Os Códigos Romênicos - A Descoberta Do Poder escrita por Luke Theon


Capítulo 7
Capítulo 6




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Rio de Janeiro, Brasil, 2011

Flashes da noite passada piscavam em minha mente quando acordei; tossindo e engasgando pela falta de ar. Assustado, atordoado e completamente perdido. Minha cabeça pulsava com os acontecimentos da noite anterior. Enquanto eu tentava entender o que havia acontecido, lapsos dos eventos giravam em minha mente, bagunçando todos os meus pensamentos.

Minha respiração parecia sincronizada com meus batimentos cardíacos: rápidos e inconstantes.

O lugar onde eu havia acordado estava completamente destruído. Um dos lados havia caído, ou sido derrubado, deixando para trás uma montanha de escombros empilhados. Outros pedaços da construção — uma espécie de galpão — estavam espalhados por todos os lados. Percebi que estava me apoiando em uma das pilhas de entulhos. Uma fenda se abria no telhado do galpão, onde incida um facho de luz forte; a poeira densa do local dançava na linha de luz. A camada de poeira do ar irritava meus olhos. Tive de piscá-los várias vezes para acostumá-los ao ambiente. Conclui que estava naquele local no momento do desabamento, pois a poeira se acumulara em uma camada fina sob minha pele.

Tentei levantar, mas senti uma fisgada na lateral do corpo, na altura das costelas. A dor embrulhou meu estômago e me deixou tonto. Pontos vermelhos giravam em meu campo de visão. Sacudi a cabeça para espantar a dor e mais uma vez tentei levantar me apoiando nas mãos, que até aquele momento não tinha percebido, mas estavam enfaixadas com gaze. O esforço as fez arder. A ardência me fez lembrar o motivo da dor e todas as lembranças dos eventos anteriores voltaram com força. Minha mente começou a trabalhar e uma a uma, as imagens começam a se focalizar e passar na minha frente como em um filme, um filme de horror.

Em um minuto, todas as cenas de terror que eu presenciara estavam nítidas na minha cabeça. Era muita informação para digerir. Respirei fundo e fiz novamente um esforço para me levantar. As costelas pulsando de dor, mas prossegui com a ação. Uma nuvem de poeira se levantou assim que fiquei de pé. A cabeça, as costelas, as mãos; tudo doía. Mordi o lábio inferior e me obriguei a focar em um pensamento: precisava sair dali e encontrar os outros.

Mesmo com a luz que entrava pelo telhado, o local estava escuro. O pó que estava impregnado em tudo e era levantado a cada passo que dava, atrapalhava minha visão. Estendi os braços em busca de algo para tatear.

Um vulto surgiu de detrás de uma pilha de restos de construção. A silhueta se adiantou e se jogou em meus braços em um abraço forte. Reconheci por baixo do cheiro de fumaça, o perfume cítrico de Olívia. Ainda que eu não importasse, ela apertou meu corpo que reclamou pela dor com um reflexo involuntário. Olívia me soltou.

— Está melhor? Fiquei preocupada. — ela perguntou apertando os olhos para me ver através da escuridão. — Sente muita dor?

— Um pouco. — respondi rapidamente. Até falar doía.

Virei à cabeça e identifiquei mais uma figura humana no meio da bagunça que estávamos. Diana estava sentada em um bloco de pedra.

— Onde está Cesar? — perguntei, notando a falta do meu melhor amigo.

— Ele saiu à procura de ajuda. Você estava desacordado e Diana também estava mal. Não podíamos deixar vocês aqui. Então ele foi sozinho. — ela indicou uma abertura que se abria em uma das paredes. — Ele também foi tentar conseguir informações de nossos pais.

A pontada que sentia no estômago evoluiu para um redemoinho e ficar de pé não estava ajudando meu corpo a se recuperar. Pensar que algo de ruim poderia ter acontecido com os pais de Cesar e das meninas me deixava enjoado. Segui até o bloco de pedra e sentei do lado de Diana. Ela, como se lendo meus pensamentos, disse:

— Nada de grave aconteceu com eles, felizmente.

— Como você sabe?

— Assim que viemos para este lugar Cesar conseguiu falar com seu pai pelo celular. Por sorte, nossos pais e os dele saíram para uma festa antes de tudo acontecer.

Olívia se sentou em outra parte da construção que parecia ter sido antes uma coluna e emendou:

— E tudo o que sabemos. Logo depois o sinal caiu. Junto com a luz. Não conseguimos nem avisar que estávamos bem.

