Mystery And Crime escrita por French Lily


Capítulo 2
Um: Nonbeliever


Notas iniciais do capítulo

Antes que comecem a me linchar, peço mil perdões. Sim, eu demorei séculos para postar o primeiro capítulo, mas acreditem em mim, pensar em casos e escrevê-los é mais difícil do que parece! Investigação é uma coisa complicada! D: Mas, enfim, consegui terminar e me surpreendi com o tamanho disso. Estou dividindo o primeiro caso dos dois juntos em duas partes, porque, como verão, está ESTUPIDAMENTE LONGO XD Estou pensando em fazer alguns casos maiores divididos em partes, dessa maneira, até para causar mais suspense, hihi. Enfim, espero que gostem, porque eu estou gostando. Boa leitura!

[Só reforçando, tudo o que acontece daqui para a frente é anterior aos fatos do prólogo, que será retomado mais tarde.]



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Tribunal.

Eu só estive em um lugar como esse uma vez na vida, e já faz muito tempo. Alguns poderiam acusar Berthold Edelstein de irresponsável por permitir que seu filho de oito anos presenciasse a audiência que decidiria o desenrolar de seu divórcio, mas a verdade é que ter visto aquela demonstração de ódio latente entre meu pai e minha mãe não se tornou realmente um empecilho no meu crescimento. Berthold pode não ter sido o mais presente dos patriarcas, mas nossa família nunca passara por dificuldades, e ele permitiu que eu crescesse rodeado dos mais competentes mordomos e governantas. Embora sempre tenhamos tido nossas disparidades, ele era meu pai, e, à sua própria maneira, ele era bom nisso.

É por causa dele que estou aqui hoje.

Porque algum criminoso nojento matou o meu pai.

À minha esquerda, Ludwig se ajeita no assento de couro. Tantas pessoas já haviam se sentado ali que a cadeira se mostrava gasta e desconfortável. Ele dá um suspiro cansado e sua indisposição me contagia. Estávamos ali já há muito tempo, mas, embora aquela fosse a primeira vez que eu comparecia a um julgamento, eu sabia que aquela cerimônia ainda demoraria a terminar.

— Meus pêsames, rapaz — ele diz, novamente. Eu já havia ouvido aqueles sentimentos incontáveis vezes nos últimos dois dias, desde que a notícia veio a público. O fato de eu estar ali como investigador, porém, e não como filho, chegava a ser cruel. — Quem me dera poder te livrar de uma situação dessas.

Embora Ludwig fosse meu superior, e apreciasse muito tal posição, sua maneira de falar como se fosse dezenas de anos mais velho que eu me incomoda. Talvez as doses cavalares de pena e misericórdia que todos à minha volta me concediam estivessem começando a fazer efeito, e para o pior.

Ou, talvez, eu simplesmente não consiga acreditar que tudo isso está acontecendo.

— Acha que ele vai falar? — pergunto, desinteressado. Minha mente continua longe, no casarão em que meu pai foi morto, no qual eu cresci e que eu abandonara dias antes do crime. — Que ele vai confessar?

— Eu duvido — responde Ludwig. — Quero dizer, dê só uma olhada no sujeito.

À minha frente, o acusado continua a se debater. É um homem louro de altura mediana, mas forte, e seu corpo troncudo treme de ira. Sua pele é branca e avermelhada, queimada pelo sol, e há uma mancha de sardas abaixo de seus olhos, causando um efeito engraçado que quase me faz rir.  Como nas últimas três horas, ele insiste em sua inocência a cada vez que lhe é dirigida a palavra. Sua teimosia quase consegue quebrar meu estado de calma – se eu não fosse tão controlado, teria certamente saltado em seu pescoço há muito tempo.

 — Eu não o matei — ouço-o dizer. Sua expressão não é de pavor, nem de pânico; pelo contrário, o homem parece sorrir, de uma maneira inacreditável. Seu sorriso tem um quê de sarcasmo e sadismo, como se risse de todos à sua volta, como se risse de sua ignorância. Ele está um passo à frente de todos nós, sabe disso e está adorando. Por mais que eu o odeie por tudo aquilo pelo qual está sendo julgado, uma parte inquieta de mim não consegue deixar de se questionar: e se ele não estiver mentindo?

— Eu sei o que está pensando — ri-se Ludwig, ao meu lado. — Você realmente não tem o costume de vir a esses julgamentos. Fique tranquilo, pegamos o cara certo dessa vez. Ele matou, como matou outros figurões antes do seu pai. Foi pego três de sete vezes, mas sempre deu um jeito de escapar. É a primeira vez que insiste tanto, é verdade...

— Mas você não acredita que ele seja inocente.

— De maneira alguma.

— Ninguém acreditaria.

— Talvez nem ele mesmo. Mas insiste. O histórico já está sujo demais. A pena não vai ser nada branda. — Ludwig estala os dedos longos com uma expressão interessada. Seus olhos brilham enquanto analisa o julgamento, e percebo a razão de ele estar ali, independentemente de seu trabalho. Diferente de mim, ele é louco por isso.

As palavras do juiz e dos acusadores, distantes em minha mente confusa, mal parecem ter som. Só consigo me concentrar em uma retrospectiva dos últimos dias, desde o momento decisivo em que recebi a notícia.

Estou na delegacia.

Comecei a trabalhar aqui há três semanas. A ocupação de investigador me ocupa todo o tempo. Faz cinco dias que me mudei. Não falo com Berthold desde então. Sebastian, o mordomo encarregado dele, me manda notícias da casa, dos cães, do jardim. Mas de meu pai, nada. 

