O Silêncio Dos Lobos escrita por Reira


Capítulo 1
F0und




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Capítulo 1 -


Então era isso... a escuridão.




Que escolha ela teria, apenas uma garota vagando, sem identidade, sem memórias.




Ela só se lembra que era um lugar muito triste, e que procuravam a alegria em coisas pequenas... como a esperança.


Eles prometeram o paraíso, onde poderiam ver o mar, sentir o vento, ver a chuva.

Porque não chove no subterrâneo.

Ela esperava ansiosamente pelo seu nome ser sorteado nos dias da consolação.

E um dia aconteceu...

Se lembra de alguns rostos, mas desfocados... e só. Não se lembra o para onde a levaram, o que aconteceu, porque tem aquela cicatriz.

E ainda quer saber o que é o paraíso.

E espera pelas respostas...

E se lembra de uma linda moça lhe dizendo: “Permaneça em silêncio, com dignidade.Como os lobos. Nunca fale sem pensar. Observe-os e aprenda...”

Olhou para a imensidão negra abaixo de seus pés. Mais um passo e cairia dentro do enorme penhasco aparentemente sem fim.

Mas porque ? Poderia tentar mais um pouco. Buscar respostas.

Acabara de fugir de um hospital, não sabia onde estava. Devia ser o lugar triste dos seus falhos flashes de memória.

Tremia da cabeça aos pés, sua cabeça latejava. Tentava em vão recuperar algo mais de sua mente, principalmente seu nome, mas só encontrava o vazio.

Sentiu algo puxá-la. Gritou e lutou, mas logo se acalmou ao ver uma figura aparentemente boa e amável, tentando acalma-la.

–- Acalme-se ! – Disse o homem, ajeitando os óculos. – Eu te vi na beira do penhasco, o que iria fazer ? Não precisa fazer isso, olha, eu te levo para casa. Onde você mora ? – Olhou para o chão, o olhar triste denunciando sua angústia e cansaço.

–- Não tenho casa, eu acho. Não me lembro de nada... – Ele arqueou as sobrancelhas e a olhou compassivamente. Provavelmente perdida, sem nada... poderia levá-la até o lar de sua mãe, onde viviam garotas órfãs.

–- Compreendo. Minha mãe cuida de garotas órfãs, não gostaria de ir comigo ? Pode ficar por lá até se lembrar de onde veio. – Ir com uma estranho até um lugar que não conhecia ? Relutante, se afastou um pouco e pensou. Mas o que perderia ? Quase se jogou de cima de um penhasco. Se fizessem algo com ela, daria na mesma. E ela não tinha nada, dinheiro, nem pertences... nem nome. Então resolveu ir. Pensou que lá poderia ter comida e seu estômago já implorava por algo. E o olhar compassivo do moço á sua frente lhe fazia sentir que poderia confiar nele.

–- Isso, venha. – Ele sorriu com alívio ao ver que ela o acompanhava. Abriu a porta do carro para que ela entrasse e em seguida se acomodou no banco do motorista.

–- Onde estamos ? – Ela perguntou, olhando pela janela enquanto ele ligava o carro. O moço afastou os cabelos castanhos da testa para poder ver a estrada e em seguida olhou para a garota.

–- Em Chicago.

–- Não conheço... – Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.

–- Estranho não conhecer a terra dos Chicago Bulls e do Jazz – Riu. – Mas isso nem existe mais... são quase lendas. Não vou perguntar seu nome, sei que não lembra... o meu é Paul.

–- Paul... – Ela repetiu, com a sensação de que já conhecia esse nome. Depois encostou a cabeça no banco do carro e adormeceu.





Acordou sendo sacudida de leve por Paul. Demorou alguns segundos para processar os acontecimentos, e ironicamente se lembrar de que não se lembrava de nada, apenas do penhasco e de Paul vindo salvá-la.













Saiu do carro sonolenta. Esfregou os olhos e visualizou a enorme casa á sua frente. Nunca havia visto uma construção como aquela, tinha um ar meio antigo... e um belo jardim com uma fonte á frente. Paul a segurou gentilmente no braço e a levou até o portão da casa. Uma senhora baixinha, com os cabelos presos em um coque e avental de passarinhos veio atendê-los. Sorriu ao ver o rosto de Paul mas suas expressão foi de alegria á surpresa ao ver a jovem ao lado dele. Correu abrir o portão, com seus passos curtos e ligeiros.













–- Meu neto querido, que saudades de você – Disse a senhora, abraçando-o com força. Ele retribuiu e quando se separaram, mostrou a garota á sua vó.





–- Eu a encontrei na estrada, no caminho pra visitá-la. Mas ela não se lembra de nada, está perdida... ela poderia ficar aqui ?

