Falando Sobre Flores escrita por Bellotte


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Não sei se vocês vão sentir a mesma coisa que eu, mas acabei ficando bem depressiva ao fazer essa fic. Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/330630/chapter/1


CAPÍTULO ÚNICO
" E a única flor do meu jardim nunca mais me sorriu. "


Ela jamais achou que aceitaria a proposta.

Na verdade, nunca pensara em receber uma proposta como aquela. Não, não ela. Petúnia Dursley tinha a vida perfeita - ou pelo menos, tinha até algumas semanas atrás. Seu marido trabalhava numa empresa sólida e forte, tinha um bebezinho lindo ( gosto é gosto, pensavam os vizinhos ) e saudável, morava numa casa boa, trocava de carro todo ano. O que mais ela poderia pedir?

Desde que assumiu a guarda de seu sobrinho, só conseguia pensar numa coisa para querer.

– Hunf. Não se pode confiar nesse... Tipo de gente. - irritou-se a loira, olhando novamente no relógio preso em seu pulso ossudo. Haviam combinado de se encontrarem naquele pequeno café barato. Mas ele estava atrasado. - Dez minutos! Dez! Ele deve achar que tenho o dia todo. - resmungou baixo novamente, puxando a manga do cardigã bege que usava sobre o vestido de algodão florido, escondendo o relógio. Petúnia saíra de casa com o pretexto de escolher novas cortinas, então seu marido não tinha ideia que estava ali, sentada e bufando no meio de um café sujo. Algumas vezes, pensou seriamente em ir embora por aquele descaso. Mas seu coração duro apertava só de pensar.

Quinze minutos.

Vinte.

Então a porta do café abriu ruidosamente, trazendo com o som um homem de terno negro. Parecia um pouco formal para o ambiente, mas não demonstrou desconforto algum: andou sem hesitação para a mesa da loira, que agora começou a engolir em seco, nervosa.

– Sra. Dursley.

– Snape. - cumprimentou, os lábios apertados tão forte que não passavam de uma linha. Ele estava muito diferente do que ela se lembrava: o garoto Severo parecia estar sempre esquivo, como uma cobra difícil de segurar. O homem Severo, por outro lado, lembrava uma pantera irritadiça, pronta para atacar a qualquer segundo. Algumas coisas, porém, nunca mudavam.

– Vejo que ainda não lavou os cabelos. - cutucou a mulher com uma expressão beirando o nojo, enquanto segurava a bolsa nos braços como se fosse um escudo.

– Vejo que continua uma trouxa estúpida. - retrucou o bruxo rispidamente, os olhos escuros parecendo fendas de tão apertados. Um pedacinho de sua mente registrava o quão essa mulher era diferente dela.

– Agora vejo porque ela escolheu o Potter e não você. - sorriu cruelmente Petúnia, a troca de ofensas deixando-a mais confortável. Era assim que lembrava-se de Severo Snape. - Você deve ser uma aberração para as aberrações, não? - concluiu, sem perceber que os outros poucos clientes do estabelecimento notavam o clima entre os dois ficar mais e mais pesado.

Não... Viemos... Aqui... Falar... Do Potter. - rosnou entredentes, e a trouxa sentiu subitamente um arrepio percorrer sua coluna. Era por isso que não gostava dos bruxos. Eles a assustavam.

Apesar de sentir inveja deles.

– Sim, claro. - murmurou ela, rapidamente. Notou que ele relaxou um pouco na cadeira de madeira simples, mas ainda continuava irritado. - Mas antes, acho que seria educado se desculpar pelo atraso. - completou com desdém, os dedos finos e ossudos apertando a alça da bolsa.

– Uma audiência no Ministério demorou mais do que eu esperava. Estavam decidindo se me prendiam ou não. - explicou simplesmente, como se fizesse pouco caso do assunto. Petúnia engoliu em seco.

– Então é isso? - murmurou - Você é um criminoso...?

– Inocentado.

– Ah. - fez a mulher, encarando o homem de cabelos oleosos como se ele pudesse tirar uma arma do terno e matar todos ali. E, bem, provavelmente ele tinha algo que poderia ser mortal. A loira nunca sentiu-se confortável quando via a irmã com a varinha. - De qualquer modo, imagino que queira falar comigo sobre o garoto, não é?

