- Você é uma teimosa! – bronqueou, quando ela já estava próxima de si. Mas ele sorria. – Eu te amo. – sussurrou contra seus cabelos.

Ergueu a mão direita, tocando no rosto de Chihiro, enxugando suas lágrimas.

- Por que está chorando?

- Estou feliz! Pensei que nunca mais te veria!

Boh sorriu. Chihiro arregalou os olhos diante daquela visão. Havia algo de diferente nele, que ela não conseguia explicar. Como se seus traços houvessem amadurecido durante o tempo em que estivera longe dela. Parecia mais alto e, mesmo assim, não tão desajustado com seu corpo. Podia-se notar o endurecimento nas linhas do maxilar e da boca. Sorrindo, seus olhos momentaneamente sombrios se desanuviaram. A beleza estranha e recém descoberta aflorando.

- Você está... diferente. – comentou em voz baixa.

- Você também, Chihiro. – ele disse, os olhos amorosos perscrutando o rosto da menina.

- Devo estar horrível! – abaixou a cabeça, tentando esconder sua fronte.

- Não, não está.

Boh puxou-a pela mão para a frente de um gigantesco espelho que ocupava metade de uma parede no aposento. Chihiro encontrou-se boquiaberta diante da figura que a encarava. Não podia ser ela! Ela deveria estar toda suja, desalinhada e com as roupas completamente arruinadas. Seus olhos não deveriam estar tão brilhantes, e as bochechas tão rosadas. O corpo coberto por um vestido claro que ressaltava as curvas que ela pensara ser inexistentes, de alguma forma, estava mais mulher.

- Agora vê? – Boh perguntou, abraçando-a. Observando pelo reflexo do espelho, sua concordância muda.

- O que aconteceu conosco?

- Não sei... me sinto um tanto diferente, mas é como se já existisse algo dentro de mim.

Passou os dedos pelos cabelos escuros, sem conseguir se explicar com clareza.

- Eu sei. – ela interrompeu o que Boh estava prestes a dizer. – Já vi isso surgir em você.

Ele sorriu, sem ser acompanhado por Chihiro.

- Boh. – ela começou.

- Pode dizer. – incitou-a a prosseguir.

- O que era aquilo...? Aquele espelho.

Boh fez Chihiro virar para si, erguendo seu queixo com os dedos calejados, obrigando-a a olhar em seus olhos. Admirou seu rosto em silêncio, quase dolorosamente, permanecendo naquela posição durante um tempo imensurável. Encarando-a.

Aproximou seus lábios dos dela com cuidado, como se estivesse com medo de machucá-la de alguma maneira. Num toque tenso suas bocas se encontraram e, cedo demais, ele se afastou sentando-se ereto em almofadas semelhantes as que Nadesico usava na frente de seu trono.

- Chihiro. – ele a chamou com doçura. – Venha aqui. – observou a garota se aproximar com uma tristeza crescente em seu rosto. Sentou-se um pouco afastada dele. – Não queria ter que fazer isso.

- O que? – Chihiro perguntou curiosa.

- Preciso saber de tudo que aconteceu. – falou com firmeza.

- Eu...

- Não importa, Chihiro. – tomou-lhe as mãos entre as suas. – Já sabia que seria desta maneira. Nunca poderia ter sido de outra forma.

- Eu te amo, Bou. – afirmou com convicção.

- Nunca duvidei disso, Chihiro. Conheço você. Isso só prova que estava certo. – pousou a mão livre sobre o pulso com o prendedor. – Não o deu a ele.

- Não estou entendendo nada. – disse.

- Daqui a pouco irá, meu anjo. – sussurrou aproximando-se. Com os dedos pegou uma mecha solta do cabelo de Chihiro e colocou-a atrás de sua orelha. Foi descendo, percorrendo lentamente o pescoço da garota até chegar à clavícula exposta. Sentindo na pele o tremor. – Amo você, Chihiro. – murmurou em sua orelha. – Amo você...

Beijou o caminho até sua boca, acariciando gentilmente sua nuca. Beijou-a com o calor que não havia antes, apertando aquele corpo de criança no seu. Controlando seus olhos para que não chorasse de felicidade por ela ser real.

- Chihiro. – suspirou, tomando ar, encostando suas testas.

Depois tornou-se novamente distante. Os olhos cansados se fecharam involuntariamente, sem observar a movimentação da menina, que tirara um lenço de suas vestes.

- Tome. – disse depositando-o em suas mãos. Desfez o embrulho com cuidado.

- Você guardou? – estava visivelmente emocionado.

- Sim... – respondeu baixinho. – Achei que você pudesse precisar, apesar de estarem quebrados.

- Não importa. – seus olhos tornaram-se calorosos. – Obrigado, Chihiro. – apertou as lentes em seus dedos, respirando fundo. – Desculpe.

- Pelo que?

- Não preciso mais deles.

- Oh... – ela sorriu. - Você realmente fica melhor assim.

- Chihiro. – começou, o rosto tornando-se sério.

- Eu sei... não podemos mais adiar as coisas.

Boh assentiu. Encarando com firmeza os orbes negros da garota.

- Haku contou-me tudo que aconteceu. Não omitiu nada do que vimos naquelas memórias. Disse que o seu coração foi roubado por Yubaba, que haviam feito um contrato quando ele era criança, para que pudesse aprender magia. Depois não houve maneira de se libertar. Apesar disso, ficou tudo meio confuso... não sei no que mais ele pode ter mentido, só vimos alguns fragmentos do que se passou.

- O que mais ele pode ter mentido? – Boh repetiu apoiando-se nos cotovelos para chegar mais perto.

- Não sei direito o que aconteceu...

- Tente explicar. – pediu. – Isso é importante, Chihiro.

- Ele estava dizendo para que ficasse com ele. Algo estranho surgiu, eu sabia da verdade. Foi como... como um estalo, uma voz em minha mente que dizia que ele estava mentindo. Perguntei-lhe o que estava escondendo de mim e ele hesitou. Eu fiquei assustada, até aquele momento, pensara que ele não era verdadeiramente mal, que tudo aquilo aconteceu devido ao que ele passara. Estava tão enganada! Acho que indaguei se ele sabia onde você estava, foi algo assim... Ele disse que não tinha como saber. Mas ele vinha nos rastreando. Eu insisti e ele disse que não poderia fazer isso porque você estava morto. De novo surgiu aquilo, Boh. Eu comecei a gritar dizendo que ele o matara e que você estava naquele lugar. Fui embora dali, foi como se estivesse sendo conduzida até onde você estava.

- Agora eu entendo. – estendeu seus dedos longos para tocar no rosto de Chihiro, pousando o polegar com leveza em seu lábio inferior.

- O que era aquele espelho, Boh?

- Se chama espelho da separação. Eu estava preso ali...

- Para que? Por que ele fez isso?

- Nós somos dragões, temos uma ligação em nosso cerne. Haku iria absorver a minha energia. – ele sorriu. – Mas ele não conseguiu...

- Não?

- Você interferiu.

- Como assim?

- Você abateu Haku, deixou que eu morresse. Ele não pôde pegar minha energia.

- Bou.

- Ahn?

- Como eu fiz aquilo?

- Você esta usando o poder, Chihiro. Mas... – Boh fechou os olhos. – Não consegue controlá-lo.

- Há alguma maneira para que possa fazer isso?

- Nadesico vai lhe mostrar.