Hold another hand

(Segure outra mão)

While the hands still without a tool

(Enquanto a mão ainda não está armada)

Nightwish – While Your Lips Are Still Red

❄

A paisagem naquele lugar não poderia ser mais mórbida. O céu estava nublado, pintado de cinza intenso, não havia nenhum resquício de luz solar. A ponte – que futuramente se chamaria ‘’A Grande Ponte Naruto’’ – em construção fora palco de uma intensa batalha, havia sangue espalhado por todos os lados. Se o contexto fosse outro Zabuza estaria adorando o cenário. O local estava repleto de pessoas, Gatou e seus homens a sua frente, alguns ninjas de Konoha atrás, e dois corpos estirados no chão. Um deles era Haku.

O ninja observava Gatou se aproximar do corpo desfalecido do pupilo, pensando no que ele pretendia fazer. Não tirou os olhos dos dois por nenhum segundo sequer, e se arrependeu amargamente por isso. Quando viu o pé do infeliz chutar o rosto pálido de Haku, pensou estar em um de seus piores pesadelos. Mas não, era tudo real. Ele estava morto.

‘’Haku se foi, para sempre. ’’

– Seu maldito! O que está fazendo? – Naruto gritava, correndo na direção de Gatou, sendo parado por seu sensei. –Diga algo! Ele não era seu companheiro? – O loiro estava inconformado por Zabuza sequer demonstrar alguma reação.

– Cale a boca, moleque. Haku já está morto. – Falar aquilo em voz alta, afetara o moreno mais do que ele queria. Sentiu um aperto incomum em seu peito, e tinha quase certeza que não era devido aos ferimentos. A dor que sentia em todo o corpo, não era absolutamente nada comparada à dor em seu coração.

‘’Eu simplesmente perdi a vontade de viver. ’’

– Não sente nada, mesmo eles fazendo isso? Vocês não estavam sempre juntos? – O Jinchuuriki da Nove Caudas vociferava revoltado.

– Como fui usado por Gatou... Eu também apenas usei o Haku. Eu já disse, nós ninjas somos simples ferramentas. O que eu queria era sua habilidade, não ele! Eu não me arrependo!

Zabuza era um assassino, conhecido como o ‘’Demônio da Névoa Oculta’’, usava as pessoas em prol de seus interesses, e quando elas já não eram mais úteis, as descartavam sem hesitação. Quando acolhera Haku das ruas, era exatamente esse o seu pensamento. O menino serviria apenas como sua ferramenta, e nada mais. Os anos foram passando, e a convivência com o rapaz de beleza andrógena, despertou sentimentos em Momochi que ele achara estar imune. Primeiramente, passou a ver o garoto como um bom companheiro. Haku era exageradamente devoto e fiel, não media atitudes para agradar o espadachim que nunca havia acreditado em ninguém, mas o usuário do Kekkei Genkai conseguiu conquistar sua confiança. O mundo ninja não era fácil, porém no meio de tanta discórdia, Haku era seu solo sagrado, seu bem mais precioso. As mãos de seu pupilo matariam apenas por Zabuza, nenhum outro poderia manchar a pureza do rapaz.

Agora que Haku estava morto, a escuridão havia voltado para a vida do espadachim, e descobriu que considerava o menino muito mais do que um simples companheiro.

'’É tarde demais. ’’

– Você realmente não sente nada? Quando uma pessoa fica forte como você, começa a pensar assim? Ele jogou a própria vida por você! Sem ter o seu próprio sonho, morrer como uma ferramenta, isso... Isso é muito triste!

Ao escutar de Naruto tudo aquilo que queria esquecer, Momochi inconscientemente começou a chorar. As lágrimas não paravam de cair, rolando por todo seu rosto até caírem no chão. Pela primeira vez – e última – permitiu-se demonstrar todo o sofrimento que estava sentindo, a dor de perder alguém precioso era dilacerante.

– Moleque... Não precisa dizer mais nada! Haku não só por mim, mas machucava o coração dele até mesmo lutando contra vocês. Eu posso entender. Ele foi muito bondoso. Mesmo sendo o fim, estou contente por ter lutado contra vocês.

Mesmo para um ninja como Zabuza, enfrentar diversas batalhas em um só dia tem suas consequências. Sentia seu corpo pesado, os membros estavam doloridos e tinha até uma ou duas costelas quebradas. Mas nada poderia parar a vontade imensa do espadachim de matar os homens a sua frente, principalmente Gatou.

Ele sabia que se fizesse isso sozinho, acabaria morrendo.