Há uma garrafa de café sobre minha mesa, e observo arquivos com desinteresse, mas concentrado. A organização não poderia ser mais impecável. Estou fazendo hora extra, e do lado de fora a noite começa a esfriar.

Uma das escrivãs vem até mim. Não reconheço seu rosto e mal sei seu nome. Passo por todos ali sem prestar muita atenção. Ela me passa um telefone sem fio, mas, ao colocá-lo no ouvido, já não há ninguém na linha. Reconheço o número na tela como o da casa de meu pai.

— Eu sinto muito, Herr Edelstein. Eu sinto muito mesmo.

— Roderich, Roderich, ouça esta. — Ludwig me cutuca, recobrando minha atenção para o julgamento. Aparentemente, o acusado parara de tremer e se debater, e falava com mais convicção. E, de forma doentia, com mais autoridade.

— Brinquem de inquisidores à vontade. Quanto mais tempo perdem comigo — murmura ele, encarando o juiz. — Mais longe estarão de quem está por trás de tudo.

— Houve um mandante — diz Ludwig, meio que falando consigo mesmo num êxtase de concentração. — Isso era quase óbvio, mas agora temos certeza... Anote isto.

É claro. O bloco de anotações que eu trouxera. Ludwig me recomendara a anotar detalhes do julgamento, mas, perdido em pensamentos, eu não escrevera nada ainda. Distraído, mas em uma caligrafia impecavelmente perfeita e alinhada, anoto o dado. Houve um mandante. Era uma das pouquíssimas informações que conseguíramos reunir sobre o caso. Como não haviam levado nada de valor, era óbvio que, quem quer que fosse, estava atrás de algo muito maior do que dinheiro – e mesmo eu era incapaz de imaginar o quê. O criminoso seria condenado, isso era certo, mas de que adiantaria? Havia alguém, alguém muito maior, e eu não fazia ideia de como a polícia poderia encontrá-lo. Não havia nada na casa. Nenhuma outra pista.

— O senhor foi bem claro ao afirmar ser inocente — diz um dos acusadores, intimidando o réu.

— Eu disse que não o matei — retruca o criminoso. — Nunca disse que eu não tinha nada a ver com isso.

— Agora estamos chegando a algum lugar — comenta Ludwig, ajeitando-se em uma postura séria. Posso ver que ele se controla para não gargalhar de animação. — A coisa está começando a ficar interessante!

Tudo o que sabíamos era que meu pai fora envenenado. Uma xícara de chá com uma substância letal, um veneno simples. Uma dose de cianureto. Meu pai era apaixonado por chás, dos mais variados tipos. E morrera envenenado por um deles. Mais uma ironia para a lista de fatos em que eu era incapaz de acreditar.

Eu não acredito que meu pai foi morto. Não acredito que haja alguém atrás de algo precioso que ele possua. Não acredito que não tive a chance de me despedir dele, ou ao menos fazer as pazes. Não acredito que tenho que estar nesse lugar, quando meu pai morreu, e sem ter ao menos uma chance de dizer se eu queria ou não. Não acredito que estou aqui sentado assistindo a essa balbúrdia sem fim que não vai dar em nada, simplesmente porque sou um investigador da polícia e estou aqui a trabalho.

 — Fique com o bloco de anotações, Herr Ludwig — digo, já me preparando para levantar. Ele não presta muita atenção. — Eu estou indo embora daqui. É inútil.

Ludwig segura meu braço, sem mover o olhar. Ele está concentrado no réu, que discute baixo com um dos acusadores.

— Está tudo lá — ele diz. Sua voz é tranquila, como se ele soubesse que estava salvo. — Está tudo lá dentro.

Todos ficam em silêncio por um momento. O mundo para para escutar seu ato final. O acusado que tanto insistira em sua inocência ainda tinha algo a dizer.

— Desde que consigam encontrar.

Um constrangedor instante de silêncio se forma, e ninguém parece respirar até que o juiz levante a voz e bata o martelo. O condenado dá uma risadinha histérica e animada.

— Culpado — anuncia. — Podem levá-lo.

Do lado de fora do tribunal, encontro algum tempo para respirar. Suspiro, sentado distraidamente em um banco de madeira no corredor. Ludwig aparece após algum tempo, trazendo uma xícara de café para mim e outra para ele, e senta-se ao meu lado. Ele assopra de leve a bebida antes de dar um gole. Minha mente está distante outra vez quando ele me dirige a palavra.

— Excitado? — pergunta, e eu sinto meu rosto avermelhar.

— C-como é? E-eu o quê? — respondo impulsivamente, ruborizado. 

O louro ri-se e me dá dois tapinhas nas costas, tentando me recuperar do susto.

— Eu quis dizer animado — esclarece, relaxado. — Se está animado com a investigação. Porque, se quer saber, eu estou — Ludwig toma todo o café de um gole e suspira logo a seguir. Ao perceber meu silêncio e meu desconforto, pede desculpas. — Oh, mil perdões. Quero dizer, se não fosse o seu pai...

É, penso comigo mesmo. Se não fosse o meu pai. Se não fosse o meu pai, eu conseguiria manter uma distância segura daquela investigação. Se não fosse o meu pai, eu estaria fazendo o meu trabalho como esperavam que eu fizesse. Se não fosse o meu pai, eu estaria ali apenas como detetive e não como o filho amargurado. Se não fosse o meu pai...