— Não tão bem. Apenas melhores que outros. — Diana olhou para o braço fazendo uma careta.

— Estar melhor que os outros já é uma vantagem. A questão é que logo depois tudo se apagou. Nossos celulares, as luzes dos postes... Então algo atingiu o galpão. Então ficamos na escuridão esperando. — Olívia falava sem pausa para respirar. — Tentamos achar uma saída. Mas a única que havia foi bloqueada. Até que achamos essa abertura e Cesar saiu para procurar ajuda.

— Tem muito tempo que ele saiu?

— Não muito. Ele foi assim que amanheceu, mas...

Olívia foi interrompida por uma buzina alta que soou do lado de fora do galpão. Entre buracos na parede, era possível ver luzes vermelhas piscando, e uma voz ecoar:

— Diana... Olívia. Vocês estão aí?

Um som metálico foi ouvido e a parede tremeu. Corremos para o lado oposto, quando uma nuvem de poeira se levantou da parede que acabara de cair. Três silhuetas se distinguiam através da névoa que se formara. Escalamos os entulhos e saímos na rua onde Cesar esperava.

Ele tinha um corte feio na têmpora e quando andou até nós, mancava.

— Cara, você está bem?

Assenti com a cabeça e segui o médico que indicava a ambulância estacionada. No caminho, um dos médicos examinava o braço de Diana, sob os olhos atentos de Cesar. Recostei no metal frio do automóvel e olhei pela janela; apenas para ver a lastimável situação em que o Rio se encontrava.

A palavra certa para definir o estado que a cidade estava era caos. Mais e mais carros de bombeiros e ambulâncias passavam em alta velocidade à medida que cruzávamos a cidade.

A ambulância parou e as portas traseiras se abriram.

— Vocês descem aqui. Temos mais lugares para ajudar. Mais a frente tem o posto de socorro as vítimas. — O médico ajudou Diana a descer.

Estávamos de volta no último local que eu queria ver naquele momento. A Avenida Atlântica, que poderia ser descrito como um cenário de guerra.

Do lado esquerdo, as antes construções, agora apenas ruínas queimadas e destruídas, ainda cuspiam grandes colunas de fumaça preta e densa. No meio, a avenida estava repleta de destroços até onde meus olhos alcançavam; além dos tanques de guerra. Sete grandes máquinas de metal verde parados a intervalos de pelo menos duzentos metros no asfalto destruído, se estendendo pela área destruída. À direita, no calçadão e na praia, tendas tinham sido armadas servindo de posto médico para o atendimento improvisado as muitas vítimas, que se acumulavam debaixo das tendas, deitados em macas enfileiradas ou mesmo na própria areia, nas situações mais adversas e deploráveis.

A quantidade de pessoas era absurdamente impressionante, em especial aos ajudantes. Todo tipo de pessoa prestava auxílio, o que me fez lembrar uma frase que minha mãe dizia após as muitas horas de plantão que pegava: “Você pode se surpreender com quem pode ou não lhe ajudar nas horas de aflição.”

Conforme chegávamos mais perto das tendas, percebi também, a quantidade de militares que rondavam toda a área. Incontáveis tropas de fuzileiros navais e soldados do exército. À frente, na linha do horizonte, uma parede de formas cinza-esverdeadas, fechavam a Baía de Guanabara: navios da Marinha.

Olívia abordou um homem de jaleco branco com uma bandeja na mão e perguntou:

— Por que todas estas pessoas ainda estão aqui? Por que não foram levadas para os hospitais?

— Desculpe moça, não posso parar agora. Aquele militar ali está respondendo as dúvidas das pessoas. Ele pode te auxiliar. — ele apontou para um homem que estava de pé ao lado da primeira tenda, vestindo uniforme camuflado.

Um grupo de pessoas já se reunia em volta do homem. Juntamos ao grupo.

— As pessoas estão sendo levadas para os hospitais aos poucos por que os mais próximos já ultrapassaram a capacidade de atendimento. A demanda de leitos e maior que os hospitais podem oferecer. Por isso, estamos levando todos para hospitais em regiões mais distantes. Por isso a demora. Estamos estudando novos meios de ajudar essa gente na medida do possível.

As pessoas começaram a falar todas ao mesmo tempo, enquanto o homem pedia calma, o que era bem difícil naquele momento. Uma mão me puxou até uma das tendas com uma faixa escrita em letras vermelhas: pronto socorro.

Olívia me levou até uma maca onde Cesar já estava com Diana e chamou outro homem de branco.

— Com licença. Poderia examiná-los. — ela gesticulou para mim e depois para Diana que estava sentada.

