Não demorou muito tempo para o "ser" tomar uma forma diferente  -  nem humana, nem inanimada. Era uma mera sombra gigantesca com olhos vermelhos em brasa.

Não era uma fera. Tampouco um monstro.

Zattara veio caminhando triunfante da névoa, convicta de sua vitória. Se ela soubesse o que Josh disse...

- E agora, Resgatadores? - zombou ela. - O que será dessas pobres almas sem o seu descanso eterno?

Pude ver Kate e Max em meio aos outros Ceifadores  -  mas onde estava Lissa?

- Você não precisa fazer isso, Zattara - a voz de Airon soou cansada; derrotada. - Pegue o que quer e desfaça isso.

- Que generosidade da sua parte - ela continuou com o tom indiferente. 

Instintivamente, coloquei a mão no objeto que George havia me dado. Era um medalhão de bronze entalhado. Algo me dizia que aquilo guardava um grande poder.

- Você não se lembra como foi bem acolhida na Ordem? - Airon continuou. - Todos nós gostávamos de você, Zattara...

- Isso ficou no passado - Zattara o cortou, mas senti a nostalgia aflorar dela. - Não sou mais...

De súbito, senti o chão vacilar, como um terremoto. Uma forte ventania tomou conta do lugar, e fomos ao chão. Até Zattara pareceu surpreendida, como os outros Ceifadores. Eu não sabia onde estavam as almas.

- Mas o que diabos é isso?! - Zattara vociferou. O seu cabelo negro chicoteava como uma vela de barco.

- Eu acho que é Josh! - gritei por cima do vento.

- O quê?! - ela se surpreendeu.

- Eu vi Josh mais cedo! - contei. - E ele disse que não vai voltar!

Ela gritou e avançou na minha direção, mas, antes que pudesse fazer algo, o mundo girou.

Era como se estivéssemos rodando em um furacão. Meu olhar se dirigiu para o guardião.

Era ele quem fazia aquilo!

- PARE COM ISSO! - Zattara gritou para o guardião, mas foi lançada até cair perto de mim. - Mas que merda...

"Silêncio."

A voz do guardião era "rochosa" e doía nos ouvidos. Não dava pra saber se era mulher ou homem.

"Todo esse sacrifício foi em vão. Você fez um péssimo trabalho, Zattara."

Zattara olhava-o incrédula e cheia de raiva.

- E quem é você pra me dizer o que fazer?!

Ele riu.

"Estamos do mesmo lado, afinal."

- Onde está Josh?!

O guardião demorou pra responder.

"Certas coisas jamais devem mudar."

Zattara fez um som gutural; animalesco.

A sombra do guardião tremeluziu.

"E você, jovem Luna, é a minha pequena presa..."

- Não vou fazer nada pra você. - falei.

"Ora, ora...não percebeu ainda? Não existe guardião nenhum."

- E pra onde foram as almas? - perguntei.

"Elas ficarão bem...por enquanto."

- Não vou negociar com você.

"Tudo bem, mas...o que aconteceria se você não tivesse a dádiva de ser imune à Morte? Como seria o seu futuro se você fosse...normal?"

A névoa foi fechando cada vez mais o meu cerco. Todos foram sumindo.

- Não! - implorei.

"Veja por si mesma."

Senti como se uma força invisível tomasse conta do meu ar e puxasse minhas entranhas. A névoa fantasma fez aparecer um espelho  -  mas não me vi refletida nele. Em meu lugar, havia uma garota negra. Sua pele tinha um tom oliva castigado e cabelos bem encaracolados, e semblante simpático.

Ela tocou sua mão no espelho com a minha. Ela ia falar algo, mas foi interrompida por um arquejar.

"Meu Deus."

O guardião desfez a imagem, e parecia me olhar abismado.

"Você é mais interessante do que eu pensava."

- O que você fez?! - vociferei.

"Não passou pela sua cabeça como seria se tivesse uma vida normal?"

- Eu aceitei minha condição.

Risadas.

"Tolice! Me diga...lá no fundo, você já quis sua vida humana de volta."

Ele me fez ter outro colapso. Dessa vez, eu vi o meu futuro.

"Minha mãe havia conhecido um outro homem e se casara com ele, se tornando meu padrasto. Eu e ele não nos dávamos bem. Eu terminava a faculdade e me preparava pra me casar com Jason, que era um famoso jogador, e tínhamos uma filha."

Eu arquejei quando voltei à mim.

Aquilo não podia ser real. Uma vida normal...sem saber quem eu era. Eu tinha sonhado com isso por muito tempo.

Não.

Sem tudo isso, jamais veria o mundo como o vejo agora. Jamais conheceria Leon ou meu pai.

- Não. - sorri, confiante. - Você não vai me manipular.

"Você é forte demais."

A sua voz soou mais ameaçadora. Ele ou ela ficara com raiva porque eu não caíra na armadilha.

- Por que fez isso? - eu recuei. - O que quer dizer?

"Chegou a sua hora, Luna. Você já viver tempo demais. Eu sou a sua Morte."

- NÃO! - gritei. - É mentira!

" Oh, querida, sinto desapontar. Pode me sentir invadindo o seu ser? Como um veneno incurável que vai penetrando aos poucos e tomando o fio débil que é a sua vidinha..."

Minha respiração falhava.

"Vou fazer da sua morte a mais cruel."

- Ah, não vai não.

Eu já estava caída e prostrada no chão sem forças, quando escutei a voz de Lissa.

"Nem parece que você é uma Ceifadora. O que há com ela? Ah, imagino! Sua amizade ridícula com ela...como se isso fosse salvá-la algum dia!"

- Os tempos mudam, sabe - Lissa rebateu. - Parece que Ceifadores e humanos não são tão diferentes afinal.

"Não ouse repetir isso!"

- Mais uma coisa - Lissa continuou. - Você não é a Morte dela. Eu sou.

O silêncio de um segundo foi quebrado com a gargalhada da Morte.

"Ridículo! Não vê como ela se sente mal perto de mim?"

- Fui designada à ela desde o início - Lissa sibilou.

"Não vou perder tempo com você!"

- Vamos, me mate de uma vez! - eu desafiei. - Quero ver o que você tem pra mostrar!

Pela maneira como Lissa me olhou, aquilo não me pareceu uma boa ideia.

"Eu não seria tão corajosa comigo se fosse você."

Tudo aconteceu em câmera lenta.

A tal Morte desconhecida veio me atacar, mas Lissa se encarregou de se jogar na minha frente, e ela levou um forte golpe, que fez nós duas sermos lançadas, e ela ficou mortalmente ferida.

- Lissa! - eu a segurei forte, como se pudesse manter a vida nela. Ela ofegava. Rapidamente, peguei o medalhão de presente e o coloquei sobre ela.

- O que...não faça isso... - sussurrou ela.

A Morte misteriosa começou a sumir.

"Eu vou caçar você, Luna! Vou estar sempre um passo atrás de você! Não fugirá de mim! Eu não vou medir esforços para destruí-la!"