— Não se preocupe. Vamos encontrar esse cara. Vamos... Vamos todos resolver isso — diz ele, tentando me tranquilizar, enquanto se levanta. — Vou pegar mais um pouco disto — ele aponta para a própria xícara e faz um gesto perguntando se eu queria mais, mas eu nem ao menos tomara um gole.

— Não, danke — agradeço, e sorvo um pouco do líquido, meio a contragosto, meio por necessidade.

Ludwig nem mesmo chega a se afastar, porém.

— Dentro de onde?

O dono da voz misteriosa e levemente rouca segura o louro com força por um dos braços, impedindo-o de se mover. Seus cabelos são brancos, mas o rosto é de um jovem. Sua gravata azul-escura está simplesmente jogada sobre seus ombros, de uma maneira descuidada que chega a me causar certa repugnância. O susto pelo homem que surgiu do nada me fez derrubar o café sobre minhas calças, e tenho que controlar o impulso de amaldiçoá-lo ali mesmo. Porém, ele mal parece perceber a minha presença: seus olhos inexplicavelmente vermelhos encaram Ludwig com intimidação.

— Dentro de onde, Ludwig? Ele disse “Está tudo lá dentro”... Mas dentro de onde?

Reconheço a citação como as últimas palavras do acusado, e tento recordar se já vi aquele homem antes, sem sucesso. Como ele conhecia aquelas palavras? Eu nem ao menos o vira no julgamento, não faço ideia de quem seja, e ele se sente livre para invadir a minha conversa como se eu nem existisse! Sua respiração é precisa; seu olhar, fixo e impassível, e ele chega a me assustar, mas, como o alemão não parece surpreso, tento manter a calma. Distraio-me na tentativa de diminuir a mancha em minhas calças, mas ao mesmo tempo dedico-me a prestar atenção na estranha conversa dos dois.

— Eu não sei ainda, Gil — responde o loiro com tranquilidade. Ele não parece nem mesmo se incomodar com o aperto em seu braço. Provavelmente, estava acostumado a aquilo. — As coisas ainda estão um pouco nebulosas. Vamos mandar a perícia até a mansão outra vez para...

— Achei que já tivesse alguma informação realmente relevante, Lud! Você está começando a me decepcionar! — o estranho solta o braço de Ludwig, e seu tom, curiosamente, é mais de humor que de seriedade. Eu não sabia quem ele era, e, no momento, essa nem era uma de minhas preocupações.

— Ei, você aí — ele enfim parece perceber a minha presença, e me surpreende ao apontar para mim. Ludwig se vira para me olhar e me dirige um olhar de desculpas que sou incapaz de compreender. — Acho que alguém não teve tempo de ir até o peniquinho.

Minha raiva repentina não consegue vencer a boa educação com a qual fui criado, e controlo o impulso de xingá-lo. Somente bufo e volto minha atenção às minhas roupas, que parecem muito mais importantes. Sem a governanta para lavar e passar, eu teria que cuidar daquilo sozinho mais tarde.

— Gil — diz Ludwig, na tentativa de acalmar os ânimos. — Este é Herr Roderich Edelstein, um de meus investigadores.

— Um dos seus cãezinhos de guarda cuja única ocupação é comer a minha poeira, você quer dizer. Bem-vestido o bastante para ser um burguesinho boa-vida, do tipo que tem uma multidão de criados — diz ele, com a inexplicável expressão de quem tira uma carta da manga. — Porém, preocupado demais com a mancha na calça. Se houvesse alguém para cuidar da sua roupa quando chegasse em casa, você pouco se preocuparia – já é quase hora de ir embora. Mas não. Por um acaso...

Não, penso. Impossível. É impossível que ele saiba que eu me mudei recentemente.

— Por um acaso o senhor está morando sozinho pela primeira vez?

Eu coro, e ele tem ali a resposta para sua pergunta. Será possível que eu seja tão... Transparente assim? Alguém como eu? Ludwig permanece em silêncio, me olhando com a mesma expressão de perdão de antes. O homem ri deliciosamente e passa a mão pelos cabelos claríssimos, bagunçando-os ainda mais. Depois, ele estende a mesma mão para mim, rindo quando percebe minha hesitação em cumprimentá-lo.

— E não perde os bons costumes. Sou Gilbert Beilschmidt — apresenta-se. — Eu gostei de você.

Aperto sua mão com cuidado, automaticamente limpando a minha na parte limpa da calça logo após o gesto. Gilbert percebe, é claro, mas parece não se importar.

— Pensei que fosse reconhecer o nome dele — começa Ludwig, retornando à conversa. — O Roderich aqui não só é um detetive envolvido no caso, como também é filho do velho Berthold... O homem que mataram.

— É claro que eu reconheci o nome dele — responde o de cabelos alvos. — Só que, se isso fosse realmente relevante, se de fato fosse uma vantagem, ele estaria investigando a cena do crime agora, e não perdendo tempo aqui.

— Eu estava fazendo o meu trabalho — replico, levantando-me. Mas que prepotência! Quem aquele homem achava que era para me criticar daquela maneira? E que história era aquela de cães de guarda? Comer sua poeira? — O que o senhor parece não estar fazendo, pelo estado deplorável de seus trajes!

— Kesesese — ri-se, sarcasticamente. Eu não compreendo. Aquilo era uma risada? — Eu estou fazendo o meu trabalho, novato. Eu só consegui acompanhar o final do julgamento porque cheguei tarde, e só cheguei tarde porque eu estava reunindo minhas próprias pistas. É verdade que a polícia não me aprova totalmente, mas eu costumo estar um belo passo à frente de vocês — ele faz um gesto de desprezo que abrange Ludwig e eu. — Exatamente como estou agora.

