Maboroshi - O Último Verso escrita por Will Matos


Capítulo 2
Primeiro Ato - Sakuchi




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/330779/chapter/2

Era dia. Quando acordei senti o clarão da manhã me enternecendo para mais um capítulo da Vida. Meu corpo estava bem. Nenhum arranhão, nenhuma dor. Estava coberto pelo que parecia ser um aglomerado de papelões servindo como cobertores. Mas quem havia colocado aquilo sobre mim? Logo se aproximou um cão lambeando minha orelha. Enojado, me levantei as pressas, e na falta do meu cajado, sem saber onde estava e ainda sonolento, caí no chão novamente.

 - Saia já daí, bichano! - Impôs uma voz feminina.

O cão pareceu ter se afastado.

De primeiro, entrei em pânico, não fazia noção de onde estava. Mas assim que a garota foi se aproximando e então me ajudou à levantar, fui extasiado por um sutil aroma de jasmim que efluía de sua presença.

 - Está bem, garoto? - Ela me perguntou.

Não respondi, encantado.

 - Será que além de cego ele é surdo? - Ela se perguntou, pegando com firmeza nos meus braços.

 - Cego, só sou cego. - Respondi, encarnando um sorriso de admiração. - Você tem um cheiro bom!

 - O que?! Está louco?!

Sem me conter, aproximei meu rosto do dela. Meu nariz ficou próximo a sua boca, e sua respiração batia devagar nos meus olhos. Respiramos juntos.

 - Cheiro de jasmim... - Comentei – Moça, onde estou?

Ela se manteve quieta por um tempo. Já havia me afastado.

 - Em um beco qualquer, próximo de onde você caiu ontem. Segure isso, beba.

Procurei pelas mãos dela. Oferecia-me uma garrafa d'água. Meus dedos tocaram ligeiramente os dela. Dedos finos, longos; logo, uma menina alta e magra, pensei.

 - Seu cajado quebrou, desculpe, não consegui consertá-lo. Vou levá-lo até sua casa, só precisa me dizer onde é.

 - O que aconteceu ontem à noite? - Perguntei depois de beber toda a água.

 - Bem... A polícia encostou na festinha daquele pessoal. Eu estava por perto, vi o que fizeram com você, resolvi te esconder para não ter problemas.

 - Obrigado! - Envolvi meu braço direito nos ombros dela. - Vamos então! Leve-me até a rua de ontem, e de lá sei seguir caminho.

Aproveitei a sazão para sentir um pouco mais da garota. O tecido de sua roupa era fino, velho, um pouco esburacado na região dos ombros. Galguei rápido as mãos por sobre alguns fios de seu cabelo. Era curto, cheio e desgranhado.

Ela também me envolveu com os braço e começamos à caminhar. A assistência dela me agradava.

 - Qual seu nome, menina? - Perguntei.

 - Sakuchi. E o seu?

 - Maboroshi. O que fazia aquela hora da noite, por aí?

 - Caminhando, só caminhando. E você?

 - O mesmo...

Ela não parecia tão interessada quanto eu em desenvolver alguma prosa, mas insisti.

 - Já disse que você tem um perfume d...

 - De jasmim, sim, você já disse.

 - Por quê?

 - Por quê o que?

 - Por quê esse perfume?

Ela não respondeu. O som do trânsito se impôs vigoroso nos meus ouvidos. Havíamos saído do beco.

 - Sabe onde estamos? - Ela me perguntou.

 - Sim, sim. Muito obrigado!

 - De nada, foi um prazer, Maraboshi! - Ela disse, desatando nosso abraço e já tomando distância.

 - É Maboroshi... - Senti que seus passos se distanciavam mais e mais rápidos – Foi um prazer Sakuchi! Seu perfume é ótimo! Parece jasmim!

Depois de meu grito de despedida, voltei sorridente para casa. O dia geralmente tinha cheiro de ferrugem, de suor e de gasolina; mas aquele dia seguiu com uma excitante fragrância de jasmim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado pela leitura. Continua, em breve.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Maboroshi - O Último Verso" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.