–- Mas é claro ! - A velha senhora alegrou-se na hora, ao ver que teria mais uma jovem garota para alegrar seus dias. Empurrou-os para dentro e trancou o portão. Em seguida pegou a garota pela mão e a levou até a casa, falando com empolgação sobre seu lar para garotas orfãs, falando sobre como elas eram amáveis e de suas deliciosas panquecas. Paul assistia a cena e ria da empolgação exagerada da avó.

–- Está com fome, querida ? - Ela perguntou á jovem, que assentiu.

–- Oh Paul, pobre garota... farei panquecas – Ela ia em direção á escada, para mostrar os quartos, mas virou-se e foi em direção á cozinha, fazendo um gesto com as mãos que demonstravam sua indignação. Paul e a garota a seguiram, e ficaram na cozinha conversando sobre assuntos alheios, tomando cuidado para não falar sobre nada que pudesse incomodar a menina. Se esbaldaram nas deliciosas panquecas de Rose e em seguida, a levaram para um quarto. Paul desceu para a sala para que Rose pudesse ajudar a garota com um banho e lhe dar roupas limpas, emprestadas de uma das garotas, uma das mais doces que haviam ali. Afinal, ela precisaria de alguém amável e altruísta para se sentir confortável . A garota agradeceu e depois de tomar banho e se trocar, Rose a fitou com um olhar de admiração.

–- Você é muito linda, menina. Esses olhos escuros são calmos e profundos.

–- Obrigada. - A menina sorriu e Rose disse para ela descansar. Logo as garotas chegariam da escola, outras das aulas que tinham. E a menina obedeceu, se deitando na cama e se cobrindo com os edredons fofos e quentes. Era tudo muito aconchegante, Paul e Rose eram pessoas muito amáveis. Mas ela sentia uma angústia, por sentir suas memórias tão distantes, por tentar recuperá-las e sentir um paredão intranspassável bloqueando-a. Se sentia frustrada e perdida dentro de si mesma. E acabou caindo no sono.

E sonhou, mas não com o paraíso.


Uma garota mais baixa do que ela, de belos olhos pretos, a encarava enquanto ela se olhava no espelho.




–- Estou bonita, Reese ? - A garota dos olhos pretos, Reese, sorriu e bateu levemente as mãos.




–- Perfeita ! Estou tão feliz por ter sido sorteada, Haryan.


Haryan...

Em seguida o sonho mudou. Confuso. Pessoas de roupas brancas em volta dela, luzes fortes a cegavam. De repente ela gritava, mas eles a seguravam. Uma dor terrível no braço, o sangue escorrendo, a corrida para fugir do local... ela ouvia gritos, e então acordou num ímpeto, se dando conta de que era seus próprios gritos que ouvia. Estava quente e suando, devido ao nervosismo. Logo Rose e Paul apareceram desesperados no quarto.


–- Você está bem ? - Perguntou Rose sentando ao seu lado na cama e colocando a mão na testa dela, para ver se estava febril, e estava. - Paul busque alguns remédios pra ela ! - Ele assentiu e correu para a cozinha. - Querida, o que houve ?




–- Foi só um pesadelo – E sorriu, para tranquilizar Rose. - Mas lembrei meu nome. É Haryan.




–- Que ótimo ! Mas esse nome não é asiático... achei que fosse, pelos olhos levemente puxadinhos. De onde será que você é ? Se bem que olhando bem, você não tem muitos traços de lá...


–- Asiática ?

–- Que veio da Ásia...

–- Não conheço esse lugar.

–- Deve ser triste saber que a maior parte está imersa em água... deve ter se esquecido. Bom – Rose soltou um suspiro pesado – Não se pressione em lembrar nada. Com calma, as memórias vem. Mas quando lembrar, teremos de levá-la á polícia para saber se não tem nenhum registro de desaparecimento seu, ou coisas assim. Precisamos saber de onde veio, sua família... se ficarmos com você por muito tempo podem fazer algo terrível conosco. Mas muito tempo mesmo... sabe, aqui eles pedem a identidade á cada esquina. Cidadãos sem um ID podem ser deportados. - Haryan sabia o que é ser deportado, mas nunca viu acontecer. Bom, não se lembrava.

–- Tudo bem, tentarei me lembrar. Quero muito me lembrar...

–- Mas não se force. - Rose deu um sorriso tranqulizador. - Só não quero que algo ruim aconteça com você. Você tem o cartão ID ? Esse, olhe – Rose tirou do bolso do avental um pequeno cartão com uma foto e um código estranho. - Você o passa em uma leitora e ela lê todas as suas informações. Número de identidade, nacionalidade, enfim, absolutamente tudo. - Haryan analisou o cartão e balançou a cabeça negativamente. Parecia se lembrar de um cartão, mas o de sua mente parecia ser diferente...

–- Hm, deve ter perdido. - Nisso Paul apareceu, com seus cabelos na testa todos bagunçados, devido á corrida pela escada e a procura pelo remédio.

–- Não achava em lugar nenhum !

