Querido Amigo,

Finalmente resolvo te enviar uma carta contando sobre algo que acredito que ninguém saiba. Não que eu fosse de guardar segredos, não acredito muito no conceito de “segredos” normalmente eles magoam e ferem, mas também não existia um motivo para espalhar ao mundo o que acontecia. Ele acabaria ainda mais ferido do que já estava. E mesmo que eu faço considerada a “maluca” acho que naqueles últimos dias ele também não estava muito longe disso, mas nossas loucuras eram diferentes, porque na realidade eu nunca fui louca ou perturbada só gosto das coisas que são diferentes e das coisas que as pessoas fingem que não existem, mas muitas coisas que não vemos está todo dia ao nosso redor, como o vento.

Mas não vou falar sobre mim. Ou não especificamente sobre mim. Você me conhece, é meu melhor amigo e deve está achando muito estranho o tom dessa carta. O jeito sério como as palavras estão dispostas no papel. Talvez esteja até mesmo assustado, porque essa que vos escreve não é aquela sua amiga que sempre manda novidades e plantas desconhecidas. E nesse momento eu realmente não sou ela. Sou alguém que precisa contar um segredo, e talvez esse segredo me deixe muito instável. Até mesmo a ponto de me fazer mudar.

Eu o vi. Ontem.

Ele não parecia está se afogando em sonhos como era antigamente. Ele parecia bem. Não bem, mas melhor. Menos assustado e um pouco mais parecido com o que todos esperam dele. Você não sabe quem é ele ainda, mas no final eu te direi. Apenas acompanhe o nosso segredo.

Eu o vi com a família, e também estava com a minha. O tempo pode modificar as pessoas, e também as manter seguras em suas armaduras. Muitos de nós ainda carregam as cicatrizes daquela ultima guerra pelo corpo, mas muitas delas ficaram nas almas. Tenho certeza que muitos ainda acordam no meio da noite e andam pela casa tentando respirar e se lembrando que acabou. Isso é efeito das guerras, por isso que odeio toda violência, ou palavras que podem magoar as pessoas.

Foi na guerra que tudo aconteceu. Um belo desastre.

Mas mesmo que não acredite, e sei que você não irá. Ele era uma boa pessoa, uma pessoa confusa, com medo e assustada, assim como nós. Talvez você já esteja descobrindo de quem eu estou falando. Um grande inimigo que de grande não tinha nada, e que era mais inimigo de si mesmo do que de nós. Você acertou.

Passar todos aqueles dias presas no porão me fez perceber que existia algo de errado em tudo aquilo, e sempre acabava escutando os gritos nos quartos de cima, com o passar dos dias eu percebi que os gritos vinham dele, e que sempre que o pesadelo acabava ele descia até os “prisioneiros” e me incluo nisso, para nos trazer água ou comida.

Ele sempre estava soado e com os olhos envoltos em olheiras grandes e escuras, e fui percebendo que os pesadelos constantes faziam com que ele quase nunca estivesse dormindo. Um dia deixei de observar e resolvi dizer o que pensava. Eu disse que sabia que ele não queria aquilo tanto quanto nós, e que ele poderia soltar a todos. Ele não disse nada e apenas saiu do porão.

Mas no dia seguinte, acho porque não era possível saber quando era dia ou noite. Mas depois de um longo tempo ele voltou novamente com água e comida, e antes de sair olhou para mim. Eu enxerguei o desespero naqueles olhos. E sua voz saiu tão baixa que não sei se foi apenas minha imaginação, mas ele disse “você não entende”, mas eu entendia sim.

Ele era tão amaldiçoado quanto parecia ser, marcado para matar outra pessoa, vendo sua família perder o poder, servir de um simples servo dispensável, e ainda assim se manter ao lado de alguém que no final pode matar a todos sem ao menos se importar. O único problema é que perceber isso, só me fez perceber também que ele também alguém sofrendo as consequências da guerra, assim como eu.

Nós não trocamos palavras. Nunca.