Snape franziu o cenho, ressaltando o nariz curvo. Ele tinha apenas vinte e um anos, mas parecia muito mais velho. Como se ficar horas respirando os vapores de suas poções tivesse acelerado seu envelhecimento.

– Principalmente. - respondeu por fim. Lembrar-se do pequeno Harry era uma facada: pois Severo acabava recordando-se de Lílian. - Mas ninguém pode saber sobre essa conversa. Ninguém.

– Como se eu quisesse contar para alguém que estive conversando com um... Um... - hesitou ela, como se a palavra lhe provocasse asco. - Um bruxo. – murmurou com nojo. O homem preferiu ignorar o comentário - já estava irritado o suficiente. - Aliás, se você se importa tanto com essa criança, por que não fica com ele?

Ele piscou como se nunca tivesse cogitado isso. Ele, criando o filho de Lílian como se fosse seu? A ideia lhe agradou. Sim - ele tinha os olhos da mãe. Severo poderia olhar para o garotinho e ver o verde que sempre amou. Seria a criança que ele nunca teria com ela. Teria para sempre uma parte de Lílian consigo.

Mas ele era como uma cópia viva de Potter. O moreno trincou os dentes audivelmente, fechando a expressão. Não.

– Impossível. - murmurou tão baixo que Petúnia teve que ler seus lábios para entender. - Além disso, há um feitiço. Creio que Dumbledore explicou na carta. O garoto estará seguro enquanto considerar sua casa um lar. Ou até fazer dezessete anos. É isso que eu queria reforçar. O filho da Lily só estará realmente seguro em sua... Casa.

– Mas o perigo já passou, não é? Ele morreu.

– O Lorde das Trevas continua vivo. Uma trouxa não conseguiria entender.

– Mas... Mas... - Petúnia continuava procurando palavras, mas elas não vinham. Balançando a cabeça, finalmente encontrou-as. - Se aquela... Coisa ainda está viva, por que não o matam? Por que ainda não mataram o assassino da minha irmã?

A reação passional da loira surpreendeu-o. Mas não teve tempo de responder, já que uma garçonete gorda e perceptivelmente preguiçosa perguntou se estavam prontos para fazer o pedido.

– Eu quero um chá de rosas, sem açúcar. - pediu a trouxa, a postura retomada.

– Um café latte com canela e creme. - pediu Snape, franzindo o cenho dolorosamente com o pedido. Petúnia apertou os lábios.

– Era o preferido da Lílian. - comentou ela quando a garçonete se afastara. A loira se assustou com o quanto a lembrança foi doída.

– Sim. - murmurou simplesmente o moreno, encarando a mesa inexpressivamente. Faziam algumas semanas que ele tomava diariamente aquela bebida trouxa. - Ela me contou há muitos anos.

– Lílian adorava o gosto da canela. Dizia que lembrava o natal. - continuou Petúnia, um sorriso fraco surgindo no canto dos lábios. - E gostava da textura do creme. Era como um...

"Um feriado cremoso". – completou Severo. Ambos acabaram rindo baixo, tão baixo que poderia ser confundido com um suspiro alto. - Ela sempre reclamava que em Hogwarts não conseguia encontrar um.

A mulher ossuda não respondeu à isso, ficou apenas encarando as próprias unhas pintadas impecavelmente.

– Sabe... - começou ela envergonhada. Os lábios finos estavam apertados novamente. - Eu sempre quis ser ruiva como ela. Eu dizia para ela que era uma cor feia, chamava-a de cabeça-de-cenoura ou menina-tomate... Mas no fundo era só inveja. - admitiu. Ela negou algum pensamento com a cabeça lentamente, e voltou a falar. - Lily sempre foi uma pessoa ótima. E eu fui cruel demais com ela. Nunca vou ter a chance de dizer 'desculpe-me'.

Severo sabia como era. Nunca conseguiu se desculpar direito com a ruiva. Nunca conseguiu dizer que a amava. Se disesse, agora, as palavras se perderiam no vento e nunca encontrariam seu destino.

