O vento que batia no meu corpo era cortante mas eu avancava velozmente,e mesmo com o sobretudo por cima eu pude sentir meus bracos e pernas gelados e aquela sensacao de imobilidade e dormencia por conta do frio.
Eu so tinha um lugar para ir.
Atravessamos uma enorme ponte do centro da cidade,ela cortava um grande e negro rio chamado Bell's River.Aquele reservatorio enregelante guardava muitas almas que haviam se depositado por vontade propria ali e dava a cidade de La Bella uma ar sombrio e triste,que por sinal combinava perfeitamente com os habitantes,todos muito solitarios e silenciosos,vivendo suas vidinhas mediocres sem vontade ou coragem de ir embora.
Chegamos ao fim da ponte e viramos a esquerda onde se estendia diversos condominios da pequena parcela de ricos que residia na cidade.Diminui a velocidade e fui olhando para os lados atentamente.Finalmente avistei o que procurava.
No meio de toda aquela exposicao e competicao de maravilhosas e arrogantes mansoes se espremia uma casinha pintada de violeta e com uma faixa roxa a cortando no meio,as janelas e portas eram muito brancas,como se alguem se preocupasse em limpa-las todos os dias.Estacionei a moto em frente e desci puxando a menina comigo.
Toquei a campainha e aguardei.


Hesitei antes de continuar a contar.
A essa altura ele ja devia estar bem longe daqui.Nao posso ocultar muito mais.
-Algum problema,senhorita? - perguntou Alejandro me olhando.
-Nao. - respondi e imediatamente continuei o relato.


Alguns minutos depois a porta se abriu e Louis me fitou com um olhar de espanto.Seus olhos estavam vermelhos e molhados.Ele nao havia dormido aquela noite.
Ele nao disse nada ate que eu entrasse e quando o fiz a porta foi fechada rapidamente.
- O que esta fazendo aqui,Kei?Deveria estar o mais longe possivel dessa maldita cidade!! - ele dizia tdo aos sussurros,como se as paredes e os moveis tivessem ouvidos.Seus olhos me observavam com raiva e preocupacao e ele jogava seus cabelos negros que brilhavam num tom vermelho-acastanhado para tras a cada segundo.
- Preciso que me passe os codigos da central,Lui. - disse calmamente.
- Esta pensando em sair matando todos?Voce sabe o numero de agencias e pessoas que fazem parte dela,Kei.Assim como sabe que nenhum de nos saberia reconhecer algum dos infiltrados.
- Vai me passar esse maldito numero ou terei que pegar eu mesma? - disse fechando os olhos,sem perder a paciencia.
Seus labios se curvaram esbocando um sorriso e ele balancou a cabeca negativamente.
- Venha comigo.
Nesse instante seus olhos cairam pela primeira vez na garota que trazia comigo e ele me fitou com as sombrancelhas franzidas.
Eu o vi hesitar por quase um segundo.
Lui foi andando na frente para um quarto do fundo e digitou um codigo para abrir a porta de aco que guardava o comodo.
Entramos.
O comodo era repleto de papeis e cadeiras,bem como escrivaninhas,e nao se podia ver as paredes,pois estas eram cobertas de estantes lotadas de livros.
Louis caminhou ate uma das estantes e passou os dedos na lombada de uma fileira de livros e de subito parou em um especifico.
Era um livro de capa cor de marfim,sem nenhum titulo aparente.
Ele pegou uma agulha numa das escrivaninhas e a enfiou delicadamente no vinco do volume,de la saiu um pequeno pedaco de papel.
-Aqui esta. - disse-me ele estendendo o papel amarelado.
Peguei e o guardei no coturno e fui logo saindo da sala quando ele me puxou com agressividade e empurrou meu corpo prensando-me a uma das estantes.Tinha sido tudo tao rapido e inesperado que eu nao tive tempo para reagir.Apenas fiquei ali parada entre os diversos livros e Louis,olhando-o em silencio.
Em seus olhos eu podia ver a imagem de uma mulher de cabelos cor de palha presos num rabo-de-cavalo alto e meticulosamente arrumado,com nenhum fio sequer fora do lugar.Fitei os enormes olhos verde-musgo tingidos de cansaco e doenca e depois a pele palida,quase amarela.
Uma pena daquela pessoa triste me acometeu de repente.A doenca que via naquele olhar nao era do corpo.Era da alma.
Mal pude me reconhecer.Apenas fechei os olhos.
Repentinamente senti uma mao comprida e ossuda,mas muito quente tocando a minha e entrelacando-se nela.Nao ousei olha-lo novamente e tentei conter minha respiracao.Eu nao queria que ele continuasse mas nao queria lutar para sair dali.Nao hoje.
Senti um ar quente perto do meu rosto e percebi mesmo de olhos fechados que ele continuava a me fitar.Sua mao atravessou minha costa e me segurou pela cintura,me puxando com forca para si.
Ficamos assim durante um bom tempo e de repente ele me soltou e apoiou suas maos na estante atras de mim.
-Abra os olhos,Katherin - ouvi sua voz grave e seria me dizer com autoridade.
Abri.
Ele me olhava nos olhos mas eu nao pude decifrar aquele olhar.So entendi que ele aguardava alguma atitude minha.
Seus labios se aproximaram dos meus e ele parou a poucos centimetros de me beijar.
Virou as costas e saiu porta fora em passos rapidos.
Eu continuei ali.
Parada durante minutos sem saber o que fazer ou pensar.

Ele ficou parado na porta olhando para o nada enquanto iamos embora.

Eu me virei lentamente para ele antes de subir na moto e fitei mais uma vez aqueles olhos cor de mel.

- Adeus,Louis. - disse.

E pela primeira vez em anos senti que lagrimas quentes desciam pela minha face.

Sorri e ele me olhou com um sorriso de volta.