‘’ Não importa! Eu não consigo viver em um mundo onde Haku não existe. Passou somente alguns minutos desde a morte dele, e eu sinto como se tivessem sido anos. ’’

– Moleque, me empresta sua kunai. – Tirou as bandagens que cobria parte do seu rosto, deixando a boca com dentes afiados a mostra. Não conseguia segurar a arma com as mãos, então a seguraria com a boca.

Pegou a kunai no ar, e começou a correr na direção de seu alvo. Imagens de Haku invadiam sua mente, desde quando ele era apenas um pivete de rua, até quando se tornara um ótimo shinobi. Em suas lembranças, o rapaz sempre tinha o mesmo rosto pálido, um longo cabelo escuro capaz de despertar inveja em qualquer garota, lábios finos e charmosos, e o que mais fascinava o espadachim: grandes olhos amendoados. Todas as vezes que olhava para aqueles olhos, sentia-se perdido, e realmente adorava se sentir dessa forma. Um olhar gentil, cheio de determinação, capaz de desarmar qualquer um.

‘’Eu jamais poderei ver seus olhos novamente. ‘’

Deixou seus devaneios de lado, e ocupou-se exclusivamente de matar o máximo de homens que conseguia. A kunai fazia um ótimo trabalho, cortando profundamente a pele de qualquer um que tivesse ao seu alcance. O gosto de ferro em sua boca era forte, já não sabia distinguir se era seu sangue ou não. Perdeu as contas de quantos já havia matado, até conseguir chegar em seu verdadeiro destino. Gatou.

O ninja da Névoa queria proporcionar uma morte bem lenta a Gatou, com direito a muito sofrimento. Ele não havia simpatizado com o homem desde a primeira vez que o vira, trabalhava para o criminoso apenas para conseguir dinheiro o suficiente para iniciar um golpe de estado contra o Mizukage. E lembrar-se do fato de que Gatou pisou no rosto de Haku, sentiu ainda mais vontade de acabar com a vida dele. Seu nível de raiva atingiu níveis estratosféricos, já conseguia imaginar quais seriam as formas mais divertidas de se matar um infeliz. Porém, não poderia fazer muita coisa no estado em que se encontrava, o espadachim estava irreconhecível.

Não conseguia parar de pensar em seu pupilo, em toda a felicidade que ele o proporcionou, transformando sua vida cheia de escuridão, como o anoitecer, em algo tão claro como a neve. A pureza de Haku ultrapassou o enorme muro que havia em seu coração, provocando uma avalanche de novidades, e nenhuma delas desagradou de todo o espadachim. Sua natureza fria, ainda era presente, jamais deixaria de ser assim. Continuou sendo um assassino, Zabuza matava por prazer, todos sabiam disso. Inclusive, Haku.

‘’Mesmo sabendo de todos os meus defeitos, ele nunca deixou de me amar. ’’

Sua linha de pensamento foi cortada quando sentiu diversas armas perfurarem suas costas. A dor era insuportável, suas pernas mal conseguiam sustentar todo seu peso. Mas não poderia cair, não antes de mata-lo. Andou na direção de Gatou, sorrindo contidamente com a perspectiva de finalmente poder acabar com o homem a sua frente. Sua mente estava em branco, podia ouvir algumas súplicas por misericórdia ou bobagens sobre ir para o mesmo lugar que Haku.

‘’Esse cara só pode ter enlouquecido. Eu jamais iria para o mesmo lugar que Haku.’’

Quando viu a carne ser rasgada pela arma em sua boca, o sangue respingando em seu rosto, e os gemidos de dor e desespero chegarem aos seus ouvidos, sentiu como se tivesse tirado um peso enorme de suas costas. O corpo de Gatou havia caído no rio, destruindo qualquer possibilidade de sobrevivência. Virou-se para o outro lado, encarando a multidão que ainda tinha ali. Por mais que Zabuza quisesse, não conseguiria matar todos, e o mais importante, é que eles estavam na frente da única pessoa que gostaria de ver no momento.

‘’Eu quero vê-lo, quero senti-lo... Pela última vez. ‘’

Aos poucos a consciência do Nukenin esvaia-se, o resto que sobrou se suas forças seriam utilizadas para transpor a distância entre ele e o corpo de seu pupilo. Começou a andar lentamente, como se cada passo fosse uma tortura. Os homens que bloqueavam seu caminho abriram espaço automaticamente, temendo pelo o que poderia acontecer com suas vidas caso não fizessem isso. Quando estava na metade do caminho, as pernas do espadachim vacilaram, e ele caiu de joelhos no chão, encarando o céu nublado acima de si. Parecia até um espelho, refletindo como estava o interior de Zabuza, completamente sem cor, sem vida... Sem nada. Apenas um vazio, deixado por uma pessoa especial, a única durante toda sua existência.