— Eu não o vi em momento algum do julgamento — reclamo.

— O senhor deveria aprender a olhar para trás — critica-me, e coloca as duas mãos nos bolsos da calça. — E ainda quer ser chamado de detetive.

Faço menção de partir para cima dele, mas Ludwig me impede com um olhar. Rosno por dentro, irritado com aquele homem prepotente e mal-educado. O que ele estava fazendo ali?

Auf Wiedersehen, Lud — despede-se, indo embora devagar, não sem antes me lançar um olhar de desdém, devidamente acompanhado de um desajeitado sorriso de lado que me faz querer explodir. — A gente se vê por aí.

— Beilschmidt — diz Ludwig, respeitosamente, uma vez que o albino já não está à vista. — Um gênio, desde que consiga aguentá-lo.

— Gênio? — respondo, enraivecido. — Como tem coragem de chamar um porco sujo desses de gênio?

Ludwig sorri, com as mãos nos bolsos como o outro estava há pouco.

— Ele não trabalha para nós — explica. — Embora costume trabalhar conosco. Ele é detetive particular, eu acho. Sua vida é um mistério, na realidade. Mas está sempre resolvendo problemas para nós. Para mim, em especial.

— E ele é realmente bom? — eu me perguntava se a competência do tal Gilbert justificava o respeito que Ludwig parecia ter por ele. Aquele homem desleixado parecia ser tudo, menos a imagem de um detetive ideal. Eu estudara e me esforçara para estar em minha posição de investigador da polícia, mas ele passava a impressão de jamais ter pisado em uma escola, quanto mais uma faculdade. Como alguém como ele poderia ser melhor que homens como eu?

— Como eu disse, ele é um gênio. Resolve todo tipo de casos sem solução, embora seus métodos sejam um pouco fora do tradicional. O que o diverte são os insolúveis... Embora eu esteja curioso com o envolvimento dele desta vez. Gil costuma manter certa distância dos casos que envolvem ricaços. Não que ele seja pobre, mas... É uma espécie de ética profissional.

— Se ele ajudar a descobrir o que queriam com o meu pai, eu já estou agradecido — respondo, agora menos irritado. Eu ainda não consigo gostar do homem, porém. Seu intrometimento era de uma indecência inegável, e a admiração de Ludwig por alguém como ele me enlouquece. — Mas agora eu devo ir. Vou tentar ligar para o mordomo de Berthold, tentar conseguir alguma pista.

— Você ouviu o Gil — diz o louro. — Ele perguntou “Dentro de onde?”, essa é a nossa deixa. Creio que queira dizer “dentro da mansão”, mas isso seria óbvio demais. Há algo escondido... E, se Gil está interessado nisso, é porque é onde devemos nos concentrar.

— Acho que isso merece uma visita à casa de meu pai — proponho. — Sem a perícia. Uma visita casual. Se alguém pode encontrar as pistas que estão escondidas lá, esse alguém sou eu.

— Se confia em mim e quer meu palpite, eu te aconselharia a levar Gilbert junto — ao ver minha expressão de desaprovação, Ludwig tenta se explicar. — Não, é sério. Ele vê o que os outros não veem. Ele só iria colaborar na sua investigação.

Sinto-me dividido. Não suporto aquele homem, e meu orgulho deseja sua cabeça numa bandeja de prata. No entanto... E se Ludwig tivesse razão em admirá-lo tanto? Não, de maneira alguma! Isso seria admitir que ele fosse melhor que eu, e, pior ainda, que eu pudesse precisar dele! A simples hipótese de levá-lo junto era inconsiderável! Mas, por outro lado... Era a oportunidade perfeita de mostrar a ele a minha competência. De esfregar naquele rosto imundo que meu estudo e meus anos de dedicação não foram em vão. E havia outro fator...

A imagem de meu pai, serenamente morto, deitado sobre a maca do instituto médico logo antes da autópsia me atormenta. Talvez eu nunca seja capaz de esquecer esse momento. A pessoa que queria meu pai morto, fosse quem fosse, tinha alguma razão para querê-lo, e eu não sabia ainda qual era essa razão. Agora que Berthold se fora, e não tendo a menor ideia de quem era o mandante do crime, era lógico e bem provável que essa pessoa se voltasse para mim. Eu é que estava em perigo agora. E, se tudo o que Ludwig dizia fosse verdade, podia ser que, caso algo acontecesse comigo, a polícia nunca chegasse a uma resposta.

Mas aquele homem, Gilbert Beilschmidt, poderia.

Eu não estou admitindo seu talento... Não, eu seria incapaz de fazê-lo! Ele é só um amador metido a detetive! Mas, se meu chefe confia tanto nele, talvez essa fosse a oportunidade de ver do que ele era capaz. Eu o deixaria ir comigo e brincar de investigador, se era o que Ludwig queria que eu fizesse.

— Certo! Darei seu endereço a Gilbert — anuncia o louro, animado, ao perceber que minha face já não anunciava oposição. — Direi a ele que vá até seu apartamento hoje às sete da noite, e, de lá, vocês podem ir juntos ao casarão. Ele terá o maior prazer em se envolver no caso de vez.

— Sete da noite. Será ótimo — sorrio amarelo. — Eu serei o melhor anfitrião possível.

Ludwig sorri com excitação. Diferente de mim, que não conseguia acreditar naquele homem, ele parecia ter confiança plena nele. Mais até do que tinha em mim.

Mas aquilo mudaria. Ah, como mudaria.

