero estonteante, um beijo depositou sobre o papel da carta, um momento de loucura, abriu completamente a janela. O vento gelado, daquela noite de outono, dançava com as cortinas em volta da garota inexpressiva. Sem pensar, subiu à sacada de seu quarto. Os cabelos esvoaçados, os lábios secos, as pernas trêmulas, era bem alto, alguns segundos depois, veio o barulho.

Tarde da noite, uma ligação? Cogitou não atendê-la, entretanto, decidiu ver o que se tratava. Desceu de onde estava, aproximou-se do telefone e atendeu. Do outro lado da linha, era rude a voz masculina, de repente, o nome familiar proferido fez-lhe arregalar os olhos.

Em pleno outono, em uma noite escarlate, um milagre, uma possibilidade. Uma tímida esperança, pequenina invadiu-lhe o coração. Deixou a pessoa ao telefone falando sozinha. Os cabelos desalinhados, olhos inchados, os pés descalços, ainda com o amarrotado uniforme da escola, sem avisar, ela saiu de seu quarto, depressa desceu as escadas, deixou sua casa e correu sob a escuridão daquele rubro céu noturno, rumo ao hospital.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! Kissus!!!