E isso parece estranho, mas a partir daquele momento nos comunicávamos por olhares. E eu entendia o quanto ele pedia ajuda, do mesmo jeito que eu. Ele também estava preso só que de uma maneira diferente. Sei que você meu grande amigo não deve concordar com isso, mas eu fiquei com ele por tempo o suficiente para entender o que aqueles olhos diziam. Eu sabia que ele também queria escapar, mas jamais poderia fugir.

Começamos a nos olhar com tanta frequência, e eu sempre pensava que salvá-lo poderia arruinar tudo. Arruinaria ele, e me arruinaria, e tenho certeza que ele pensava o mesmo. Porque naquele momento nós sentíamos a mesma coisa. Nossos olhos eram como mãos, e nós deixávamos eles se entrelaçarem sempre que possível.  Você deve está dizendo “ a Luna enlouqueceu de vez” ou “por que ela está me contando isso?” , eu não enlouqueci, sabe que nunca fui louca. E estou te contando porque eu senti como se tivesse voltado para aquele porão.

Quando eu vi ele, nossos olhares deram as mãos novamente.

Seus olhos diziam que ele estava bem, que os pesadelos tinham diminuído, e que ainda se lembrava daqueles dias assim como eu me lembro. E ele estava tão bonito, e com um sorriso discreto.

Acho que meus olhos responderam a mesma coisa, eu também estou bem e nunca tenho pesadelos porque penso nas coisas boas, estou feliz e seguindo minha vida. Talvez não esteja tão bonita quanto ele, ainda mais com meus cabelos mal amarrados. Mas eu também sorri.

Naquele porão, sem trocar uma única palavra, e conversando tanto pelo olhar, e beijei Draco Malfoy. E foi um beijo doce e tão puro que talvez eu nunca me esqueça dele. Assim como nunca me esquecerei dos nossos entrelaçamentos de olhos. Porque ficar junto dele seria um belo desastre, mas um momento de ternura foi o que nos manteve fortes até o fim da guerra.

Você é a única pessoa que saberá sobre isso, porque é meu melhor amigo. Antes que me pergunte se me arrependo. Não. Foi algo que talvez o tenha mudado por dentro, quero acreditar que o meu beijo despertou nele alguma coisa boa e intensa, e quero acreditar que nunca ele teve um beijo como aquele, porque foi no momento em que não se espera que isso aconteça, com alguém que ele jamais seguiria em frente.

Nós somos exatamente como água e óleo, nos beijamos sim, mas nunca nos misturamos.

Sinto que você está olhando para a carta e se perguntando como tudo isso aconteceu, mas o que precisa saber que confio em você e por isso te contei tudo. E porque precisava dizer a alguém que vê-lo no meio da rua, seguindo em frente e se tornando alguém melhor do que pretendia foi algo bom, foi uma sensação de vitória. Sua esposa é linda, e está gravida. Imagino como o filhou ou filha deles será, acredito que diferente do pai em vários aspectos, mas espero que tenha o mesmo olhar. Porque assim terá a capacidade de dar as mãos com algum garota sem precisar tocá-la, apenas usará o olhar.

Eu fiquei contente em perceber que algo do passado pode nos preencher de carinho e amor, e precisava compartilhar esse sentimento com alguém, e quem melhor do que o meu amigo. Porque somente alguém que me entendesse saberia como entender o que sinto.

Sinto-me feliz e realizada.

E agora preciso encerrar essa carta, porque a expedição está para sair e eu nem preparei minha mochila. Obrigada por todas as cartas que trocamos, e saiba que sempre será aquele que guardará meus segredos.

Sinto saudades, e espero vê-lo em breve.

A Lua está cheia hoje, e isso significa que daqui a um mês estarei de volta e poderei te abraçar e também posso te entregar umas folhas que talvez sejam ótimas para espantar zonzóbulos, mas precisam ser estudadas.

Mantenha distancia dos Narguilés.

Luna Lovegood ♥