A campainha toca pontualmente às sete da noite, o que é o suficiente para que eu saiba que não é Gilbert que está chegando. Alguém com aqueles modos desleixados jamais teria a decência de ser pontual. No entanto, nada me deixara preparado para atender a pessoa à porta, e fico paralisado e imóvel enquanto ela salta para me abraçar com entusiasmo.

— Rodi! Você está um homenzinho tão lindo! — o gesto surpresa de minha mãe tira meus óculos do lugar, e sou obrigado a ajeitá-los de volta. Seus cabelos de um castanho muito escuro, do tom exato dos meus, fazem cócegas em meu rosto. Sei que meu rosto está corado do susto. — Estava com saudades? Eu estava mor-ren-do de saudades, mein Schatz!

Sempre pensei em minha mãe como tendo o mesmo sobrenome que eu, então a verdade é que vivo esquecendo o seu nome de solteira, o qual ela reassumiu após o divórcio. Alguma coisa com Mann. Zimmermann. Sim, é isso. Hilda Zimmermann. Meu pai a chamava de Hildi.

A última vez que nos vimos foi há cinco anos, em meu aniversário de dezenove. Ao longo de meu crescimento, não nos encontramos mais que cinco ou seis vezes. Algumas coisas que eram de conhecimento geral acerca da minha mãe:

1 – Ela tinha nascido em uma família rica, mas gostava de dinheiro, e sempre queria mais.

2 – Ela disfarçava a miopia de quatro graus e meio – mais alta que a minha própria - com um par de lentes de contato que custavam mais do que muita gente ganhava em um mês.

3 – Ela trabalhava como modelo desde a juventude, e era muito boa nisso.

4 – Ela era completamente doida.

Esse último tópico era repetido à exaustão, não somente por meu pai, mas também pelos criados que cuidaram de mim a vida inteira, então eu nunca tinha altas expectativas antes de meus encontros com Hildi. No entanto, era típico dela transformar qualquer ocasião em um espetáculo, o que me deixa curioso sobre o porquê de ela não ter anunciado sua visita. Após me abraçar à sua maneira esfuziante, a mulher entra sem se anunciar e põe-se a analisar de cima a baixo o espaço precário do apartamento.

— O casarão de Berthold tem muito mais a ver com você, tesouro — critica, como eu esperava. — Esse lugar é como um quartinho de hotel de beira de estrada para um rapazinho tão requintado como o meu filho. — Mesmo as reclamações dela tinham um quê de orgulho, que ela usava para se vangloriar.

— É difícil arranjar um lugar grande no centro — tento explicar, e era verdade. Berlim era um amontoado de prédios sujos e gente mal-educada, e eu tivera sorte de conseguir um apartamento mais tradicional, numa construção mais baixa e antiga. Nós nem mesmo tínhamos elevadores, e eu subia de escadas até o quarto andar. Quando Hildi se senta, levemente ofegante, é que percebo que ela teve que, fora de costume, fazer o mesmo. — Mas é... Aconchegante — minto. É claro que eu sentia falta do casarão, mas eu brigara com meu pai pouco antes de mudar e não me sentia bem continuando lá.

— Meu Deus, eu estou destruída. Você sabe o quanto é desgastante pegar um voo em plena madrugada e ainda ter que subir escadas? Minha nossa, Roderich, você bem que podia ficar em um hotel. Eu estou em um fan-tás-ti-co.

— Na verdade, Mutti — refiro-me a ela de forma carinhosa numa tentativa de atrair sua atenção, e o truque funciona. — Eu estava me perguntando... Com todo o respeito, não estou incomodado por vê-la nem nada, mas... Como, na verdade, a senhora conseguiu esse endereço?

— Seu pai me contou assim que você foi embora, seu tolinho — explica, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Ou vai me dizer que... — sua expressão muda e ela parece assustada. — Ele não te contou que nós estávamos nos correspondendo?

— N-na verdade, não — estou sem palavras. Então meus pais estavam se falando nos últimos dias de vida de meu pai, e ele nem mesmo tinha me contado nada! Que outros segredos não estarão me escondendo? — Para ser sincero, eu nem sabia que você estava vindo para a Alemanha.

— Isto nem eu sabia, meine Liebe — responde ela, rindo gostosamente logo em seguida. — Recebi uma bela de uma intimação há menos de vinte e quatro horas e tive que vir voando para cá. Voando, entendeu? — ela gargalha sozinha, enquanto tento colocar meus pensamentos em ordem. — Como seu pai e eu estávamos resolvendo negócios, decidiram que sou suspeita de ter mandado matá-lo. Ah, francamente!

Vejo o rosto de Hildi, tão mais parecido com o meu que o de Berthold era, e reconheço nele a mesma indignação que eu próprio sinto – embora por diferentes razões. Então minha própria mãe, depois de tantos anos, estava voltando para a minha vida daquela maneira? E quais poderiam ser os negócios que ela e meu pai estavam resolvendo? No entanto, a seriedade da conversa se esvai quando sua expressão se transforma no entusiasmo prévio.

— Então, o que teremos para o jantar?

— Eu sinto muito, Hildi — digo, no impulso, e tenho logo que me corrigir antes que ela se ofenda. — Mãe. Mas... Eu tenho negócios a resolver. Do meu trabalho. Um compromisso.

— Você vai sair? — seu rosto transpira decepção e tristeza, e acho que ela realmente queria passar algum tempo comigo, já que tinha vindo para Berlim.

— Eu faço parte da equipe que está investigando o assassinato de Berthold. Liguei para Sebastian esta tarde e combinei de visitar a mansão com um... Colega — chamar Gilbert por aquele termo me enoja, mas sinto falta de uma expressão melhor. — Vamos investigar.

