Spirited Away 2 escrita por otempora


Capítulo 33
Clemência




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A escuridão se apossou do entorno.


- Estamos cercados. – Boh disse.


Kamaji mancou até janela, puxando as cortinas com violência arrancando-as do estrado em alguns pontos; já temendo o que encontraria. O céu estava completamente negro.


- Não pode ser... – murmurou para si mesmo, um desespero imediato amolecendo seu corpo, que não teve ninguém para segurá-lo. Teve a consciência, novamente, de como estava solitário. E o sentimento de inutilidade penetrou novamente em seu coração, esmagando-o. Observou os dois jovens juntos as suas costas.


Como se não suportasse ver o que via, desviou os olhos para fora, como se buscando um refúgio. A escuridão avançava inexorável e indiferente aos seus temores. As árvores se curvavam perante aquele vento, um rumor que anunciava a morte. Contudo, havia um brilho naqueles seres, os espíritos da floresta se uniam para lutar. A vida havia lhes sido devolvida e eles queriam trazer a luz de volta. Não tinham consciência de sua fraqueza diante daquelas criaturas fétidas e tão maiores que elas.


Só sabiam que não mais conseguiriam ficar paradas diante das ameaças que lhes chegavam aos sussurros. Não permaneceriam mais com as raízes fincadas no fundo da terra, esperando para lhes ser arrancado seu último sopro de vida.


O grito da primeira árvore que foi atingida ecoou agonizante. Machucando os ouvidos de seus atacantes. Que se lançaram com mais fúria à barreira que se formara. Era uma multidão de cópias de Sem Rosto. Seres que repudiavam a morte, sem a presença de um coração ou cérebro. Não tinham motivos por que lutar, para existir aquela beligerância. O sangue lhes fora imputado como dieta, dependiam dele.


Sangue que os deixava com vontade de possuir mais e mais. Até que se destruiriam mutuamente. Sabiam disso, era seu destino. Porém, não se preocupavam... só existia aquela voracidade dominando seu corpo, impulsionando os músculos e o corpo gelatinoso a seguir em frente, em busca da aguardada recompensa.


Tinham que buscar o que fora mandado. Os açoites de fogo ainda deixavam marcas nas máscaras. Uma lembrança vívida de sua escravidão. O mestre das chamas os dominava. E, para conseguir o que ele necessitava. Precisariam destruir. As bocas abertas numa forma gigantesca foram inundadas de saliva, um ácido que fez as árvores recuarem com medo de serem digeridas vivas.  Incitados por aquele temor, eles avançaram lentamente, aproveitando-se do medo e do negrume. A todo lado eles gritavam sua vitória por sons vindos do fundo da garganta. Circundando. Demonstrando com ataques devastadores como seria quando se enfurecessem, quando cansassem de brincar com aqueles frágeis espíritos da floresta. Iriam triturá-los entre seus dedos um a um por se colocarem em seu caminho.


- Vão nos matar! Não terão piedade! – Kamaji blasfemava erguendo-se do chão, onde antes estava estático observando a luta. Voltou-se para Boh e Chihiro, que conferenciavam em voz baixa. – O que pretendem fazer agora? – perguntou acusadoramente. – Não deveriam ter me metido em sua missão suicida! – brigou.


Os dois não deram ouvidos as suas palavras, Kamaji sentou-se exasperado a fúria crescendo.


- Tem certeza que consigo? – escutou Chihiro perguntar, incerta quanto a algo que Boh tinha dito.


- Confie em mim. – ele pediu erguendo a voz.


- Não gosto disso.


- Eu sei... Mas precisamos fazer.


- O que estão tramando? – Kamaji perguntou.


- E se não conseguir fazer isso? – Chihiro indagou, temendo não ser capaz de controlar o poder.


- É só ter fé. Sei que conseguirá, Chihiro. – ele disse seu nome com tanta doçura, que a fez esquecer das preocupações durante um mínimo instante. Ela viu tanta afeição no olhar que ele lhe deu e uma dor que ele não conseguiu ocultar.


- Mas, Bou.


- Não se preocupe com isso. Vai se sair bem. - estendeu as mãos, tomando o rosto dela entre suas palmas. – Olhe para mim, Chihiro. – pediu.


- Não há outra maneira, Boh? Não podemos fugir daqui?


- Não, não há outra maneira. – explicou com paciência. – Já tentei de tudo... Não nos deixarão partir.


Ele suspirou pesadamente, o cansaço tomando suas feições.


- Preciso que seja forte, Chihiro. Vai dar tudo certo.


O coração da menina se apertou de uma forma estranha. Obliterou a distância que a separava de Boh, selando seus lábios num beijo de despedida. Sentiu as lágrimas involuntárias escorrendo por suas bochechas. Ele afastou-se dela rápido demais, deixando-a com uma súbita sensação de vazio, que não experimentava há vários dias.


- Fique seguro, Bou. – implorou com a voz fraca.


Ele virou o rosto e Chihiro podia jurar que ele também estava chorando. Saiu do caminho de Boh, enquanto ele pegava diversos objetos pelos cantos da casa. Enquanto a garota se virava de costas para ele, tentando distinguir alguma coisa diante daquela bruma e o negrume, encostou o rosto no vidro frio, secando as lágrimas com os dedos magros. Ouviu o barulho da porta se fechando, indicando que Boh saíra, toda tarefa não durou mais do que cinco minutos.


- Eu te amo. – sabia que deveria ter dito essas palavras mais cedo. Balançou a cabeça, desconsolada. Respirou profundamente, tentando encontrar alguma força dentro de si. Precisava agir, e não ficar parada, esperando que a morte viesse ao seu encontro.


Retirou o prendedor de cabelos de seu pulso, apertando-o junto ao peito. Virou-se para o velho Kamaji, com uma fúria desconhecida dominando-lhe as feições.


Ele não sabia o que dizer. As palavras que possuía eram insuficientes. Pela primeira vez, viu Chihiro como uma mulher, e não como a menininha que guardava em suas memórias. Andou em direção a ela. Tomando as mãos pequenas entre as suas.


- Sinto muito, Chihiro. – disse, realmente arrependido.


- Eu também, Kamaji. – não parecia que aquelas palavras haviam saído da boca dela. Soavam como um passado esquecido, o qual nunca teve tempo de acontecer. Num mundo diverso a este, ela poderia estar com Haku. Se tantas coisas não tivessem acontecido...


Kamaji lamentava por tudo que seus amigos perderam. Doava sua força num último e desesperado pedido de desculpas. Enquanto olhava a face de Chihiro, a qual novamente lembrava uma fada. Os cílios longos fazendo sombra em seu rosto, os lábios comprimidos enquanto ela se concentrava. Sem ter consciência do velho à sua frente.


Ele pode ver aquela menina pedindo ajuda. Precisando, mais uma vez, dele para que pudesse sobreviver. Um sorriso escapou de seus lábios. Não se sentia como algo de fora, como acontecera durante todos aqueles anos...


Tudo, em sua imaginação, voltou a ser como era antes. Os perigos eram menores e eles não eram impotentes diante deles. Eram fortes, unidos da maneira que estavam; não poderiam ser nunca separados.


Em sua fantasia, ele não estava partindo para sempre. Estava indo para casa, onde poderia ter um breve descanso antes que as saudades lhe comprimissem o peito.


Acreditava em si mesmo. Tinha que fazer isso para impedir que o medo o dominasse naqueles instantes. Para que pudesse partir em paz.   


Um último ato de clemência... 


Viu o brilho surgir entre as mãos unidas da garota, deixou ser absorvido por ele.


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