O corpo mortalmente ferido caiu lentamente, fazendo um baque surdo ao chegar no chão. Ficou inconsciente durante minutos o suficiente para perder toda a movimentação causada por Inari e o povo da aldeia, espantando os criminosos que ainda restavam no local.

Seus olhos se abriam lentamente, enxergando uma sombra vinda em sua direção, logo depois reconhecendo que era Kakashi.

– Kakashi, eu tenho um pedido. Eu quero ver o rosto dele. – Parecia tão patético na frente do inimigo, caído no chão, sem forças nem para ficar de pé. Para piorar, tinha que se humilhar ainda mais, fazendo um pedido para a pessoa que anteriormente tentou matar.

‘’Que se dane meu orgulho. ‘’

– Sim... – O ninja de cabelos cinza, cobriu seu olho esquerdo com a bandana. Abaixou-se e começou a tirar as armas encrustadas nas costas do moreno. Quando terminou de retirar todas, pegou o corpo quase desfalecido no colo, tendo um pouco de dificuldade para caminhar devido ao porte forte de Momochi.

Enquanto era levado em direção ao corpo de Haku, sentiu pequenos flocos gelados tocar seu rosto, trazendo um leve arrepio. A neve foi aumentando gradativamente, até encher a paisagem com seu branco impetuoso. Zabuza sentia-se estranhamente acalentado, a neve já era uma velha conhecida, e lhe lembrava muito seu pupilo.

‘’Haku, você está chorando?’’

Seu corpo foi deixado no chão delicadamente por Kakashi, bem ao lado do corpo do menor.

– Obrigado, Kakashi. – Agradeceu baixinho, mas sabia que o outro havia escutado.

Virou seu rosto, observando a expressão tranquila que seu Haku tinha. Era realmente muito belo, traços femininos e delicados, chegando a ser confundido diversas vezes com uma menina. O escarlate manchava a pureza de sua face. Quantas vezes não viu seu pupilo todo ensanguentado? Durante todos os anos que estiveram juntos, passaram por milhares de lutas, venceram todas, juntos. Aquela seria a última vez que poderia ver o branco puro da neve misturado com o vermelho sangue.

– Sempre esteve perto de mim. Quero ter o meu fim perto de você. – O que consolava o moreno era o fato de poder morrer ao lado da pessoa que tanto estimava, aquele que considerou muito mais do que uma simples ferramenta.

Pela primeira vez na vida o espadachim se arrependeu. Poderia ter feito tantas coisas com Haku, beijar-lhe os lábios, abraçar-lhe o frágil corpo, e amá-lo de todas as formas possíveis. Morreria sem saber qual era a sensação de te-lo em seus braços, mas queria sentir a textura de sua pele, pelo menos uma única vez. Alcançou a face pálida do menor, acariciando gentilmente as bochechas salientes, sentindo a maciez, imaginando como seria tocar a região com seus lábios.

Permitiu-se chorar mais uma vez, eram tantas lágrimas que chegava a embaçar a visão de Momochi. A tristeza dentro de si era descomunal, a dor não se limitava apenas no peito, era tão grande a ponte de se alastrar pelo corpo inteiro. O ninja nunca havia se sentido dessa forma.

– Se pudesse, eu gostaria de ir para o mesmo lugar que você. – Zabuza queria poder ficar junto de Haku, onde quer que ele estivesse.

Todos que presenciavam a cena estavam tristes. Naruto chorava e soluçava como se alguém próximo tivesse morrido. Ali, naquele momento, o loiro não via Zabuza e Haku como seus inimigos, pois acabara criando certa afeição pelos dois.

O moreno continuou a passear o dorso de sua mão pelo rosto de Haku, aproveitando o máximo do momento. O fim estava cada vez mais próximo, seus olhos piscavam longamente, e pela última vez teimaram em continuar fechados. Sentiu algo molhar seus dedos, não era a neve gélida, e sim, algo quente. Com os resquícios de força que ainda possuía, abriu os olhos minimamente, surpreendendo-se ao ver lágrimas caírem dos olhos do menor. Zabuza poderia jurar que seu pupilo estava morto, mas as evidencias eram claras. Ele ainda estava vivo.

A aparência angelical, fora ainda mais ressaltada por um raio de luz que pairava sobre eles, e na opinião do espadachim, era uma das mais belas visões que já tivera. Suas últimas palavras foram para si mesmo, algo que deveria ter dito há muito tempo para Haku.

''Me desculpe Haku, eu te amo. ''

Os pequenos flocos de neve ainda caiam do céu, um espetáculo para a partida de duas almas, juntas.