— Vou ver você brincar de Sherlock Holmes, então? — Hildi parece uma criança falando daquele jeito, e eu nem mesmo a tinha convidado para ir junto, mas sou incapaz de dizer não, tamanha a sua animação. — Vai ser muito divertido!

— E-eu não tenho certeza se tenho permissão para levar uma suspeita ao local do crime... — hesito e tento fazê-la desistir, mas é impossível. Ela realmente quer ir conosco. — Mas acho que tudo bem. Só tente não atrapalhar as investigações — condiciono, embora eu soubesse que meu acompanhante me atrapalharia muito mais que ela.

Em um segundo, Hildi está de pé em seus saltos altíssimos. Ela passa a mão para limpar a poeira de suas roupas caras – exatamente como eu costumava fazer – e sorri para mim, mostrando que está pronta.

A essa altura, são sete e quatorze da noite. É quando a campainha toca outra vez e, confirmando minhas expectativas, Gilbert Beilschmidt chega, com quatorze minutos de atraso.

— Boa noite, Herr Edelstein — diz, quando abro a porta. Ele está usando um chapéu preto, do tipo fedora, e o retira para me cumprimentar. Em sua mão esquerda, ainda, há uma longa bengala de madeira escura. As roupas, porém, são as mesmas com as quais o vi após o julgamento – a mesma camisa amarrotada e a gravata mal colocada. Seus sapatos precisam urgentemente de uma engraxada. Ele põe o chapéu de volta, mas tem que retirá-lo outra vez para cumprimentar Hildi, que surge atrás de mim, para quem ele rende uma reverência com muito mais animação. — E muito boa noite, Frau Edelstein. É um prazer conhecê-la.

Seus modos diferem muito dos que vi mais cedo, e sei que a presença de Hilda é a razão de tal mudança. Gilbert fala com mais eloquência, embora não abandone o ar prepotente, que fica até mais acentuado.

— Zimmermann — corrige minha mãe, lisonjeada, quando o albino faz menção de beijar sua mão esquerda. — Meu nome é Hilda Zimmerman. Mas é um prazer imensurável conhecê-lo, Herr...

— Beilschmidt. Pode me chamar de Gil, Frau Zimmermann. Se me permite, imaginei que se tratasse de alguma adorável irmã de quem Roderich não me havia contado — diz ele, e sei o que pretende. Ele não precisa perguntar: com aquela afirmação, minha mãe diria, ela mesma, qual era seu parentesco comigo.

— Na realidade — explica Hildi, corada. — Eu sou a mãe dele. Divorciei-me de Berthold há dezesseis anos, por isso o sobrenome. — Gilbert dá seu sorriso de lado, puramente irritante, com uma expressão de triunfo. Agora ele tinha uma variedade de informações sobre ela, e não havia feito uma pergunta sequer. Aquilo só me deixava mais persistente: ele não era um gênio – era apenas um homem esperto. Nada além disso. Além do mais, Hilda era mesmo uma tolinha. Era pura sorte e engenhosidade.

— A senhora pretende nos acompanhar na visita?

Ele está fazendo de novo. Que ódio, ele está fazendo aquilo de novo! Se intrometendo na minha conversa como se eu não existisse! Francamente – para roubar a expressão usada anteriormente por Hildi -, quem aquele estúpido pensava que era?

— Devíamos ir — digo, antes que ela responda. — Quanto mais tempo demoramos, mais longe estaremos de alguma pista concreta.

— Há um táxi lá embaixo — Gilbert aponta para o chão com a bengala. — O pessoal da polícia deixou pago. Mas, uma vez que teremos que descer esse monte de escadas — Hildi deu um risinho —, nós deveríamos ir andando.

— É — resmungo. — Deveríamos ir andando.

O albino oferece o braço a minha mãe e ela o acompanha, sorridente. Tranco a porta do apartamento e desço sozinho, alguns passos atrás dos dois.

Aquela seria uma longa noite.

Enquanto meu colega insiste para que Hildi vá na frente, no banco do passageiro, sento-me sozinho atrás do taxista, pensando em todas as coisas em que eu ainda não conseguia acreditar.

Não acredito que meu pai esteja morto. Não acredito que ele tenha morrido da maneira que morreu, ao invés de uma morte tranquila durante o sono. Não acredito que a polícia – e eu – tenhamos que estar em uma busca inimaginável para encontrar quem o mandou matar. Não acredito que suspeitem da minha própria mãe, uma socialite tola que não tem nada a ver com a história. Não acredito que estou voltando para a casa em que cresci, com o homem que eu detesto sob o teto do mesmo carro que eu. E, acima de tudo, eu não acredito nesse homem.

Não consigo acreditar em uma única palavra dele.

Dou um suspiro. Não sei se não consigo ou se simplesmente não quero acreditar nele, mas algo em Gilbert Beilschmidt me preenche de dúvida. Talvez seja porque eu não quero acabar confiando nele. Não quero vê-lo como um gênio, como Ludwig vê. Porque isso seria admitir que eu não sou capaz de desvendar o assassinato do meu próprio pai.

Gilbert surge ao meu lado, e, para meu desconforto, sobe a divisória entre a frente e os bancos de trás. Hildi está distraindo o taxista com alguma conversa sobre os táxis ma-ra-vi-lho-sos de Viena, e, por alguma razão, o albino acha que agora é um bom momento para conversar comigo, o que só me deixa mais incomodado.

— Com o que você acha que seu pai trabalhava, mesmo?

