Last Letters escrita por AnyBnight


Capítulo 2
II: A Fugitiva.




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Esta carta que conta a minha história não pôde ter sido escrita por mim por causa das circunstâncias que descreverei mais a seguir. Agradeço à um anônimo como eu por escrevê-la no meu lugar enquanto eu ditava.

Não possuo um nome. Nomes são coisas que abandonamos junto com a vida. Mortos são apenas mortos, cujo único detalhe notável entre nós é aquilo que lhe tirou a vida. Embora muitos tenham morrido como eu, vítimas do mesmo louco.

Antes de encontrar o doutor Drevis, eu mendigava nas ruas de uma cidade desconhecida ao norte da Alemanha. O que faz aquele homem vir até mim foram as mãos que lhe estendi suplicando por comida. Uma das poucas lembranças que tenho fora do cárcere que veio a seguir é daquele estranho encarando fixamente minhas mãos finas quase esqueléticas.

Dr. Drevis me acolheu no subsolo de sua mansão, um lugar estranho e assustador que intimidava até a luz do sol se aproximar. Ali eu tinha um lugar seco e quente para dormir, comida e a companhia de tantos outros como eu, principalmente crianças. Mesmo assim, nada naquele lugar me inspirava confiança, e pouco depois de ter chegado lá, eu desejava ir embora. Mas estávamos sempre trancafiados naquela prisão, quase não tínhamos acesso a outros lugares se não banheiros e refeitório, nenhum deles acima da terra. 

Reparei então que muitas pessoas sumiam de lá após serem chamadas pelo Doutor e sua assistente. Imaginava que estavam sendo levados embora, visto que todos os que iam já tinham uma aparência melhor do que as dos deixados para trás. Rumores de origem incerta entre os pacientes diziam que as pessoas eram levadas para o consultório do doutor para uma avaliação e se essa pessoa estivesse bem, ela era libertada sem mais nem menos e nunca mais voltava. 

Um dia - ou noite, não dava pra saber - quando a assistente foi buscar o paciente do dia, eu fui atrás dela silenciosamente, seguindo-a por um lugar em que nunca havia estado antes. O final do longo corredor escuro e com cheiro insuportável de carne podre dava numa sala totalmente fechada. Esperei que os dois entrassem antes de me aproximar da porta.

Ouvi a voz do doutor... Logo depois a voz do paciente... E então... Um grito de pavor, seguido de mais e mais berros aterrorizantes. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas pelo barulho, era como uma sessão de tortura. Um cheiro forte de sangue começou a se propagar no ar, e se misturando ao de carne podre, me causou um enjoo seguido de vômito. "Que barulho foi esse?" ouvi ele perguntar ainda dentro da sala. Tomada de pavor, corri.

E corria sem direção, não lembrava mais o caminho que havia feito antes, eram tantos corredores e portas, um labirinto sem saída. Entrei em salas sem pensar duas vezes, segui em frente, andei em círculos, não conseguia voltar para o dormitório para avisar os demais.

O último lugar que eu estive enquanto ainda viva foi um salão repleto de leitos ocupados por cadáveres.

A visão daquele lugar me paralisou, já não era capaz de correr tamanho o medo que sentia. Havia uma porta mais adiante e ela foi lentamente aberta.

"Ah, você está aí." Era ele, Dr. Drevis, não bastando a visão dele ser assustadora o bastante, trazia consigo uma espécie de serra elétrica. Quis correr, mas minhas pernas não se moveram. "Me deixe ir!" implorei em pranto. "Você tem belas mãos, sabia disso?" 

Minhãs mãos.

Esse era o motivo para aquele homem se aproximar de mim. Esse foi o motivo de eu ter morrido.

Ele veio atrás de mim e as cortou sem piedade e logo depois veio sua assistente com recipientes onde as guardou. Fiquei jogada no chão, sangrando sem parar, só vendo aquele louco admirar com imensurável prazer minhas mãos decepadas naqueles potes. 

Tentei ignorar a dor e a fadiga e fugir. Rastejei um pouco, mas foi tanto o sangue perdido que quase não saí do lugar. Prostrada no chão tomada por agonia e desespero, já sentia meu fim chegar numa poça de sangue e lágrimas.  

"Maria, ponha-a com os outros."

Pouco antes de perder a consciência, fui arrastada pelo manto, deixando trilhas de sangue da ponta dos ante braços pelo caminho, até um dos leitos vazios daquele salão. Meus olhos só puderam ver o pano encardido sendo posto sobre mim enquanto minha vida terminava de se esvair.

E pensar que o tempo todo eu só desejava deixar aquele lugar... Desejava ir embora, ver a luz do sol mais uma vez, apenas fugir.  

Nem mesmo morta, este desejo me foi concedido. 


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