– Ela me escrevia toda semana, sabe? Meu marido mandava eu queimar as cartas. Mas eu guardava todas, escondidas. - continuou, voltando a encarar as próprias mãos. Do modo que falava, era como se confessasse as coisas para si mesma. Snape percebeu que ela queria falar aquilo há tempos. Mas não tivera oportunidade. - Mas nunca respondi nenhuma. E ela continuava a me mandar. Falava da vida com aquele homem horrível como se eu estivesse interessada. Perguntava sobre minha vida. - riu-se ela, melancólica. - É... É difícil saber que nunca mais vou encontrar uma carta na soleira da minha porta todos os sábados. Nunca mais vou ler os devaneios dela. E nunca mais vou ver ela assinar a carta com... Com um... - hesitou ela, os lábios tremendo um pouco. - Com um "Da sua irmã que te ama apesar de tudo". Ela nunca me culpou. Por nada.

O bruxo não conseguiu evitar um sorriso. Mas não era alegre, nem de longe. Era o sorriso torturado do amante ignorado, do amante dedicado. Do amante abandonado.

– Lílian te amava, você sabe.

A frase de Petúnia pegou Snape desprevinido. Seus olhos negros arregalaram-se, tentando descobrir se ouvira certo. Mas não pôde perguntar, já que o pedido deles chegara e a presença inconveniente da garçonete impossibilitou a conversa. Nenhum dos dois tocou a bebida, apenas ficaram num silêncio desconfortável. Petúnia foi a primeira a voltar a falar.

– Ela me contou quando estava de férias no quarto ano. Disse que estava apaixonada por você, mas não conseguia aguentar o que você fazia. Falou algo como Arte Preta, Arte Negra, algo assim. - murmurou. Era estranho ter aquela conversa, principalmente revelando os segredos de sua irmã já morta. Mas não queria que nada sobre Lílian Evans Potter ficasse perdido em suas memórias - Mas a partir do quinto ano nunca mais falou de você. Vocês brigaram?

– Sim. - forçou-se a dizer o bruxo. Estava atordoado. A mulher que amou desde a infância o amou? E ele a perdera? Snape teve que segurar forte a xícara quente, só para impedir a mão de pegar a varinha, aparatar para Godric's Hollow. Ele queria ir até o túmulo de Lílian e tentar trazê-la a vida. Queria tentar todos os feitiços, mesmo sabendo que não conseguia. - Ela... Falava muito de você.

Petúnia sentiu os olhos queimarem, e soube que não era um bom lugar para deixar a emoção vir a tona. E havia algo que queria fazer.

– Onde ela está enterrada?

– Posso levá-la lá. Está em Godric's Hollow.

A loira assentiu. Se o dia estava ficando cada vez mais estranho, ela iria até o fim. Levantaram-se e deixaram algumas notas sobre a mesa, para o pagamento das bebidas intocadas. E o café com gosto de feriado cremoso ficou ali como uma homenagem à uma certa ruiva.


(...)


Petúnia nunca sentiu-se tão tonta antes. Foi bom não ter tomado aquele chá, ou provavelmente ele estaria dizendo olá novamente.

– Vocês não tem um jeito mais... Civilizado de transporte? - guinchou a trouxa após a aparatação acompanhada. Snape não a encarava, esperando irritado ela conseguir andar sem cambalear. Era por isso que odiava trouxas.

– Pelo menos não nos matamos neles. É claro que alguns bruxos inexperientes acabam estrunchando. - argumentou inexpressivo - Mas nunca vi alguém morrer esmagado em algum acidente.

– Bárbaros. - resmungou baixo a loira, quando finalmente o chão ficou parado. Estava diante uma pequena igreja, e ao lado um cemitério. Sentiu o coração ficar pesado e apertado. Queria voltar, mas sabia que tinha que continuar.

Os dois silenciosos visitantes andaram lentamente até o mais novo túmulo. Inúmeras flores estavam postas perante ele, e vários cartões. Os Potter receberam muitos visitantes. A comunidade bruxa inteira parecia ter lhes prestado homenagens.

– Oh, não... Não a minha irmã...

Severo não notara a reação da loira antes dela cair ajoelhada perante o túmulo e deixar as lágrimas rolarem livremente.