–- Me esqueci que mudei a caixa de remédios de lugar ! Desculpe – Paul mexeu a cabeça para afastar os fios rebeldes e estendeu o copo de água para Rose, em seguida o comprimido para febre. Ela os deu para Haryan, que tomou sem hesitar.

–- Obrigada – disse. Logo ouviram um barulho vindo do andar de baixo, eram vozes femininas e animadas.

–- As meninas chegaram ! Paul, chame a Audrey aqui e não fale nada sobre a Haryan ás outras, elas vão querer fazer milhares de perguntas e tem algumas hostis. Amanhã nós a apresentamos. - Ele obedeceu e correu para o corredor para descer as escadas. Logo voltou com uma garota baixinha, de olhos verdes e cabelos castanhos, repicados na altura do ombro. Ela olhou curiosa para Haryan.

–- Ajude-a se ela precisar de algo, sim Audi ? A alerte sobre algumas garotas, enfim, faça ela se sentir bem e confortável. Ela vai ficar aqui até descobrirmos de onde ela veio. Paul a achou na estrada, e ela perdeu a memória. E não deixe as outras perceberem. - Disse Rose, e se levantou, dando um longo suspiro em seguida. - Bom, Paul, vamos lá embaixo antes que elas coloquem a casa abaixo, e ajudar a esconder a Haryan. - Elel riu e seguiu a mãe até o andar de baixo. Logo que saíram, Audi fechou a porta e trancou para as meninas não verem. Depois sentou na cama ao lado da de Haryan e a fitou, curiosa, mas ao mesmo tempo tentando demonstrar sua compaixão.

–- Sinto muito pelo que aconteceu... deve ser horrível perder a memória. Mas logo você recupera ! - Haryan riu do jeito otimista da menina – e, quem sabe, poderiam ser amigas. - Tenho que ir tomar banho mas estou com preguiça... vou depois. Vamos conversar um pouco.

–- Onde fica a Ásia ? - Perguntou Haryan.

–- Longe, bem longe... estamos na América do Norte, nos Estados Unidos. - Audi a encarava, séria, sem acreditar na pergunta da garota á sua frente. Tinha perdido tanto assim da memória ?

–- A Rose achou que eu vim de lá...

–- Difícil, não permitem a entrada de imigrantes japoneses aqui... só tem os que já moravam. Falo isso porque, você deve saber, a Coreia do Norte foi aberta e provocou um caos, o sistema ficou meio abalado e a crise financeira perdura até hoje. Os norte-coreanos estavam com tanta raiva e migrando, principalmente para cá, pegado nossos empregos e superlotando o país em crise... deportaram todos e resolveram proibir toda a Ásia de emigrar pra cá. Mistura com as catástrofes que acontecerem durante anos e provocaram a inundação do que antes era a... China, é. E você só poderia ter vindo de um desses três países, os olhos, a pele... os outros países da Ásia tem características diferentes... ai, não gosto de falar de História, me deprime. - Audi se deitou na cama e olhou para o teto. Yume franziu o cenho e poderou aquilo por alguns segundos. Do que ela estava falando ?

–- Quanto tempo tem tudo isso ? - Audi pensou um pouco.

–- A abertura da Coreia tem quinze anos. Mas eu vi nos livros que ela era fechada ao resto do mundo desde o início... faz muito, muito tempo mesmo. As catástrofes naturais que afundaram alguns países tem cerca de cento e cinquenta anos. Foi bem aos poucos... teve uma guerra também, faz sessenta anos... mas vamos parar de falar disso – Era visível que ela estava ficando inquieta com aquele assunto. E parecia triste também. - Vou tomar banho para jantar. Eu te trago jantar aqui, ok ? Depois do jantar conversamos mais, e te conto algumas coisas daqui. Espero que sejamos amigas Haryan. - Audi sorriu, um sorriso quase infantil, observou Haryan. Era muito cativante. Audi saltou da cama e foi pegar roupas e a toalha. Enquanto os pegava na gaveta, Haryan fez outra pergunta.

–- Você sabe o que é paraíso ? - Audi estremeceu. “No céu”, pensou. Mas não disse isso. Nem sabia se fazia sentido, se era verdade ou não. Pensou um pouco.

–- Bom, como definir... é um lugar bonito, onde todos vivem bem. Um lugar feliz. De esperança... ah não sei definir bem... porque ?

–- Ah, nada. Deve ser coisa da minha memória falha. - E era. Audi deu de ombros e foi para o banho. Haryan encarou o teto, pensando no que seria o paraíso. O que era o mundo em que estava, se era esse mesmo seu mundo. Porque algo em sua mente dizia que não, que ela não tinha vindo da Ásia nem nunca morou nos Estados Unidos. Só o nome América do Norte lhe era familiar. Queria conversar mais com Audi, mas em meio aos pensamentos e tentivas frustadas de se lembrar de algo, acabou caindo no sono.



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Notas finais do capítulo

Espero que gostem ^^ comentem *-*