— Eu não disse.

— Ora, ora... Você é difícil de pegar, principezinho.

Um silêncio irritante se segue, e sei que ele está à espera de uma resposta. A contragosto, faço sua vontade.

— Ele era músico — respondo, suspirando. — Mas também mantinha uma academia de música no interior.

— Algum instrumento em especial?

— Piano. Ele era um ótimo pianista. — Eu também toquei piano, a minha vida inteira, mas, embora estivesse acima do nível de qualquer um, estava abaixo de meu pai. Isso me lembra de que não toco piano desde que me mudei.

Gilbert permanece em silêncio, e percebo uma das razões do meu incômodo. Embora ele esteja falando comigo, em momento algum me encarou diretamente, ou olhou em meus olhos, e se manteve sempre encarando as costas o banco da frente. Nem mesmo quando está falando comigo ele parece perceber que existo, pelo amor de Deus! Bufo, cruzo os braços e não digo mais nada.

São vinte e dois minutos do centro até o casarão de meu pai, em uma área mais afastada da cidade. O táxi para na entrada do suntuoso jardim, e Hildi é a primeira a sair do carro. As luzes de dentro mostram que a criadagem esperava pela visita.

Gilbert se levanta e sai caminhando para o portão sem que eu mesmo saia. Hildi se pendura em seu braço e os dois, mais uma vez, me deixam para trás. O taxista liga o rádio para combater o tédio e reclina o banco. Certamente, vai tirar um cochilo.

— Eu tenho que ver os aposentos da vítima — pede Gilbert assim que os alcanço. — A cena do crime.

— Não há nada lá. Já demos uma dezena de olhadas por lá, com a perícia, e não havia nada além da xícara com cianureto. O assassino estava de visita. Meu pai literalmente o recebeu e o convidou para entrar! — não posso conter minha indignação.

— Você não entende — diz ele, com uma expressão irônica de desdém, revirando os olhos. — Está lá dentro. Se “conseguirem encontrar”. Você não presta atenção mesmo.

Mais uma vez, as palavras do acusado. Hildi apenas observa a nossa conversa, meio sem entender nada, os braços dados com o acompanhante. Meu desprezo por ele só aumenta, com raiva daquela sensação de que eu estava perdendo alguma coisa. Algum detalhe importante.

— Você errou outra vez, Roderich — decepciona-se Gilbert, me olhando, depois que não respondi nada. — Era a sua deixa para dizer o que é que tem lá dentro. Dentro do quarto. Tem que ter alguma coisa, e, se alguém sabe, é você.

Faço menção de responder, mas é minha mãe quem se adianta.

— A Biblioteca — diz com entusiasmo, como quem descobre algo extremamente importante. — Berthold tinha uma biblioteca enorme que só era acessível daquele quarto.

— Sim, mãe — interrompo. — Mas ninguém entrava lá além dele. Nem mesmo eu entrei naquela Biblioteca, em vinte e quatro anos.

Gilbert parou de andar, parecendo interessado, e, pela primeira vez naquela noite, soltou Hildi e olhou em meus olhos.

— Por quê? Por que é que ninguém entra?

Nesse momento, chegamos à porta. Hildi bateu três vezes na madeira e, enquanto esperávamos que alguém abrisse, Gilbert esqueceu a pergunta que havia acabado de fazer para me fazer mais uma.

— Por que a inscrição?

Com a bengala, ele aponta para cima. No topo do batente, sobre a porta de madeira, há um relevo, que já estava lá desde antes que eu nascesse.

Veni, vidi, vici — explico. — Vim, Vi, Venci.

— Isso eu sei — replica ele. — Eu sei latim. Quero saber por que tem isso escrito aí — ele aponta outra vez. Hildi olha para ele, mas espera que eu responda.

— É latim. Meu pai gostava de latim. Esse também foi o epitáfio dele. Vivia dizendo algo em latim, me fez estudar até os quinze anos.

— Latim — Gilbert me olha, surpreso e confuso ao mesmo tempo. — Latim.

— Sim. Isso é relevante?

— Tudo é relevante, Roderich, quando você sabe observar — diz, e volta a ficar de costas para mim.

Sebastian, um mordomo perfeitamente alinhado com os cabelos rareando e olhos enormes e redondos, nos recepciona. Sua tristeza pela morte de meu pai é palpável, os dois eram muito próximos. Hildi o abraça assim que ele aparece, assim como fez comigo, e lhe dá os pêsames.

— Como eu disse, Sebastian — dou um passo à frente de Gilbert — Estamos aqui para investigar.

— O senhor poderia me mostrar o caminho para os aposentos de Herr Edelstein? — Gilbert adianta-se, o que me irrita ainda mais, e Sebastian acena positivamente.

— O homem chegou, disse que estava sendo esperado por Herr Edelstein, e subiu para o quarto. Eles não ficaram lá por muito tempo, meu senhor parecia nervoso quando avisou que o homem estava de saída. Então, ele foi embora. Duas horas mais tarde, fomos servir o jantar e... — o mordomo hesita. Está revivendo o momento em que encontrou o cadáver de seu amo, o que não era nada agradável — E o encontramos lá. Morto.

Ao que minha mãe tenta nos seguir, peço para que permaneça no Átrio. Convenço-a com a desculpa de que, assim, ela poderia pôr a conversa em dia com as empregadas que não via há tantos anos. Sorridente, ela correu para a cozinha, e eu e Gilbert seguimos Sebastian sozinhos para o segundo andar.

À porta dos aposentos de Berthold, o Veni, Vidi, Vici nos encontra outra vez. Sebastian fica para trás.

