Seus passos pesados ecoavam nas estruturas dos predios podres que cercavam a estreita ruela.A chuva insistente que caira durante todo o dia deixou ali um liquido sujo e consistente,fazendo um barulho engracado e pingando para todos os lados conforme suas botas de plastico batiam pesadamente no solo.
Eu a seguia friamente,sabia que era uma rua sem fim e ela tambem,mas talvez ainda restasse um pingo de esperanca em seu coracao. Eu costumava chamar esse pingo de Suspiro dos Miseraveis. Era identico em todas as pessoas, mesmo as que passavam o resto de suas vidas desejando a morte. Alias é tipico do ser humano desejar morrer em situacoes ruins mas demonstrarem covardia na hora que é inevitavel o doce e rapido encontro com a morte.Muitos diziam que eu era a secretaria dela.E a que fazia o servico mais sujo.

Apenas cinco minutos de desespero e a garota se deparou com uma parede negra de tijolos no fim da ruazinha.Ela se virou bruscamente para mim e caiu de joelhos escondendo a face com as maos para deter um pranto lamentoso.Devia somar uns 15 anos,no maximo.Nascida em berco de ouro,filha de um poderoso bancario que usava o emprego apenas como uma fachada para o trafico de mulheres.O meu objetivo era acabar com a familia Platinez e ninguem,exatamente ninguem,deveria nem poderia sobreviver.Eu nao tinha permissao para ter piedade.

Me aproximei lentamente daquela figura arranhada encolhida no canto do beco.Ela trajava um vestidinho rodado que estava todo sujo e rasgado,com fitas que deveriam ser lacos ha algum tempo atras caidas ate o chao.Aquela pestinha tinha se escondido em algum canto da casa e eu a estava procurando durante 3 dias,o que estava em total desacordo com meus planos.

Me aproximei lentamente dela e me ajoelhei em sua frente.

- Shhh - sussurrei com o dedo nos labios.

Ela parou de subito e me olhou longamente.Seus olhos eram azul como o ceu numa manha de verao,apos uma noite inteira de chuva torrencial, e seus cabelos ruivos desgranhados desenhavam um rosto magro e palido,duro como marmore.

Colei meus labios em seu ouvido.

- Nao vai doer - disse friamente.

Senti seus olhos se abrindo com forca e sua respiracao dar um espasmo de medo.Retirei a lamina que guardava dentro do coturno num movimento automatico e num golpe rapido penetrei no coracao da jovem,tendo-o em minhas maos poucos segundos depois.A facada era estrategica para quem nao precisava saborear a melancolia e lentidao que acompanha o fim da mortalidade.

Ou era isso que deveria ter acontecido naquela fatidica noite.

Mas houve uma falha.

                                            • • • •

- Voce nao a matou - disse o homem sentado a minha frente enquanto mexia o cafe com a colher e me olhava com um riso ironico e faminto na face.

- Vai me deixar terminar,Alejandro?

-Como quiser.

Retirei a lamina que guardava dentro do coturno num movimento automatico mas hesitei por um segundo e em seguida a coloquei novamente em seu lugar.Por muito tempo eu me perguntei porque tomei essa atitude que ia contra todo meu treinamento assassino e meu temperamento calculista e calculado.No entanto,agora compreendo.

Deixei escapar um leve sorriso.
- Descobriu tarde demais as emocoes humanas,querida - disse Alejandro sorrindo de ponta a ponta como uma marionete.
- Essa historia nao ira te agradar tanto quando estiver proxima ao fim,meu amigo - olhei-o com desdenho e devolvi seu sorriso falso.
Sua expressao se desfez e ele me olhou enraivecido aguardando a continuacao dos fatos.

Levantei-me do chao sem precisar evitar o olhar da menina,eu simplesmente nao me importava e nao a quis dedicar-lhe novamente um segundo em meus pensamentos.Comecei a caminhar para o fim do beco no mesmo ritmo de antes.Ouvi passos apressado atras de mim.Me virei e a garota parou bruscamente me olhando com espanto,o mesmo olhar das criancas quando sao pegas fazendo travessuras.
- ME LEVE COM VOCE!ME LEVE COM VOCE!!!!! - gritou atropelando as palavras e gaguejando terrivelmente.
Era corajosa.
Fui caminhando calmamente em sua direcao a empurrando para tras com meu olhar fazendo-na bater de costas para aquela parede lodosa.Sem olha-la passei a mao envolta do seu pescoco fino e a ergui ate a altura de meus olhos.
- Poupei sua vida uma unica vez.Nao existem segundas chances no mundo.
- Eu...eu sei...onde esta... - a frase era interrompida por tosses e solucos desesperados.
Abri a mao e deixei que ela caisse no chao.
-O-Obri...gada...
-O que voce sabe?Seja rapida!
Ela me fitou com uma seriedade adulta.
- Eu sei onde Albert Nunes esta escondido.
Nunes.O associado do Dr.Platinez.Nao estava em casa quando fui procura-lo e a esposa imagina que e apenas um bancario de muita sorte pelo tanto que recebe.Facil crer numa mentira na qual precisamos acreditar,ela acaba se tornando real e nem percebemos.
Puxei a garota pelos bracos e fui arrastando para fora do beco.Precisava terminar o que comecei o mais rapido possivel.Falhas estavam e sempre estiveram fora de questao.Pelo menos pra mim.