Puxei Olívia até mim.

— Estou bem. Tem gente que precisa mais de ajuda. Temos de ajudá-los.

— Você já ajudou muito. ─ Olívia me levou até a maca. Os olhos verde-esmeralda brilhavam ainda mais em contraste com o rosto sujo de cinzas. — Tenho certeza que aquela mulher está muito agradecida.

Fiquei confuso.

— Que mulher?

— Como assim que mulher? — Olívia perguntou incrédula. — Você não se lembra do que fez ontem à noite?

Balancei a cabeça em negativa, enquanto o médico se aproximou e começou a desenfaixar minhas mãos. Estavam em carne viva e ardiam ao toque. Ele puxou minhas mãos e começou a limpá-las com um líquido transparente de cheiro forte que fez as queimaduras arderem ainda mais. Mordi os lábios para conter um grito de dor.

— Puxa vida. A pancada na cabeça foi mais forte do que eu pensava. — Cesar respondeu na outra maca, ainda sentado com Diana.

— Estou falando da mulher que você salvou ontem. O que acabou resultando nisto. — Ela apontou para as ataduras sujas que enfaixava minhas mãos queimadas.

As memórias foram voltando lentamente, em lapsos. O salão luxuoso coberto pelo brilho vermelho das chamas.

— Não foi nada demais.

— Não foi nada demais? Claro que foi. Tenho certeza que aquelas pessoas acham que tudo demais. — Cesar falou entrando na conversa. — Você salvou vidas ontem. Não precisa se vangloriar é claro, mas você não pode negar, foi um ato heróico.

Ouvia tudo sem prestar atenção. Ainda estava tentando organizar tudo o que tinha acontecido; havia lacunas que precisavam ser preenchidas, mas as informações se chocavam em um redemoinho de lembranças, o que dificultava muito o processo.

Por um momento tentei afastar aquelas imagens que piscavam através dos meus olhos. Eram horríveis demais para se ficar relembrando. Tudo que mais queria era poder deletar da minha mente aquele dia. Mas eu sabia que jamais esqueceria o que tinha acontecido. Aquelas lembranças ficariam comigo como uma cicatriz no corpo; impossível de retirar.

A voz de Olívia ecoava distante, e foi se aproximando, até que percebi que ela me chacoalhava. Pisquei desorientado. Ela falava comigo.

— André, você está mesmo bem?

Abri a boca para responder, mas não tive chance. Antes que pudesse dizer algo, fui interrompido por gritos que vinham de algum lugar atrás de nós. Uma cortina presa a tenda tapava a visão da praia, para onde as pessoas indicavam. Algumas se levantaram das macas chocadas.

Cesar correu até as cortinas e as abriu. Pude ver o que tanto assustava as pessoas, e me assustei também.

Dois aviões caças, da Força Aérea Brasileira, perseguiam um terceiro, um pouco maior e mais rápido. Assim que ele se aproximou da muralha de navios da Marinha um canhão foi disparado em sua direção. O caça diferente fez um looping impossível no ar, e a balado canhão acertou um dos caças brasileiros.

O avião explodiu no ar sob a visão de uma plateia aterrorizada. A carcaça negra caiu com um baque surdo no mar, espirrando água em todas as direções com a onda produzida pelo choque. O caça de origem desconhecida voando em ziguezague, fez a volta no ar e começou a voar na direção da orla carioca. O mar começou a pipocar quando a forma área começou a atirar onde estávamos. A pandemia se instaurou na multidão; as pessoas correndo em todas as direções tentando sair da linha de tiro.

Cesar segurou Diana pela cintura e começou a correr, pulei da maca e o segui puxando Olívia pelos punhos. O som dos tiros cessou para dar lugar a um som mais grave e conhecido, mas nem um pouco bem vindo.

De novo não. De novo não.

Em nossa frente, se estendiam grandes blocos de concreto que antes faziam parte das construções destruídas. Cesar a nossa frente, indicou as ruínas com a cabeça, corri para aquela direção. No momento em que pulei atrás do antes era uma parede, senti o calor esquentar minha nuca.

A explosão foi gigantesca, monstruosa. O zunido retornou aos meus ouvidos. Com o estrondo, caí no chão. O gosto de sangue explodindo na boca, quando bati o maxilar em uma pedra. Meus olhos avistaram apenas o denso negror da fumaça.

Em meio às explosões de dor no corpo e os gritos de desespero ecoando em meus ouvidos, percebi que o pesadelo não tinha acabado.

Estava apenas começado.


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