— Não vou atrapalhá-los. Estarei lá em baixo, caso necessitem de mim, jovem amo.

Concordo, dizendo que o chamaria caso precisasse, e Gilbert fecha a porta. Que atrevimento! Eu é que era o dono da casa, e eu decidia se as portas seriam fechadas ou não. Antes que eu reclamasse, porém, ele volta a falar.

— Realmente, não há nada. Mas...

Dou uma olhada em volta. Tudo o que havia no quarto era a enorme cama de dossel, impecavelmente arrumada, o armário de roupas e, à frente da cama, o majestoso piano, que era mais velho que o meu pai e, talvez, que o pai dele. Todos os outros pertences, o que quer que fossem, deviam estar na Biblioteca que eu sabia se esconder por detrás das paredes. Ela ocupava quase todo o segundo andar – todo o resto da casa se concentrava no terceiro -, e a porta para ela era trancada através de um dispositivo especial. Não havia teclado para digitar a senha, e nem eu sabia qual era a forma de entrar. Se fosse identificação biométrica, ninguém jamais entraria. Não agora que Berthold estava morto.

— O piano — diz ele. — Nunca foi tirado daí, foi?

— Jamais — respondo. — Ele nunca foi movido, nem para limpeza.

— Isso foi um palpite — Gilbert se vira para me encarar e anda mais para perto do instrumento. — Mas um bom palpite.

Com a bengala, ele dá duas batidas na parede ao lado do piano.

— A Biblioteca está do outro lado, mas a parede é bem grossa. Você já tocou esse piano alguma vez, Roderich?

— Não. Meu pai nunca permitiu que ninguém tocasse um dedo nele. Eu tinha o meu próprio instrumento.

Eu ainda não sei aonde esse estranho quer chegar, mas me aproximo. O que ele poderia dizer sobre meu pai que eu não soubesse? Como era possível que ele descobrisse algo que nem eu nem a polícia tínhamos descoberto?

Eu ainda não acredito nele.

— A parede é grossa o bastante para esconder algumas coisas — ele bate nela com a bengala outra vez.

— Acha que há algo de valor emparedado aí?

— Não, de maneira alguma! — o olhar de Gilbert mostra decepção e algum humor. — Que ideia mais tola e óbvia, Roderich! Essa parede tem algo muito mais especial, realmente, um verdadeiro golpe de mestre do seu pai! — ele se abaixa para examinar a construção com as mãos, ajoelhado de costas para mim. Chego mais perto, incrédulo. — Não, tenho razões para acreditar que o crime não ocorreu nesse quarto, e sim dentro da Biblioteca. Está lá dentro, se conseguirem encontrar! E você está errado. Alguém além do seu pai entrou, sim, nosso criminoso entrou aqui com a ajuda do próprio Berthold. Se existe alguma pista REAL sobre a morte do seu pai, está na Biblioteca, e é por isso que precisamos entrar.

— Ninguém descobriu como destrancar a porta, desde que meu pai a construiu! Como pode querer entrar? Você não sabe nada sobre ele! Não pode haver nada aí que eu não pudesse encontrar sem você! — subo o tom da voz, me irritando cada vez mais com os palpites daquele estranho prepotente. O albino, porém, não se exalta, e sorri.

— Bem, acho que eu acabei de desvendar o mecanismo de destravamento. Mas antes, preciso de duas respostas — ele faz o número dois com os dedos, uma das mãos ainda na parede. — Há quantos anos o seu pai construiu essa Biblioteca? E... Qual é mesmo o seu nome, Roderich?

Sem outra opção, sou forçado a responder. Era impossível que ele tivesse, de fato, descoberto o que nem eu nem meus criados tínhamos conseguido desvendar em anos! Ele não estava ali nem há cinco minutos!

— Há vinte e três anos, meses depois de eu nascer, quando ele começou a Academia de Música — explico. — A Biblioteca já existia, mas é quando ele implantou a porta com a trava. E... Meu nome é Roderich Edelstein. Sem nome do meio.

O sorriso de Gilbert, torto e despretensioso de uma maneira impertinente, era a prova de que ele sabia que estava certo. Mas é impossível. Ainda sou incapaz de acreditar. Não pode ser!

— Não leve isso para o lado pessoal, principezinho — diz ele. — Mas você jamais seria capaz de ser o detetive encarregado desse caso.

— M-mas como é? O que está querendo dizer? Q-quem o senhor pensa que é para...

— Você não poderia, Roderich — interrompe-me ele, e acho que vou explodir de nervoso. Esse estranho acha que pode simplesmente duvidar de minha competência e me provocar dessa maneira! — Porque, aqui, você não é o detetive.

Pela primeira vez, ele realmente me pega em um beco sem saída. Não tenho escolha a não ser esperar que ele volte a falar.

— Roderich, você é a pista!


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Notas finais do capítulo

E é isso aí. O que será que há escondido na Biblioteca de Berthold Edelstein? Qual será a pista decisiva? Por que Roderich é tão importante assim para as investigações? Gilbert é realmente bom ou é, como Rod pensa, simplesmente um homem esperto? Sim, muitas perguntas, poucas respostas XD Eu ficaria muito feliz se vocês me contassem seus palpites a respeito do caso, quem acham que é o culpado? O que pode ter acontecido? Como será que se faz para entrar na Biblioteca? Seria ótimo conhecer os palpites de vocês :D E, por favor, deixem suas opiniões a respeito da fic. Toda crítica é bem vinda!
Até o próximo capítulo, com a conclusão do caso~



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