– Minha irmãzinha... Ela morreu mesmo. Não, não... - chorou a mulher, ambas as mãos ossudas segurando a pedra, o corpo sacudido por soluços nada elegantes - Eu nunca pude te pedir desculpas. Nunca pude dizer que te amava. Você me deixou, por que? Eu sinto sua falta. Me desculpe. - pediu, entre os violentos soluços - Me desculpe, Lily. Eu te amo. Não... - soluço - Não me deixe assim.

– Ela não te culpava por nada. Nunca culpou. - sussurrou o homem. Não conseguia sentir compaixão por ela, porque sentia-se do mesmo jeito. Ele também nunca conseguiu pedir desculpas como devia à Lílian Potter. Nunca conseguiu dizer como a amava.

– Não. Não, ela era uma mulher boa. Ela não é como eu. Não era! - corrigiu-se, as mãos escorregando pela lápide e caindo sobre algumas flores. Notou brevemente que a maior parte delas eram lírios. Era uma ironia cruel.

Severo não conseguiu responder àquilo. Apenas aproximou-se do túmulo, a varinha em punho. Precisava prestar sua homenagem. Mas antes, iria libertar Petúnia daquela dor. Lílian ficaria despedaçada se soubesse que a amada irmã sentia-se daquele jeito.

– Perdoe-me. Obliviate.

A loira piscou alguns segundos, fora de foco. As lágrimas continuaram a cair, mas agora eram frias. Insensíveis.

Estupore.

Aquilo resolveria tudo. O bruxo deixou que a mulher ficasse alguns instantes no chão, enquanto gravava calmamente algumas palavras na pedra. E enquanto gravava, grossas lágrimas escorriam por seu rosto, pingando por seu nariz curvo. Era difícil ver, mas ele tinha que continuar. Mais algumas letras. Lágrimas molhavam os lírios. Mais uma palavra. Era como a chuva brincando com as pétalas brancas da flor. O fim de uma frase. A dor de um amor.

Por fim, sua missão estava concluída. O homem de negro deixou-se chorar por mais alguns minutos, ajoelhado diante da face da morte. Mas as lágrimas começaram a secar, e o sentimento teve que dar lugar à razão. Logo Petúnia acordaria, e ele tinha que levar a irmã de Lílian Evans para casa. Com cuidado, segurou o braço magro da loira e deu uma última olhada na frase que gravara magicamente.

"Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte."


(...)


O marido de Petúnia havia saído, levando o filho do casal - e, aparentemente, deixou o pequeno Harry sozinho de propósito. Era uma sorte que a criança dormia profundamente em seu berço velho, ou algo grave podia ter acontecido. Snape sentiu uma pontada de irritação quando viu a cena. Era assim que o filho de Lílian Potter era tratado? Malditos trouxas.

Após deixar a mulher no quarto, deitada até recuperar os sentidos, o bruxo achou melhor ir. Acabara de ser inocentado de todas as acusações no Ministério graças à Dumbledore. Não seria prudente ser pego na casa de uma trouxa estuporada. Ao mesmo tempo em que formulava esse pensamento, porém, um choro baixo começou. Não era agudo e irritante, mas triste.

Uma criança que sente falta dos pais.

Os passos do homem foram rápidos até o berço, encontrando o pequeno Harry acordado. Perdeu-se nos olhos do bebê, e sorriu.

– Você tem os olhos de sua mãe, Harry.

Esticando as mãos longas e pálidas, Severo pegou o bebê desajeitadamente no colo. O choro ficou mais fraco quando ele segurou o pequeno no colo, mas não sabia exatamente o que fazer. Deveria embalá-lo? Falar com ele? O bebê pareceu responder por ele, já que voltou a fechar os olhos e segurou em sua pequenina mão uma mecha do comprido cabelo de Severo. Era como zombasse dele, dizendo "Hei, olha que cabelo oleoso!".

– Maldito Potter. - rosnou o moreno, lembrando-se amargamente de Tiago. Mas percebeu no instante seguinte que ele não estava zombando de modo infantil. Estava dizendo, de seu modo, algo como "Hei, não me deixe. Eu não tenho mais ninguém".

Por alguns minutos, Snape ficou quieto, segurando o pequeno Harry no colo e sentindo pena da criança e de si mesmo.

Afinal, nenhum deles jamais veria Lílian Evans Potter novamente.




A L W A Y S



Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Por favor, comentem e digam o que acharam!